11
de Janeiro de 2015, Pátria Latina http://www.patrialatina.com.br (Brasil)
Wilson Roberto Vieira
Ferreira
Como
em todos eventos agudos que envolvem a interminável “guerra contra o
terrorismo”, muitos analistas apontam inconsistências, ambiguidades e lacunas
na cobertura midiática ao atentado contra o jornal "Charlie Hebdo" em
Paris. São tantas que parece que estamos diante de um roteiro de um
filme mal produzido: uma ação militar profissionalmente cirúrgica feita por
jovens que esquecem um cartão de identidade no carro da fuga. Coincidências e
conveniências para muitos lados (e até para a grande mídia brasileira) envolvem
a chacina dos jornalistas e cartunistas franceses, gerando uma espiral de
especulações e conspirações. Será que alcançamos o estágio mais avançado do
terrorismo, o “meta-terrorismo”? O relato midiaticamente ambíguo de um
atentado pode se tornar tão letal quanto o próprio atentado.
Como
diria a personagem Church Lady (feita pelo comediante Dana Carvey no
programa Saturday Night Live, sempre preocupada com as conspirações
satânicas por trás das coincidências): “How Con-VEEN-ient!” (“Tão
conVEEEniente!”).
Numa
primeira análise, o ataque terrorista (alguns afirmam que foi na verdade uma
ação militar pela precisão) ao jornal satírico francês Charlie Hebdo em
Paris, que vitimou 12 pessoas entre eles cartunistas, editores e colunistas do
veículo francês, tem se revelado bem conveniente para três personagens do atual
cenário internacional e, de quebra, para
o senso de oportunismo da grande mídia
brasileira:
(a) Para
o politicamente desgastado presidente da França François Hollande –
85% dos franceses declaram que Hollande não deveria se candidatar à
reeleição e 50% o acusam de não cumprir promessas da campanha, segundo o
Instituto Francês de Opinião Pública. Com a economia estagnada e falando para a
mídia em “pacto de responsabilidade” onde cada um teria sua cota de sacrifício
(aumento de taxação e redução dos custos dos trabalhos), Hollande acenava
com “união” para uma “França forte”. Medo e infelicidade são importantes
ingredientes para a unificação diante de um suposto inimigo externo. O 11 de
setembro nos EUA provou isso.
(b) Para
o fascismo europeu – com dezenas de milhares indo às ruas das capitais
europeias desde o ano passado no movimento chamado Pegida (sigla em alemão para
Europeus Patriotas Contra a Islamização do Ocidente), isso sem falar no
crescimento eleitoral da extrema-direita de Marine Le-Pen na França, o atentado
dá forças à xenofobia alimentada pela crise econômica continental. O atentado
cairia midiaticamente como uma luva pois representaria um ataque àquilo que
supostamente distinguiria o Ocidente do “obscurantismo” islâmico: a liberdade
de expressão.
(c) Para
os EUA – Enquanto em Paris os supostos terroristas faziam uma chacina na
redação do Charlie Hebdo, um carro bomba explodia em frente à Academia de
Polícia no centro de Saná, capital do Iêmen, resultando em 37 mortos.
Informou-se que o braço jihadista da Al-Qaeda do Iêmen reivindicou a autoria.
Quase ao mesmo tempo em Paris, os terroristas encapuçados gritavam na rua para
todos que pudessem ouvir: “Digam para a imprensa que somos da rede Al-Qaeda do
Iêmen”.
Por
que agora o Iêmen? O que agora o mundo (ou os EUA) querem com esse país pobre
fronteiriço da Arábia Saudita? Leia esse trecho do documento “A Agenda Secreta do Iêmen: por trás dos cenários da
Al-Qaeda, o gargalo estratégico do petróleo” de 2010 do Centre
of Research on Globalization (CRG):
“A
importância estratégica da região entre o Iêmen e a Somália torna o ponto de
interesse geopolítico. Lá está o estreito de Bab el-Mandeb, um dos
sete pontos que os EUA consideram gargalos para o transporte de petróleo – um
gargalo entre o cabo da África e Oriente Médio, e uma ligação estratégica entre
o Mar do Mediterrâneo e o Oceano Índico”.
O
impactante atentado de uma suposta ramificação da Al-Qaeda no Iêmen seria um
pretexto perfeito para a militarização da águas em torno de Bab el-Mandeb pelos
EUA ou OTAN. Os EUA buscam o controle desses gargalos críticos no mundo. Essa
região seria estratégica em um futuro próximo pela possibilidade de controle do
petróleo para a China, União Europeia ou qualquer região que se oponha à
política norte-americana.
(d)
Para a grande mídia brasileira – diante do fantasma da
regulamentação midiática através da possibilidade da implementação Lei dos
Meios, oportunisticamente colunistas brasileiros dão o ponta pé inicial na
transformação do atentado em combustível para sua agenda. Diogo Mainardi e
Felipe Moura Brasil, por exemplo, tentam associar a tragédia de Paris a uma
onda ofensiva contra a liberdade de imprensa do qual faria parte “os ataques
petistas”.
