quinta-feira, 17 de abril de 2008

Paraguai/LUGO CRÊ QUE LULA ACEITARÁ CONCESSÕES SOBRE ITAIPU

16 abril 2008 / Vermelho / http://www.vermelho.org.br

Fernando Lugo acredita que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá sensibilidade o bastante para rever o acordo existe entre Brasil e Paraguai sobre energia gerado por Itaipu. Favorito às eleições presidenciais do próximo domingo, o ex-bispo crê no processo de integração latino-americana em curso no continente e conta com a colaboração das autoridades brasileiras para o desenvolvimento de seu país.

Em entrevista ao sítio Terra Magazine, Lugo lembra que o Paraguai possui um déficit habitacional de 400 mil moradias (para uma população pouco superior aos seis milhões de habitantes) e cita os outros problemas sociais que serão atacados caso vença a eleição e ponha fim à hegemonia de seis décadas do Partido Colorado no poder.

Veja abaixo a entrevista:

Como o senhor fez para chegar de bispo a candidato à Presidência?
Fernando Lugo - Houve um processo de discernimento no qual se tomam todos os desafios. Vivi mais de onze anos como bispo, mais de trinta anos como sacerdote. Sobretudo em San Pedro, região mais pobre do País, fizemos uma série de atividades pastorais, sociais, de reivindicações econômicas. Víamos que tudo isso é insuficiente quando não há vontade política. Acreditamos que a política é uma ferramenta importante para alcançar as verdadeiras mudanças. Eu era diretor de um colégio, já como bispo emérito, quando um grupo significativo de cidadãos, com mais de cem mil assinaturas, me pergunta se eu não estaria disposto a deixar o exercício sacerdotal e liderar um movimento amplo, aberto, que pudesse trazer transformações ao interior do país. Isso foi um dos grandes impactos na minha vida. Este convite exigiu reflexão pessoal e afinal acabei colocando-me à disposição da cidadania paraguaia. Fiz isso no Natal de 2006, em Encarnación, na minha casa materna. Daí vem tudo o que significou a Resistência Cidadã, a Concertación, e ultimamente o que é a Aliança Patriótica para a Mudança (Alianza Patriótica para el Cambio), formada há 14 meses, que aglutina 9 partidos políticos, 20 organizações sociais, sindicais, de mulheres, de indígenas, camponesas. Estamos à frente de todas as pesquisas para as eleições de 20 de abril.
Mas isto lhe valeu críticas dentro da Igreja, principalmente por parte do Vaticano...
O Vaticano reagiu de forma coerente, não podia ser de outra maneira porque nunca no mundo houve caso similar. Não cabia precedente, eu entendo muito bem. Não esperava outra coisa, porque era um caso inédito, único. Nesses casos, mesmo a Cúria Romana reage com bastante cautela. Pesa sobre mim uma suspensão do exercício sacerdotal, por minhas atividades políticas. E isso é o que eu havia pedido.
O papa Bento XVI o considera um sucessor dos teólogos da Libertação?
Não, não sei, não sei o que o papa vai achar, verdade... (risos).
Aqui no Paraguai, nunca estudamos a Teologia da Libertação na minha época de estudante, o fizemos, sim, no Equador. Eu estive lá por cinco anos como missionário e foi meu primeiro contato com os teólogos da Libertação, pela experiência pastoral com o senhor Leônidas Proaño, também com a diocese dos bascos no Equador, e isso foi para mim um "abrir os olhos", uma experiência pastoral nova, uma experiência de igreja que acredito ter pesado muito em minha experiência pessoal.
Que aspectos da Teologia da Libertação são retomados em seu projeto político e social para o Paraguai?
Sobretudo a participação. A Teologia da Libertação, do ponto de vista pastoral, dá muito espaço à participação laica. Na diocese de San Pedro temos a experiência de mais de mil comunidades eclesiásticas de base, nas quais ninguém pode ser um cristão anônimo, ninguém pode ser um cristão que esteja olhando de longe a experiência eclesial, tem que entrar na comunidade, participar com os diversos carismas e responsabilidades que têm os laicos. Este também vai ser um governo democrático e participativo, que pede a participação de todos os escalões da sociedade.
Como o senhor vê o contexto regional para seu projeto?
Nós acreditamos que ele favorecerá a entrada do Paraguai na dinâmica de uma mudança real no país para que não sejamos uma ilha nem um oásis na conjuntura regional. Os governos de Brasil, Argentina e, sobretudo, Uruguai, para formar o Mercosul, precisamos dessa comunhão de exercício do poder e do fortalecimento democrático da região. Todos estamos saindo, alguns há mais tempo do que outros, das ditaduras ferrenhas das décadas de 60, 70 e 80... Nós fomos os últimos a sair dela. Marcou também um medo, uma apatia da participação cidadã, mas creio que hoje nos colocamos à altura dos acontecimentos e acreditamos que nas próximas eleições haverá um alto índice de participação, o que lhe confere legitimidade e legalidade aos candidatos eleitos.
