8 dezembro 2014, Redecastorphoto
http://redecastorphoto.blogspot.com.br (Brasil)
4/12/2014, *Pepe Escobar, Asia
Times Online [recebido p/e-mail, ainda não publicado, mas pode ser
lido no The Vineyard of the Saker francês]
Traduzido do francês pelo pessoal da Vila
Vudu
O mais recente espetacular gambito
no Oleogasodutostão –
“Sai o Ramo Sul, entra o Ramo Turco” – continuará ainda por algum tempo a
disparar massivas ondas geopolíticas de choque por toda a Eurásia. Disso,
precisamente, trata o Novo Grande Jogo na Eurásia.
Em resumo: há alguns anos a Rússia
concebeu um gasoduto Ramo Norte [orig. North Stream] –
completamente operacional – e um gasoduto Ramo Sul – ainda em projeto – para
contornar a Ucrânia considerada pouco confiável como país-de-trânsito para o
gás. Agora, a Rússia concebe um novo bom negócio com a Turquia, para contornar
a abordagem “não construtiva” (palavras de Putin) da Comissão Europeia (CE).
Para entender o jogo em curso, o
contexto é indispensável. Acompanho em detalhe,
já há cinco anos, a opera-das-óperas do Oleogasodutostão – a Guerra
entre os gasodutos rivais Ramo Sul e Nabucco. Nabucco foi
atropelado e abandonado no acostamento. O Ramo Sul pode até ressuscitar, mas só
se a CE recuperar a razão (e não aposte nisso).
O gasoduto Ramo Sul com 3.600
km deveria estar construído em 2016, abraçando da Áustria aos
Bálcãs/Itália. A Gazprom é proprietária de 50% (além da ENI italiana, 20%; da
EDF francesa, 15%; e da Wintershall alemã, subsidiária da BASF, dona de 15%. No
pé em que estão as coisas, nenhuma dessas gigantes europeias da energia está
exatamente nadando em dinheiro – para dizer o mínimo. Durante meses, a Gazprom
e a Comissão Europeia procuraram alguma solução. No fim, Bruxelas sucumbiu,
previsivelmente, à própria mediocridade – e à incansável pressão dos EUA sobre
o elo mais fraco: a Bulgária.
A Rússia continuará a construir um
gasoduto sob o Mar Negro – mas agora redirecionado para a Turquia e,
crucialmente importante, bombeando para lá a mesma quantidade de gás que o Ramo
Sul bombearia. Para nem dizer que a Rússia terá uma nova central para distribuição
de Gás Natural Liquefeito (GNL) no Mediterrâneo. A Gazprom portanto não gastou
em vão os seus US$5 bilhões (financiamentos, custos de engenharia). O
redirecionamento faz perfeito sentido comercial. A Turquia é a segunda maior
cliente da Gazprom, depois da Alemanha, muito maior que Bulgária, Hungria e
Áustria somadas.
A Rússia avança também numa rede
unificada de distribuição de gás capaz de entregar gás natural extraído de
qualquer ponto da Rússia, a qualquer central de distribuição em qualquer ponto
das fronteiras russas.
E, como se fosse necessário, a
Rússia exibe mais uma prova cabal, definitiva, de que o seu mercado consumidor
em real
crescimento para o futuro é a Ásia, sobretudo a China – não uma União Europeia acovardada, estagnada, devastada por
políticas de “austeridade” e politicamente paralisada. A
parceria China−Rússia que não para de crescer implica a Rússia como complementar da China, campeã dos
grandes projetos de infraestrutura, da construção de barragens à implantação de
oleodutos e gasodutos. É business trans-Eurásia, de vasto
alcance geopolítico – não submetido a políticos afogados de ideologia.
“Derrota” dos russos? É mesmo?
Onde?!
A Turquia também marcou um ponto. E
não é só o negócio com a estatal russa Gazprom; Moscou construirá nada menos
que toda a indústria nuclear da Turquia, além de aumentar a
interação dos poderes soft (mais comércio e mais turismo).
Além disso tudo, a Turquia está agora a poucos passos de converter-se em membro
pleno da Organização de Cooperação de Xangai (OCX); Moscou faz ativo lobby para
ajudar os turcos. Implica a Turquia ascendendo a uma posição privilegiada, como
principal eixo de distribuição simultaneamente no Cinturão Econômico Eurasiano
e, claro, na(s) Nova(s) Rota(s) da Seda(s) chinesa(s). A União Europeia
bloqueia a Turquia? A Turquia vira-se para o leste. É a integração eurasiana em
andamento.
Washington tenta furiosamente criar
um novo Muro de Berlin, dos Bálticos ao Mar Negro, para “isolar” a Rússia. Pois
nem assim a equipe que trabalha pela doutrina do “Não façam merda coisa
estúpida” em Washington conseguiu antecipar mais um contra-ataque de Putin,
jogada de judô/xadrez/go. E aplicada precisamente através do Mar Negro.
ATol noticia
há anos o quanto é imperativo estratégico chave indispensável para a Turquia
configurar-se como entroncamento de condução de energia do Oriente para o
Ocidente – fazendo transitar qualquer coisa, do petróleo iraquiano ao gás do
Mar Cáspio. O petróleo do Azerbaijão já atravessa a Turquia via o oleoduto
BTC (Baku-Tblisi-Ceyhan), alavancado por Bill Clinton/Zbig Brzezinski. A
Turquia também estaria no entroncamento se algum óleo/gasoduto Trans-Caspiano
vier a ser construído (as chances são poucas, considerada a atual situação),
para bombear gás natural do Turcomenistão para o Azerbaijão, dali transportado
para a Turquia e afinal, para a Europa.