E ainda, a inacreditável "jornalista" Rachel Sherazade, em comentário na Rádio Jovem Pan, comparou a revista Veja ao Charlie Hebdo. Para ela, o veículo estaria sendo vítima não do radicalismo islâmico, mas do "radicalismo de esquerda".
E ainda, a inacreditável "jornalista" Rachel Sherazade, em comentário na Rádio Jovem Pan, comparou a revista Veja ao Charlie Hebdo. Para ela, o veículo estaria sendo vítima não do radicalismo islâmico, mas do "radicalismo de esquerda".
Um filme mal produzido?
O
historiador norte-americano Daniel Boorstin, talvez o primeiro pesquisador a
compreender o papel da simulação como elemento dominante da cultura, chamou a
atenção da “era do artifício” atual onde a vida pública estaria sendo dominada
pelos “pseudo-eventos”: fatos deliberadamente planejados e roteirizados para
serem “noticiáveis”, ganhando a atenção da opinião pública – e isso Boorstin
escreveu em 1963 no seu livro The Image – a guide of pseudo-events in
America.
Para
Boorstin, um dos critérios para podermos diferenciar um pseudo-evento de um
“evento produzido por Deus” é a sua “ambiguidade” em relação à realidade
subjacente. Enquanto diante de um evento real (terremotos, enchentes, desastres
aéreos) o interesse está em saber o que aconteceu e as consequências, no
pseudo-evento há uma ambiguidade presente através de inconsistências, detalhes
inverossímeis e conveniências ou coincidências que tornam o evento noticiável.
O pseudo-evento obedece o timing dos ritmo midiático da transmissão das
notícias.
Somado
ao timing e conveniência a múltiplos interesses que o atentado veio
aparentemente de forma involuntária atender, acrescenta-se uma narrativa com
diversas ambiguidades. Um roteirista de cinema experiente condenaria a produção
como um filme mal produzido. Vamos analisar sete das inúmeras ambiguidades que
analistas e teóricos da conspiração estão discutindo:
(a) Apesar
da proximidade do Centro de Paris, as ruas próximas ao atentado estavam vazias.
O atentado ocorreu no primeiro dia dos “Soldes”
(temporada de liquidação de inverno dos saldos do Natal que ocorre de 7 de
janeiro a 17 de fevereiro), caracterizado pelo frenesi de turistas, grande
movimentação de carros. O Citroën dos terroristas estava parado no meio da rua.
Particularmente nesses dias de “Soldes” você não consegue ficar parado sem, em
questão de segundos, formar-se uma fila de carros;
(b) A
suposta execução de um policial numa calçada de concreto foi um ato
arriscado para o terrorista: ninguém atira numa superfície de concreto, a não
ser que queira ser morto por um ricochete;
(c) Problemas
com o “figurino” dos policiais: intrigante é que os policiais
anti-terroristas não estavam com capacetes e máscaras. Aparecem no vídeo com
boné e roupa casual;
(d) O
ponto positivo cinemático é o bom efeito de realidade conseguido com a
imagem da execução do policial ferido e indefeso caído na calçada. Apesar do
fator inverossimilhança (o ricochete da bala), o roteirista deve ter achado
necessário inserir uma imagem de execução, já que as imagens liberadas para as
redes de TV do mundo seriam muito “frias” – apesar das informações de 20
vítimas (mortos e feridos) simplesmente não vemos urgência: apenas duas
ambulâncias e a foto de uma pessoa ferida. Não há declaração de testemunhas
oculares.
A
imagem da execução do policial consegue dar uma amostra da suposta crueldade e
frieza dos terroristas que invadiram uma redação para matar um por um por
chamada através do nome de cada vítima. Comparado com as imagens do atentado de
11 de setembro em Nova York, lá houve mais esmero na produção: um grande número
de “extras” correndo em pânico pelas ruas e imagens apocalípticas de urgência ;
(e) A
narrativa é extremamente conveniente para as autoridades: policiais
encontram um documento de identificação de um dos terroristas no Citroën
abandonado ruas acima. Mas com que diabos, por que terroristas do braço
iemenista da Al-Qaeda andam com documentos de identidade?
(f) O
suposto “atentado terrorista” foi, na verdade, uma “cirúrgica” ação militar
metodicamente planejada contra vítimas pré-selecionadas. Foram treinados
militarmente, o que, pela logística de assalto demonstrada (proteção em “ala” –
quem não dispara “gira”, fechando a saída do alvo – deslocam-se para o veículo
de fuga sem correr, atiraram bem com fuzis sem extensão de ombro e apoio
axilar), não se encaixam com o perfil que a mídia agora começa a fazer dos
jovens – o mais novo dos irmão Kouachi era fã de rap (vídeo dele em shows agora
são exibidos), “um aprendiz de perdedor” como declarou seu antigo advogado
Vincent Ollivier, limítrofes sociais que viviam de bicos em pizzarias e
peixarias.
