9 dezembro 2014, ODiario.info http://www.odiario.info (Portugal)
A proposta de Orçamento de Estado para 2015 continua a política da
Troika, onerando os trabalhadores para beneficiar o capital. Contribuindo para manter
uma política de austeridade que visa restaurar as condições de rentabilidade do
capital, acentuando a exploração de trabalho. O orçamento e demais leis
associadas contribuem assim para operar uma enorme transferência de rendimento
do trabalho para o capital, como se fosse uma política redistributiva
invertida.
A austeridade, a política de austeridade, tem um cunho claro de
classe. A austeridade visa restaurar as condições de rentabilidade do capital,
sobretudo acentuando a exploração do trabalho e criando as condições
necessárias à regeneração do próprio capital.
A austeridade é um instrumento de transferência de rendimento do
trabalho para o capital, de expropriação do trabalhador, assegurando uma
transferência dos ganhos de produtividade do trabalho para o capital, ou seja,
uma redução dos custos unitários do trabalho.
A austeridade é por isso uma opção estratégica que tem sido seguida
pelas instituições internacionais do sistema capitalista mundial, na resposta à
crise sistémica em que este se encontra, imposta em programas de ajustamento
estrutural sempre que necessária para garantir a sua maior eficácia, como
aconteceu em Portugal com o denominado Programa de Assistência Económica e
Financeira (PAEF).
É de recordar que a austeridade está inscrita nos Tratados da União
Europeia e, obviamente, é também uma opção do próprio Governo ao serviço dos
interesses do grande capital que opera no nosso território nacional,
nomeadamente do capital financeiro.
O PAEF, no seguimento do «memorando da Troika» de Maio de 2011,
tinha objectivos concretos definidos. Visava sobretudo garantir a
recapitalização da banca nacional, assegurar as questões de funcionamento do
sistema financeiro e garantir o pagamento da dívida pública aos credores
estrangeiros, nomeadamente a sangria que representa anualmente o pagamento de
juros, que em 2015 serão superiores a 8,2 mil milhões de euros, de acordo com
as previsões da proposta Orçamento de Estado para 2015, se incluirmos as
empresas públicas reclassificadas. Valor que em 2015 volta a aumentar.
A propagandeada saída do PAEF em Maio de 2014 não significou o fim
da austeridade, no contexto dos condicionamentos externos a que Portugal está
obrigado, nomeadamente ao nível da União Europeia. O país continuará sujeito
aos instrumentos de controlo preventivo e correctivo da União Europeia.
Desde logo o próprio procedimento de défice excessivo, que mesmo confirmando as previsões de défice do Governo (2,7%) e já contrariadas pelas previsões de Outono da Comissão Europeia que foram divulgadas a 4 de Novembro (3,3%), só seria levantado em 2016.
Mas hoje o país participa no processo do Semestre Europeu, onde o
seu orçamento e políticas económicas são escrutinadas e de facto aprovadas
pelos restantes Estados-membros da União Europeia. A proposta de Orçamento do
Estado de 2015 teve que ser apresentada previamente até ao dia 15 de Outubro,
como mandam as regras, estando sujeito ao cumprimento das recomendações dos
pares e às metas da Estratégia Europa 2020, que é a continuação da agenda patronal
de Lisboa, nomeadamente por via dos programas de estabilidade, os PECs e os
programas nacionais de reforma. Depois o país ainda está sujeito ao controlo da
Troika no sistema de supervisão pós-PAEF, quer por via do FMI quer por via das
instituições europeias, neste último caso enquanto não pagar 75% dos
empréstimos recebidos de outros Estados-membros no âmbito do PAEF.
Acresce a obediência ao Tratado Orçamental que reforça os
compromissos de consolidação orçamental ao nível da legislação europeia, o qual
foi aprovado pelo PSD, PS e CDS. Por último, ainda existe o Procedimento por
Desequilíbrio Macroeconómico.
Tudo isto no contexto do Euro e de uma política monetária do Banco
Central Europeu centrada no objectivo da estabilidade de preços, ou seja, na moderação
salarial, que levou aquilo que já se denomina de década perdida (2001-2010) da
economia nacional, onde a estagnação económica, o aumento estrutural do
desemprego e a transferência de ganhos de produtividade do trabalho para o
capital foram as principais marcas.