Qual é o balanço de sua recente visita ao Brasil?
Em primeiro lugar, fomos a Brasília simplesmente como cidadãos paraguaios e também como candidatos à Presidência da república do Paraguai. Agradecemos o gesto do presidente Lula que teve a cortesia de nos receber e ainda mais de abordar temas de interesse comum, dentre os quais, sem dúvida alguma, ressalta os temas dos "brasiguaios", de Ciudad de Leste, da tríplice fronteira de Itaipu, do comércio, da integração do Mercosul. Durante pouco mais de uma hora de diálogo, no qual também estiveram presentes o chanceler Celso Amorim e o conselheiro Marco Aurélio Garcia, tivemos um marco de exemplo de respeito, de cordialidade, de um diálogo aberto e franco como creio devem ser as relações entre países irmãos.
Em que consistem suas demandas acerca da hidroelétrica de Itaipu?
Em primeiro lugar, há um tratado, o tratado de Foz do Iguaçu, assinado pelos chanceleres de Brasil e Paraguai em 1966. Neste tratado, afirma-se taxativamente que o preço da energia que um país vende a outro deve ser um preço justo. Nós achamos que o preço que o Brasil está pagando agora não é um preço justo, senão um preço de custo. Queremos que seja um preço de acordo com o mercado, e é uma das grandes reivindicações. Se conseguirmos isso, mudará substancialmente a economia paraguaia, independentemente da utilização dessa energia. O Paraguai não pode continuar um país agrário, um país pecuário, tem que tornar-se um país hidroelétrico, um país industrial.
O senhor acha que o presidente Lula poderá fazer concessões, considerando as fortes pressões internas contra ele?
Eu acho que sim. O próprio Lula disse que o Brasil não pode pensar em seu crescimento econômico às custas da pobreza de seus vizinhos. Nós admiramos muito todas as políticas sociais que tem o Brasil. Isto é precisamente o que queremos também para o nosso país. Aqui há um déficit muito alto de políticas públicas e sociais, e queremos pelo menos resolver parte disso. Acho que um preço justo para a energia de Itaipu pode nos ajudar.
Quais são os pontos centrais de seu programa de governo?
Aqui há um déficit de quase 400 mil moradias. Há um déficit na reforma agrária, que nunca foi feita de fato. Um sistema universal de saúde, o tema da reforma educacional que tem que preparar uma geração de fontes de trabalho, as vias de comunicação como obra de infra-estrutura, isso são os cinco grandes eixos que fundamentalmente nos preocupam.
O Paraguai tem margem de manobra para desgrudar-se um pouco do modelo agrícola baseado no cultivo da soja, que trouxe tanta miséria aos pequenos agricultores?
O programa do cultivo da soja é importante para o governo do Paraguai porque é a primeira fonte de investimentos na exportação, mas não quer dizer que seja o único modelo. Acreditamos que não é incompatível com a economia familiar camponesa de pequenas posses que podem associar-se em cooperativas para retirar crédito de seu trabalho e de sua produção.
Como vocês pretendem combater o risco de uma fraude eleitoral?
Historicamente, no Paraguai quase não houve eleições limpas. Há uma grande dúvida e desconfiança no Superior Tribunal de Justiça Eleitoral, mas para combater isso há um sistema que estamos elaborando, um sistema de controle eleitoral bastante eficiente até agora, e creio que isso terá seus resultados e o 20 de abril será uma grande jornada cívica, limpa e transparente que possa garantir a legitimidade das autoridades eleitas.
Quão fácil será governar depois de uma vitória? Existe o perigo de que, como acontece hoje na Bolívia, grupos poderosos possam bloquear o avanço social que os senhores propõem?
Nossos programas não são radicais, são racionais. Estamos trabalhando na formação e no fortalecimento da unidade na diversidade, num pluralismo sadio também dentro das forças democráticas que formam a Aliança. Creio que os princípios de um nacionalismo sadio, de pôr o país em primeiro lugar, de uma reativação econômica unificada com eqüidade social são os que primarão e facilitarão a governabilidade.

http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=36085

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