Surgem
informações que ficaram alguns meses no Iêmen sendo treinados (sim! sempre
Iêmen), o que lembra o script do atentado de 11 de setembro – os terroristas que
jogaram o Boeing 747 contra o WTC teriam feito um curso em um Aeroclube na
Flórida...
Uma
ação militar precisa com o modus operandi de mercenários ou
profissionais a serviço da CIA ou Mossadi levada a cabo por jovens que esquecem
o cartão de identidade no carro da fuga... o que lembra o erro crasso de todo
roteiro mal feito, chamado pelos roteirista de “Deus ex-machina” – termo para
designar soluções arbitrárias, sem nexo ou plausibilidade na narrativa para
solucionar becos sem saída em roteiros mal conduzidos.
(g) Embora
caricato e canastrão, o roteiro segue o padrão “sujos, feios e malvados” para
caracterizar os protagonistas: a aproximação metonímica entre rap, muçulmanos e
armas russas (nas primeiras informações da grande mídia destacava-se que os
terroristas teriam utilizado “armas russas”). Por isso, os protagonistas se
encaixam no padrão RAV hollywoodiano: Russos, Árabes e Vilões em geral. Se o
episódio fosse no Brasil, o perfil dos terroristas certamente seria o de
funqueiros.
Teorias Conspiratórias
Todas
essas ambiguidades estão ajudando a turbinar duas principais teorias
conspiratórias: o “Trabalho Interno” (Inside Job – governos estimulam ou
permitem determinada ação do inimigo pela conveniência das consequências - algo
como foi o ataque de Pearl Harbor para os EUA na II Guerra Mundial) e a teoria
da “Falsa Bandeira” (False Flag – operação conduzida por governo,
corporação ou organização que simula serem ações do inimigo para tirar proveito
das consequências resultantes):
(a) Foi
um “Trabalho Interno” – os supostos terroristas sabiam quando e como
atacar a sede do Charlie Hebdo. Todos foram assassinados juntos, em uma
reunião de pauta do jornal. Os funcionários mais importantes do veículo estavam
lá reunidos naquele momento. Os “terroristas” lidaram com a situação como
profissionais, o que contraria a prática até aqui do terrorismo – destruição e
mortes em larga escala para produzir pânico e repercussão midiática. Foi um
assassinato. Os teóricos dessa linha se perguntam: como os terroristas sabiam
que os mais importantes nomes do Charlie Hebdo estariam lá, reunidos
naquele momento?
Uma operação "False
Flag"?
|
(b) Foi
uma “Falsa Bandeira”- a equipe do jornal estava sob sistemática proteção
policial desde 2013 e o editor Stephanie Charbonnier (Charb) estava numa
hipotética lista negra da Al-Qaeda. Como, então, foi possível uma ação
metodicamente planejada? Os teóricos dessa linha levantam a questão de que no
vídeo não há tráfego visível no centro de Paris. Onde foram parar as armas da
ação e para onde foram as balas da execução do policial? Ao explorar a teoria
da Falsa Bandeira é impossível não trazer à tona a ação de mercenários
contratados por agência como CIA ou Mossad. Alguns mais radicais falam de
simulação cenográfica pura e simples, assim como teria ocorrido no atentado à
Maratona de Boston em 2013.
Hipóteses finais
A
narrativa informada pela grande mídia sobre o atentado ao Charlie Hebdo está
tão carregada de lacunas, ambiguidades e inverossimilhanças que podem resultar
em duas hipóteses:
(a) Estamos
diante de mais uma peça de propaganda dominada pela canastrice dos atuais
dispositivos de propaganda: vídeos e mensagens excessivamente saturadas, over,
melodramáticos (imagine a cena da funcionaria chegando com sua filha pequena e
coagida pelos terroristas armados a digitar o código que abria a porta do
jornal) e com “appeal” ou “look” semelhante às produções medianas de Hollywood.
Hipótese comprovada pela estereotipagem RAV dos supostos terroristas.
(b) Hipótese
ainda mais sinistra: as ambiguidades e lacunas foram propositalmente
deixadas na produção. Desde os estudos feitos por Gordon Allport e Leo Postman
em 1947 (leia A Psicología del Rumor, Psique, 1988), o fator ambiguidade é
considerado o fator mais importante na transformação de uma informação em boato
ou meme. A dúvida entre a realidade e a mentira dá ainda mais alcance à
notícia, produzindo uma espiral especulativa. Portanto, estaríamos diante de um
meta-terrorismo: um terrorismo autoconsciente onde o relato midiaticamente ambíguo
do atentado se torna mais uma arma letal.
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