segunda-feira, 14 de outubro de 2013

FAO/Graziano: UMA PONTE ENTRE AMÉRICA LATINA E ÁFRICA


11 outubro 2013, Carta Maior http://www.cartamaior.com.br (Brasil)
 
Saul Leblon 


Eleito em 2011 para dirigir a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO),  José Graziano da Silva levou ao plano internacional a experiência de quem no  Brasil liderou a agenda da luta contra a fome dentro do Partido dos Trabalhadores, desde a sua fundação. Nessa trajetória seria um dos principais responsáveis  pela criação e a implantação inicial  do Fome Zero, no primeiro governo Lula, em 2003.

Fome Zero, na verdade, era o nome fantasia de uma política de segurança alimentar que incluía um amplo leque de medidas e programas destinados a atacar as manifestações emergenciais e estruturais da fome e da miséria no país.

Apesar dos tropeços iniciais, sob forte cerco  de uma mídia inconsolável com a derrota de seu eterno candidato, José Serra, grande parte das ações foram e continuam sendo implantadas no país. Com indiscutível êxito.

O Brasil e Lula tornaram-se referências no combate à fome no mundo. Graziano venceu uma disputa dificílima  pela direção geral da FAO, com oposição engajada de Hillary Clinton e dos europeus, que tinham candidato próprio.

A votação maciça dos países em desenvolvimento e apoio pesado no continente africano deram-lhe a vitoriosa responsabilidade de concentrar esforços na montagem de uma ponte cooperativa entre países africanos e latino-americanos,

Objetivo: discutir e adaptar experiências bem sucedidas de políticas sociais e agrícolas de combate à fome.

Em seu último relatório sobre o estado da segurança alimentar no mundo,  divulgado no início deste mês, a FAO mostra
que o Brasil  tem o que oferecer.

O país reduziu em 40% o número de famintos  entre 1992 e 2013. De 22,8 milhões, o contingente dos que passam fome recuou para 13,6 milhões de pessoas, (6,9% da população contra 15% em 1992).

O segredo do sucesso?

“Ter transformado a fome em uma questão política e decidido, politicamente, que ela seria vencida no país. Isso requer um engajamento amplo da sociedade’, responde Graziano na entrevista exclusiva concedida a Carta Maior, de Roma. Leia abaixo:

Carta Maior - O mundo ainda reúne 842 milhões de famintos. Os países pobres e em desenvolvimento lograram  avanços, enquanto os ricos viram aumentar o contingente de cidadãos às voltas com a fome. Como se deu essa inversão?

Graziano- Observa-se nos países desenvolvidos uma baixa proporção de subnutrição, usualmente abaixo dos 5%. É verdade que houve um aumento entre 2005-2007 e 2011-2013, mas é um aumento marginal: pouco mais de duas milhões de pessoas em todos os países desenvolvidos Ainda assim, isso mostra que o fortalecimento da proteção social é importante também para países desenvolvidos, especialmente em épocas de crise.

Uma mensagem central da edição 2013 do Estado da Insegurança Alimentar no Mundo é que o crescimento econômico pode elevar renda e reduzir a fome, mas somente se ele for mantido ao longo do tempo e beneficiar todos os segmentos da população. Em outras palavras o crescimento econômico pode tirar as pessoas da pobreza, mas nem sempre isso é suficiente e, às vezes, leva muito tempo. Por isso, precisamos da proteção social para assegurar que os mais vulneráveis não fiquem para trás e possam beneficiar-se e contribuir ao crescimento econômico.

CM- O Brasil se destaca nesse quadro de avanços. O sr. acredita que as ações mais emergenciais do Fome Zero  já cumpriram o seu papel? O que seria uma segunda família de politicas sociais capaz de ir além no processo de combate à desnutrição e à pobreza?

Graziano - O feito brasileiro não é apenas numérico, ainda que resgatar milhões de seres humanos enredados na rotina da fome, como se fez no país seja digno de destaque e faça com que hoje seja possível sonhar com um país sem miséria. Segundo as estimativas da FAO, entre 1990 e 2012 a proporção da população com fome caiu de 15 para sete por cento. Ou seja, já alcançamos a meta do milênio de reduzir pela metade essa proporção.

Há duas características importantes no caminho que o Brasil escolheu percorrer. Primeiro, ter transformado a política de segurança alimentar numa política de Estado, não de governo, constitucionalmente garantida e que não se confunde com assistencialismo: ela busca garantir um direito, o direito humano à alimentação. E, segundo, ter decidido atacar as causas estruturais e as manifestações emergenciais da fome e da miséria no país.

Essas não são decisões técnicas, são decisões políticas. Hoje, vários países seguem nessa linha, mas esse não era o caso quando o Brasil escolheu percorrer esse caminho.