Desde a adesão ao Euro, os custos unitários do trabalho reais em
Portugal reduziram-se 11,4%, em termos acumulados. Nesse período e nos mesmos
termos, os salários reais cresceram 4,9%, enquanto os lucros líquidos cresceram
72,4%, ou seja quase 15 vezes mais!
Não é por isso de estranhar que no final do período de vigência do
PAEF tenhamos um dos maiores aumentos da taxa de exploração do trabalho, com o
peso dos salários no produto a atingir um dos valores mais baixos dos últimos
30 anos, ou seja, na altura em que estávamos na saída do segundo programa
estrutural do FMI. Os valores previstos para 2015 mantém esta tendência, que se
reforça com as previsões para 2016, onde se prevê que o peso dos salários do
produto atinja o valor mais baixo das séries estatísticas existentes.
Mas a exploração do trabalho continua com os juros pagos ao capital
financeiro face aos níveis de envidamento das famílias e na carga fiscal paga
para o Orçamento de Estado, para mais num contexto de redução dos serviços públicos
e das prestações sociais contributivas e não contributivas.
No primeiro trimestre de 2014 o nível de endividamento das famílias
representava 116% do seu rendimento disponível. Ao nível da carga fiscal, já
para não contar aquilo que foi o aumento dos impostos sobre o consumo durante o
PAEF e será de futuro por via a denominada «fiscalidade verde», a verdade é que
face ao patamar de IRS pago pelas famílias em 2012 a receita fiscal de IRS
arrecadada em 2013 e a prevista arrecadar para 2014 e 2015 existe um
diferencial acumulado de cerca de 11 mil milhões de euros, ou seja, a
confirmarem-se as previsões para 2015, os portugueses neste 3 anos irão pagar 4
anos de impostos em sede de IRS!
Os efeitos económicos e sociais desta política foram desastrosos, mas
têm vindo a cumprir os objectivos traçados, nomeadamente de restauração das
condições de rentabilidade do capital, com uma fatia maior do bolo do
rendimento a ir para o capital, ao mesmo tempo que se agudizam as desigualdades
na distribuição do rendimento, nomeadamente entre os mais pobres e os mais
ricos, assim como os níveis de pobreza e privação material.
Durante o PAEF, os 20% mais ricos passaram de ganhar 5,7 vezes que
os mais pobres para 6 vezes (não são ainda conhecidos os dados para 2014). A
taxa de risco de pobreza aumentou 3 pontos percentuais e mais 276 mil
portugueses engrossaram as fileiras da pobreza.
Se olharmos para as estatísticas oficiais do desemprego e tendo em
conta as estimativas para 2014, durante o PAEF (2011 a 2014) passamos de uma
taxa de desemprego 12,9% para 14,5%, ou seja, mais de 63 mil novos
desempregados, um aumento de 9,2%, 3 vezes mais desempregados do que os que
existiam no ano 2000.
Mesmo as previsões da Comissão de uma taxa de desemprego de 13,6% (superior à prevista na proposta de Orçamento), revelam uma das taxas mais elevadas de sempre, com a agravante de se registar um aumento do desemprego de longa duração, que já atinge quase 2/3 dos desempregados, num contexto em que metade dos desempregados não recebem subsídio de desemprego. O que revela também um aumento significativo do nível do desemprego estrutural, que continuará a ser um instrumento de pressão sobre os níveis salariais.
Obviamente que as actuais estatísticas estão abaixo do desemprego
real e a redução que se tem vindo a verificar e que se prevê continuar tem que
ter conta o saldo migratório, o aumento do número de pessoas que engrossam as
fileiras da inactividade e da informalidade, a redução da população activa e o
aumento significativo de pessoas em programas ocupacionais.
Se olharmos para o emprego, verificámos que durante o PAEF foram
destruídos mais de 254 mil postos de trabalho, estimando-se que em 2014 o
volume global de emprego se encontre a níveis de 1988. Mesmo considerando as
previsões optimistas para 2015, estaríamos mesmo assim com uma redução
acumulada do volume de emprego de 6,5% desde 2011.