Assim sendo, o contragolpe de
judô/xadrez/GO que Putin aplicou num único movimento implica forçar
as estúpidas sanções que a UE aplicou à Rússia a ferirem, mais uma vez, a UE. A
economia alemã já está padecendo amargamente a perda de negócios com a Rússia.
A brilhante “estratégia” da CE (EU)
baila em torno do chamado Terceiro Pacote de Energia da União Europeia, que
exige que os dutos e o gás natural que flui por eles pertençam a empresas
diferentes. O alvo desse pacote sempre foi a empresa Gazprom – proprietária de
gasodutos em muitos países da Europa Central e da Europa Oriental. E o alvo dos
alvos sempre foi o gasoduto Ramo Sul.
Agora, cabe a Bulgária e Hungria –
países que, vale anotar, sempre se opuseram à “estratégia” da CE – explicar o
fiasco às suas respectivas populações, e continuar a pressionar Bruxelas;
afinal de contas, todos por ali estão condenados a perder fortunas, para nem
falar que logo estarão sem gás, com o Ramo Sul fora de jogo.
O resumo da história é, pois, o
seguinte: a Rússia vende ainda mais gás – à Turquia; a Turquia obtém seu muito
necessário gás, com belo desconto; e a União Europeia, pressionado pelo Império
do Caos, fica reduzido a dançar, dançar, dançar, feito galinhas degoladas,
pelos escuros corredores de Bruxelas, sem entender o que desabou sobre elas. E
enquanto os atlanticistas voltam ao modo-padrão, o único que conhecem – de
cozinhar mais e mais sanções – a Rússia só faz comprar mais e mais ouro.
Cuidado com aquelas espadas
Não é o fim do jogo – longe disse.
No futuro próximo, muitas variáveis entrecruzam-se.
O jogo de Ancara pode mudar – mas
nada assegura que mude. O presidente Erdogan – o sultão de Constantinopla – com
certeza identificou um califa desafiante, afamado noISIS/ISIL/Daesh,
que tenta roubar seu poder de feitiço. Assim sendo, o sultão pode flertar com a
ideia de suavizar seus sonhos neo-otomanos, e conduzir a Turquia de volta à sua
doutrina anterior de “zero problemas com os vizinhos”.
Sim, mas, devagar. O jogo
de Erdogan, até aqui foi o mesmo que da Casa de Saud e da Casa de Thani:
livrar-se de Assad, para possibilitar um oleoduto desde a Arábia Saudita, e um
gasoduto desde os megacampos de Pars Sul/Dome Norte, no Qatar. Esse
oleogasoduto seria Qatar-Iraque-Síria-Turquia, rivalizando com o já
proposto Irã-Iraque-Síria, de US$ 10 bilhões. Consumidores finais: União Europeia, claro,
desesperada em sua ofensiva de “fuja da Gazprom”.
Assim sendo... o que acontecerá?
Será que Erdogan abandonará sua obsessão de “Assad tem de sair”? Ainda é cedo
para saber. O ministro turco de Relações Exteriores anda espalhando que
Washington e Ancara estão próximas de definir uma zona aérea de exclusão ao
longo da fronteira turco-síria – embora a Casa Branca, no início da semana,
tenha insistido em que a ideia fora abandonada.
A Casa de Saud está como camelo
perdido no Ártico. O jogo letal da Casa de Saud sempre se resumiu na mudança de
regime para que pudesse ser construído o oleoduto patrocinado pelos sauditas da
Síria até a Turquia. Agora os sauditas veem a Rússia a um passo de fornecer
toda a energia de que a Turquia precisa – além de já estar posicionada para
vender mais gás à União Europeia, em futuro próximo. E a coisa de “Assad tem de
sair” não sai.
Mas são os neoconservadores nos EUA
quem afiam, com fúria, as respectivas espadas envenenadas. Já nos primeiros
dias de 2015 estará em votação na Câmara de Representantes uma “Lei de
Liberdade para a Ucrânia” [orig. Ukrainian Freedom Act]. Tradução:
a Ucrânia convertida em “principal aliado não-OTAN dos EUA”, o que, na prática,
significa virtual anexação da Ucrânia pela OTAN. Passo seguinte: mais
provocações turbinadas, pelos neoconservadores, contra a Rússia.
Um cenário possível é estados
fantoches/vassalos como Romênia ou Bulgária – pressionados por Washington –
decidir permitir pleno acesso aos navios de guerra da OTAN dentro do Mar Negro.
Quem liga se o movimento viola os tratados atualmente vigente para o Mar Negro,
que afetam ambas, Rússia e Turquia?
E há ainda um perigoso “não sabido
sabido” rumsfeldiano: como se sentirão os
frágeis Bálcãs, subordinados aos desejos de Ancara. Assim como
Bruxelas mantém Grécia, Bulgária e Sérvia num colete apertado, em termos de
energia eles começarão a depender da boa vontade da Turquia.
Por hora, apreciemos a magnitude
das ondas geopolíticas de choque, depois da jogada combo de judô/xadrez/go.
E nos preparemos para mais um capítulo do “pivô cruzando a Eurásia”, da Rússia.
Semana que vem Putin visitará Delhi. Preparem-se para mais notícias-bomba
geopolíticas.
*Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong
e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye)
no Asia Times Online; é também analista de política de blogs e sites
como: Tom Dispatch, Information Clearing House, Red Voltaire e
outros; é correspondente/ articulista das redes Russia Today, The
Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser
lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu e
João Aroldo, no blog
redecastorphoto.
Livros:
− Seu novo livro, Empire
of Chaos, acaba de ser publicado pela Nimble Books.
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