O Brasil, portanto, num dado momento tomou a decisão de erradicar a fome e criou, em primeiro lugar, um grande consenso de que isso era prioritário e possível.  O programa Fome Zero, implantado em janeiro de 2003, era exatamente isso. Era, ao mesmo tempo, uma bandeira de mobilização política e nome popular de uma política de segurança alimentar. Dotada de um amplo guarda-chuva de programas e ações, ela foi desenhada, implantada e monitorada com a participação de um conjunto de atores da sociedade civil.

O Bolsa Família, que hoje beneficia mais de 50 milhões de brasileiros, é o braço mais visível dessa construção. Mas desde então ela já previa outros alicerces como a valorização do poder de compra do salário mínimo; a formalização do mercado de trabalho; o fomento à agricultura familiar com crédito e assistência técnica; a expansão e o fortalecimento da alimentação escolar vinculado a compras do governo junto aos pequenos agricultores.

Importante frisar também que a luta contra a exclusão sempre contou com o apoio incondicional da Presidenta Dilma Rousseff e do ex-presidente Lula, que colocaram o tema no centro de sua agenda de governo. Esse compromisso faz com que toda a estrutura publica brasileira se mobilize contra a fome e a exclusão, não só ajudando a resgatar pessoas da pobreza, mas ajudando a que elas continuem a progredir seja através da possibilidade de aceder a melhores empregos, a um salário mínimo com ganhos reais, programas de apoio a agricultura familiar, etc.

A montagem e implantação dessa arquitetura requerem uma progressiva revisão de modelo de desenvolvimento excludente. A segurança alimentar ergue linhas de passagem para uma travessia que inverte a visão estratégica sobre o assunto. A justiça social deixa de ser o ‘efeito colateral’ do acumulo da riqueza; ela se torna a mola propulsora do crescimento. Quando se fala que o mercado interno brasileiro redesenhou as fronteiras da demanda e da produção é disso que se trata. Estamos falando de uma reordenação histórica dos motores do desenvolvimento. Algo não desprovido de conflitos, gargalos e contradições. Ou seja, nunca é um caminho pronto.

CM- A África continua a ser o núcleo duro da fome no mundo. Como a América Latina pode contribuir com sua experiência de políticas sociais para reverter a tragédia africana? O Brasil pode ser essa ponte entre AL e África?

Graziano- O Brasil pode ser e já vem desempenhando o papel de ponte. Hoje, a experiência brasileira é uma das principais referências para países que superar a fome e promover um desenvolvimento sustentável e inclusivo. Não só há interesse, mas há várias ações já iniciadas para compartilhar experiências exitosas através da Cooperação Sul-Sul, muitas delas com a FAO. Mas é importante frisar que não adianta apenas copiar políticas e programas: elas precisam respeitar e responder às realidades e necessidades locais.

Também vale destacar o compromisso do ex-presidente Lula, que tem na luta contra a fome na África uma de suas principais bandeiras. Em julho, a FAO, o Instituto Lula e a União Africana apresentaram uma parceria inovadora nesse sentido. O encontro em Adis Ababa teve uma participação de alto nível e, pela primeira vez, países africanos fixaram uma meta para erradicação da fome no continente: 2025.

A América Latina também pode dar uma contribuição importante no que diz respeito ao desenvolvimento de técnicas e tecnologias de produção agrícolas adaptadas à realidade africana e fortalecimento dos sistemas de investigação e extensão rural africano. A Embrapa tem uma série de tecnologias para o semi-árido que podem ser adaptadas para África, assim como a técnica do plantio direto usada pela Argentina.

CM- Recentemente, os governos dos EUA e Canadá acionaram a OMC questionando os programas brasileiros de aquisições de produtos da agricultura familiar destinados à alimentação escolar. A acusação é a de que disfarçariam subsídios aos pequenos produtores. Qual a avaliação da FAO?

Graziano - Essa assunto é parte de uma discussão mais ampla que deverá ter lugar na próxima Conferência Ministerial da OMC, em Bali, em dezembro. Não é só o Brasil. Existem questionamentos também sobre iniciativas da Índia no âmbito de segurança alimentar.

A FAO não tem conhecimento oficial desses fatos. O que se sabe, pelo noticiário, é que os EUA e o Canadá teriam solicitado informações adicionais sobre o programa brasileiro de alimentação escolar, que é um dos maiores do mundo, atendendo a mais de 44 milhões de crianças e adolescentes diariamente.

Entendo que o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) fazem parte do conjunto de programas da chamada “caixa verde” do Acordo Agrícola da Organização Mundial do Comércio e que foram notificados pelo Brasil à OMC. Ou seja, são medidas consideradas como não tendo impacto ou tendo um impacto muito pequeno no comércio internacional e que são permitidos até certo nível de gastos previamente acordados.

