9
janeiro 2015, Redecastorfoto
http://redecastorphoto.blogspot.com.br (Brasil)
8/1/2015, Pepe Escobar*, Asia
Times Online − The Roving Eye
Traduzido
pelo pessoal da Vila Vudu
SÓ OS INTERESSADOS EM DEMONIZAR O
ISLÃ
Revide
anti-império. Uma mini-Damasco. Mas a coisa toda fede. Como é possível que os
assassinos fossem tão eficientes? E como conseguiram escapar? [Russia
insider]
Putin
é culpado. Desculpe, mas não foi Putin. Afinal de contas: quem atacou no
coração da Europa não foi a Rússia. Foi um comando de estilo pró-jihadi.
A quem o crime beneficia? Cui bono?
Planejamento
e preparação cuidadosos; Kalashnikovs; foguetes lançadores de granadas;
balaclavas; coletes à prova-de-balas estampados com camuflagem de deserto e
estofados com revistas velhas; botas de uso do exército; fuga, que parece a
cereja do bolo: num Citroen preto. E o toque final no bolo mortal: apoio logístico
perfeito, sem falhas para a execução do ataque, em Paris. Um ex-comandante
militar francês, Frederic Gallois, chamou atenção para a aplicação perfeita
da “técnica
de guerrilha urbana” (onde se metem aqueles notórios
“especialistas” ocidentais em contraterrorismo, quando se precisa deles?).
Para
uns, falavam francês perfeito; para outros, francês arrevesado. Seja como for,
o que interessa é que pronunciaram a palavra mágica: “Somos a Al-Qaeda”. Melhor
ainda: disseram a um homem na rua: “Diga à mídia que é a Al-Qaeda no Iêmen”, o
que significa, na terminologia do terror norte-americano,
Al-Qaeda na Península
Árabe [orig. al-Qaeda in the Arab Peninsula (AQAP)], que mantinha o
cartunista e editor de Charlie Hebdo, Stephane Charbonnier (“Charb”), numa lista de
alvos devidamente promovida pela revista Inspire, publicada em
papel caríssimo, da AQAP. Acusação: “Insultar o Profeta Maomé”.
E
para garantir que todos ficassem com os perpetradores bem impressos na memória,
os assassinos também disseram “Allahu Akbar”, “Matamos Charlie Hebdo”
e “Vingamos o Profeta”.
Caso
resolvido? Ora, em apenas poucas horas a Polícia francesa já havia identificado
dois suspeitos (de sempre?): os irmãos franco-argelinos Said e Cherif Kouachi.
O terceiro homem – o suspeito de dirigir o Citroen preto, 18 anos, Hamyd Mourad
– logo se apresentou à polícia com um álibi indestrutível. Significa que o
terceiro homem permanece não identificado.
Todos
usavam balaclavas. Os irmãos Kouachi não foram capturados. Mas a Polícia parece
saber muito bem quem são. Porque encontraram um documento de identidade
esquecido no Citroen preto (é a correria de executar atentado terrorista bem na
hora do rush). Como é possível que ninguém soubesse de nada antes da
carnificina?
Não
demorou para a biografia de Cherif Kouachi aparecer em todos os jornais e
telas. Estava numa lista global de procurados. Com seis outros, foi condenado
em maio de 2008 a três anos de prisão por “terrorismo”. De fato,
entregou uma dúzia de jovens franceses, através de madrassas no
Egito e na Síria, a ninguém menos que Abu Musab al-Zarqawi, o ex-chefe da
Al-Qaeda no Iraque morto por um míssil dos EUA e pai espiritual do Estado
Islâmico/ Daesh/ ISIS/ ISIL.
Também
imediatamente, já havia uma narrativa completa, pronta para consumo de massas. O ponto-chave:
a Polícia francesa privilegia a hipótese de “terrorismo islâmico”. Segundo
“especialistas” da Polícia, pode ter sido ataque “ordenado do exterior e
executado por jihadistas que retornaram da Síria e escaparam à Polícia”, ou
podem ser “idiotas da periferia que se autorradicalizaram e conceberam esse
ataque militar em nome da Al-Qaeda”.
Esqueçamos
a opção dois, por favor: é claro que foi serviço de profissionais. E se se
considera a opção um, a coisa aponta – e que mais poderia ser? – para revide.
Sim. Podem ter sido mercenários do Daesh/ISIS/ISIL treinados
pela OTAN (detalhe crucialmente importante: a mesma OTAN da qual a França é
membro) na Turquia e/ou na Jordânia. Mas a coisa pode também ser ainda mais
imunda, porque pode, sim, ser operação “doméstica”, mascarada sob falsa
bandeira, obra de agentes passados ou atuais de Forças Especiais francesas.
Culpe
o Islã!
Como
se podia prever, os divulgadores-promotores do islamofascismo estão em
altíssima rotação, aproveitando o dia/semana/mês/ano. Para trolls/hordas
e imbecis em geral, que se orgulham do próprio QI abaixo de protozoários, se há
dúvidas, demonize o Islã. É tão conveniente esquecer que milhões nunca
contabilizados nas áreas tribais do Paquistão e pelos mercados de rua no Iraque
continuam a padecer a mesma dor devastadora nos corações e mentes, porque
também são vítimas descartáveis do pensamento jihadista – “cultura de
Kalashnikov”, como se diz no Paquistão – que beneficia sempre diretamente ou
indiretamente o “ocidente”, já há décadas. Pensem nos drones norte-americanos
que dronam ritualmente, sem parar, civis paquistaneses, iemenitas, sírios e
líbios. Pensem em Sadr City, que conheceu carnificinas mais de dez
vezes piores que a de Paris.