Ao nível salarial a compensação salarial global nominal, massa
salarial mais encargos com a segurança social, reduziu-se em 4 mil milhões de
euros, dos quais 2,2 mil milhões relativos aos trabalhadores do sector público.
É de recordar que a compensação salarial global nominal subiu sempre, apesar da
desaceleração do ritmo de crescimento e perdas reais, até 2011, onde pela
primeira vez sofre uma inversão.
Mesmo com as previsões relativas a 2015 e 2016, este valor
continuará bastante abaixo do que foi registado em 2010. De lembrar, qua ao
nível do sector público, as previsões para 2015, apontam para um dos valores
mais baixos dos últimos 14 anos, num contexto de redução de 60 mil
trabalhadores do sector público, durante o PAEF. Em termos reais, os salários
reais tiveram uma queda acumulada de 3,6%, prevendo-se que em 2015 e 2016 os
salários reais continuem a reduzir-se.
Mesmo sendo um exercício arriscado porque existem outras variáveis
em jogo, se considerássemos que o valor da massa salarial se devia ter mantido
pelo menos constante ao nível de 2011, então os trabalhadores durante o PAEF
foram espoliados em 14,3 mil milhões de euros em salários e contribuições para
a segurança social não pagas (dos quais 6,3 mil milhões de euros relativos aos
trabalhadores do sector público). O valor do esbulho atingiria os 17 mil
milhões de euros se tivermos em conta os valores previstos para 2015 (dos quais
9,1 mil milhões seriam relativos aos trabalhadores do sector público).
Utilizando a mesma lógica para os lucros líquidos, estes tiveram um aumento
global, face ao nível de 2011, de 5,2 mil milhões de euros. Se tivermos em
conta as previsões para 2015 então este valor passaria para 9,2 mil milhões de
euros.
Ao nível do produto, para além da desaceleração das taxas médias de
crescimento do produto de década para década, seguindo uma tendência dos países
capitalistas mais avançados sobretudo da zona Euro, durante o PAEF o produto
(PIB) recuou 6,6 mil milhões de euros face a 2011, ou seja, 5,6%.
Mesmo se tivermos em conta as perspectivas optimistas para 2015, a
verdade é que o valor do PIB estará ao nível de 2003 e ficará bastante abaixo
do valor do produto registado em 2011. Mesmo as previsões para 2016 mostram
que, a confirmarem-se, o produto perdido com o PAEF ainda não terá sido
recuperado.
Ao nível da produção industrial e havendo apenas dados comparáveis
até 2013, existe uma redução acumulada de 6% desde 2011, sendo em valor
comparável à produção que existia em 1994. Mesmo a redução do défice da Balança
de Bens que se registou em 2013, após anos de crescimento sucessivo, foi
acompanhado de uma redução da produção industrial. O quer dizer que foi feito à
custa da redução do consumo privado e do empobrecimento dos portugueses e não
pelo aumento da produção de bens transaccionáveis.
Os valores do investimento também mostram de forma clara as
consequências do PAEF, o que a juntar ao elevado peso do desemprego estrutural,
mostra o nível de desperdício da economia nacional face ao seu potencial de
geração de riqueza.
Durante o PAEF o investimento (FBCF) registou uma redução acumulada
de 31,9%, ou seja, menos 6,1 mil milhões de euros. Mesmo os valores apontados
para 2015, implicam um dos valores mais baixos do investimento nos últimos 26
anos.
Este é um retrato do país em 2014 que não será alterado pela
proposta de Orçamento de Estado para 2015, antes pelo contrário. Temos um
Orçamento que, para lá da propaganda, impõe quase mais 1,25 mil milhões de
euros de novas medidas de austeridade.
Para se ter uma ideia da ordem de grandeza, este valor é
ligeiramente inferior ao que está previsto pagar pelas Parcerias
Público-Privadas, as PPP. É inferior à despesa fiscal do Estado em benefícios
fiscais ao capital em sede de IRC, se tivermos em conta os benefícios omitidos
referentes às SGPS. É quase 7 vezes menos que os juros e outros encargos da
dívida pública previstos pagar em 2015. Não estando aqui considerados os cortes
introduzidos no passado mês de Setembro no que se refere às remunerações dos
trabalhadores do sector público e que continuarão em 2015, apesar da reversão
de 20%.