Programas como o PAA e alimentação escolar são muito valiosos na luta contra a fome. A determinação, por lei de 2009, de que os governos municipais e estaduais são obrigados a usar no mínimo 30% do dinheiro federal destinado à alimentação escolar na compra de produtos da agricultura familiar significa um aporte da mais de R$ 1 bilhão ano em aquisições junto a pequenos produtores locais. Algo que ajuda sobremaneira a dinamizar as economias locais de áreas rurais. Importante lembrar que, em nível mundial, 70% da população em insegurança alimentar vive no campo.

Programas que investem na produção e compra de produtos locais são uma alternativa à dependência de importações de alimentos. Muitos  países tem condições de produzir mais para alimentar sua população. Efetivar esse potencial é algo estratégico na medida em que reduz r a exposição a episódios de alta volatilidade como vimos em anos recentes. Ademais, aumentar a renda no campo, serve como estímulo adicional para que as famílias permaneçam nas áreas rurais.

Investir nesse tipo de ação requer uma decisão política ao mesmo tempo simples e divisória: canalizar o poder de compra do Estado para o elo mais fraco da corrente rural, aquele formado pela agricultura familiar. A dinâmica dessa engrenagem faz brilhar a esperança nos olhos de governantes de outras nações quando tratamos da Cooperação Sul-Sul.

A FAO e o governo brasileiro têm somado esforços para adaptar o binômio agricultura familiar e alimentação escolar às condições concretas da regionalidade latino-americana. Onze países participam atualmente desse mutirão no âmbito do Programa de Cooperação Internacional Brasil-FAO. Também na África, o programa brasileiro de aquisição da agricultura familiar inspira ações similares na Etiópia, Maláui, Moçambique, Níger e Senegal.

Não creio que seja do interesse de ninguém abortar essa dinâmica emancipadora, que beneficia quem tem fome e  quem pode produzir para superá-la.

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FAO: Brasil já atingiu Metas do Milênio sobre combate à fome
1 de Outubro de 2013, Vermelho http://www.vermelho.org.br (Brasil)

O relatório sobre o "estado da fome no mundo", divulgado nesta terça-feira em Roma, pela FAO, organismo das Nações Unidas para agricultura e alimentação, traz dados espetaculares sobre o Brasil: em vinte anos, quase 10 milhões de brasileiros deixaram a linha da fome no país; bandeira inicial do governo Lula, apoiada por nomes internacionais, como Bono Vox, mostra resultados concretos; de acordo com a FAO, Brasil já cumpriu as Metas do Milênio 21.

Em 20 anos, o número de famintos no Brasil caiu em quase 10 milhões de pessoas. Dados revelados nesta terça-feira (1º) pela FAO – Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura – apontam que, entre 1992 e 2013, o número de cidadãos que passam fome no país foi reduzido de 22,8 milhões para 13,6 milhões de pessoas. A entidade confirmou que o Brasil, ao lado de cerca de 30 países, já atingiu as Metas do Milênio, criadas pela ONU para reduzir a fome no mundo.

Pela meta, governos precisariam reduzir em 50% a proporção de pessoas que passam fome em relação ao total da população. O ano que serviria de base seria o de 1990 e a meta teria de ser cumprida em 2015.

Segundo a FAO, a redução no Brasil superou a marca de 54%. Em 1990, 15% da população nacional passavam fome. Hoje, essa taxa caiu para 6,9%.

Em números absolutos, a redução de 40% é uma das maiores do mundo e é duas vezes mais acelerada que a média mundial.

Segundo a FAO, a fome no mundo de fato caiu nos últimos dois anos e, entre 1992 e 2013, a redução foi de 17%. O total de famintos foi reduzido para 842 milhões de pessoas, contra 868 milhões há dois anos. Em 1992, o número total era de 1 bilhão.

Em 1990, 15% da população brasileira passavam fome. Hoje, o número é de 6,9%.

Ao tomar posse na Presidência da República, em janeiro de 2003, o ex-presidente Lula colocou como primeiro objetivo de seu governo a erradicação da fome. O programa Fome Zero, que depois foi incorporado por outras ações sociais, como o Bolsa-Família, teve apoio de personalidades internacionais, como o cantor Bono Vox, que doou uma guitarra para a iniciativa.

Ainda existem no mundo, segundo a FAO, 842 milhões de famintos – em 1992, eram 1 bilhão. Curiosamente, enquanto caiu no mundo, a fome cresce nos países ricos, onde o número de famintos aumentou em 500 mil pessoas.

"Políticas de estímulo à produtividade agrícola podem dar uma contribuição decisiva para reduzir ainda mais a fome no mundo", disse o brasileiro José Graziano, que chefia a FAO e foi um dos mentores do Fome Zero.

O relatório que traz resultados espetaculares para o Brasil: (
leia aqui a íntegra)

Com agências

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