O
que o presidente francês François Hollande definiu como “ato de barbarismo
excepcional” – e é – não se aplica quando o “ocidente, com a França na linha de
frente, do rei Sarkô ao general Hollande em pessoa, arma, treina e controla por
controle remoto degoladores/ mercenários que “operam” sem parar, da Líbia à
Síria. Ah, sim! Matar civis em Trípoli ou Aleppo é perfeitamente normal.
Atrevimento é matar civis em Paris.
Por
tudo isso, e no coração da Europa, é revide. As pessoas nos Waziristões
sentem-se exatamente assim, quando uma festa de casamento é incinerada por
um míssil Hellfire. Paralelamente, é absolutamente impossível que a
oh-tão-sofisticada rede ocidental de inteligência não tenha sabido que o revide
estava sendo preparado – e que nada tenha feito para impedir que se consumasse
(como é possível que os bodes expiatórios da hora, os irmãos Kouachi, não
estivessem presos?).
É
claro que a ultra-complexa e elaborada rede ocidental de contraterrorismo – tão
eficiente para nos pôr nus em todos os aeroportos – sabia que a coisa estava
sendo preparada; mas na guerra-de-sombras, a “al-Qaeda” é organização guarda-chuva,
com miríades de nomes derivados, inclusive o “renegado” Daesh/ ISIS/ ISIL,
todos usados como exército mercenário e conveniente ameaça doméstica ativa
“contra nossas liberdades”.
Quem
lucra mais?
A think-tank-lândia
norte-americana, também previsivelmente, está ocupadíssima divulgando o drama
de uma “divisão intra-muçulmanos” que dá muito espaço geopolítico a ser
explorado pelos jihadistas – e, isso, para sugar o mundo ocidental para dentro
de uma guerra civil muçulmana. É ideia absolutamente ridícula.
O
Império do Caos, já durante os anos 1970s, andou ocupadíssimo cultivando a
cultura jihadi/Kalashnikov,
para lutar contra qualquer coisa, da URSS a movimentos nacionalistas em todo o
Sul Global. “Divide e governa” sempre foi usado para soprar as chamas das
guerras “intra-islâmicas”, desde o governo Clinton tornando-se íntimo dos
Talibã, até o governo Cheney – ajudado pelos vassalos do Golfo Persa –
trabalhando para inflar o cisma sectário que separaria sunitas e xiitas.
Cui
Bono –
quem mais se beneficia? – com o assassinato de Charlie? Só todos cuja agenda é
a demonização do Islã. Nem os fanáticos mais descerebrados encenariam aquela
carnificina na redação de uma revista francesa, só para mostrar às pessoas que
os acusam de ser bárbaros que eles são, sim, bárbaros. A inteligência francesa,
pelo menos, já concluiu que não foi coisa de explosivos grudados na cueca: foi
trabalho de profissionais. E acontece exatamente poucos dias depois de a França
reconhecer o estado palestino. E poucos dias depois de o general Hollande
exigir o fim das sanções contra a “ameaça” russa.
Os Masters
of the Universe que movimentam as alavancas reais do Império do Caos
estão enlouquecendo ante o caos sistêmico que já está generalizado e que eles,
até há bem pouco tempo, ainda tinham a ilusão de que controlavam. Que ninguém
se engane: o Império do Caos fará o que puder para explorar o ambiente
pós-Charlie – e seja revide ou operação ‘'interna'’ clandestina.
O
governo Obama já está mobilizando o Conselho de Segurança da ONU. O FBI está
“ajudando” os investigadores franceses.
Como disse, em formulação memorável, um analista italiano, os jihadistas
não invadiram a sede de um fundo-abutre: atacaram a sede de uma revista de
sátiras. É claro que não se trata de religião: trata-se de geopolítica linha
duríssima. Faz-me lembrar David Bowie:“This is not rock'n roll. This
is suicide” [Não é rock’n
roll. É suicídio].
O
governo Obama já está mobilizado para oferecer “proteção” – à moda máfia – a
uma Europa Ocidental que já está começando (só começando) a divergir da ideia
pré-fabricada da tal “ameaça” russa. E bem nesse instante, quando o Império do
Caos mais precisa, eis que o maligno “terô” [“terror”, como Bush pronuncia a
palavra (NTs)] mais uma vez ergue a cabeçorra.
Mas,
sim, #souCharlie. Não só porque eles nos faziam rir, mas
porque foram usados como cordeiros sacrificiais numa imunda, muita imunda,
suja, terrível, infindável, guerra de sombras.
*Pepe
Escobar (1954)
é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica
exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia
Times Online; é também analista de política de blogs e sites como: Sputinik, Tom
Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e
outros; é correspondente/articulista das redes Russia Today, The
Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus
artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de
Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
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