É bom recordar que se os pensionistas com pensões mensais
inferiores a 4611,42 euros (11 vezes o IAS) não vão ter cortes em 2015, assim
como os trabalhadores do sector público com salários superiores a 675 euros e
inferiores a 1500 euros, isto foi devido à declaração de inconstitucionalidade
por parte do Tribunal da Constitucional. Mas a verdade é que ficam agora com os
valores das pensões e salários congelados, com excepção das pensões mínimas que
terão uma actualização ligeira.
Por outro lado, mesmo com a dita reversão a verdade é que no
próximo ano os trabalhadores do sector público com salários superiores a 1.500
euros terão cortes salariais entre 2,8% e 8,0%. Sendo que novas reversões
ficaram condicionadas à evolução orçamental futura, num contexto de mais uma
redução prevista para 2015 de 12 mil novos trabalhadores no sector público por
via da dita requalificação.
Mas a questão central é que a proposta de Orçamento de Estado acaba
por ir tornando definitivo aquilo que foi justificado como tendo um carácter
excepcional e transitório, nomeadamente mantendo aquele que foi o grande
agravamento fiscal em sede de IRS verificado em 2013, com a redução do número
de escalões, o aumento da taxa de imposto em cada escalão, a limitação das
deduções à colecta ao nível da saúde, educação e habitação (ao mesmo tempo que
se mantinham benefícios fiscais para os PPR e seguros de saúde) e a criação de
uma sobretaxa extraordinária de IRS de 3,5%, que irá manter-se para 2015.
A propaganda e a criatividade de uma possível devolução de 1 ponto
percentual desta taxa em 2016 não apaga o facto de ela se manter e dessa
devolução ficar dependente de um crescimento da receita de IRS e IVA (deixa de
fora o IRC!) superior à prevista no Orçamento de 946,7 milhões de euros, o que
dificilmente será concretizável.
Mas a verdade é que a carga fiscal global prevista em 2015 irá
aumentar 4,7%, quase 1,8 mil milhões de euros. Só em sede de IRS irá aumentar
em 2,4%, ou seja, mais 304,9 milhões de euros. Em sede de IVA irá aumentar
4,6%, ou seja, mais 641,8 milhões de euros.
A tão propagandeada descida da carga fiscal para as famílias com
filhos, agora com uma sui generis cláusula de salvaguarda de que ninguém será
prejudicado, assim como a denominada neutralidade fiscal, não apaga este
aumento da carga fiscal, nomeadamente com o aumento do peso dos impostos
indirectos, os impostos sobre o consumo, onde se inclui a «fiscalidade verde».
É bom recordar que em 2012, de acordo com os dados da Autoridade
Tributária, só 38% dos agregados familiares que entregaram a declaração de IRS
efectivamente liquidaram imposto, o que quer dizer os restantes 62% dos
agregados tiveram rendimentos tão baixos que não pagaram imposto.
Mas estes agregados irão todos pagar, independentemente da sua
situação familiar, impostos indirectos, nomeadamente o IVA. Por isso, dizer que
a redução prevista de 150 milhões de euros no IRS para os agregados familiares
com ascendentes e/ou descendentes, será compensada com o aumento da dita
«fiscalidade verde» na mesma ordem de valor, tendo um efeito neutral, é um
embuste.
Porque não só dependerá dos níveis de consumo como quem irá pagar
os impostos sobre o consumo não serão os mesmos, sendo certo até que incidirá
sobretudo sobre os agregados familiares mais pobres, que hoje não pagam IRS.
Para além disso essa redução, mesmo que acrescida de outra equivalente ao nível
da sobretaxa, ficaria longe de eliminar o brutal aumento de impostos verificado
em 2013, que mesmo com a «reforma» do IRS, passará a ter uma índole permanente.
A questão da transformação das deduções fiscais também não é clara,
para mais quando se retira o cariz social as despesas dedutíveis. Mas é um
facto que as deduções fiscais, não havendo crédito de imposto, só podem
beneficiar os agregados com rendimentos para liquidar imposto. Por isso a
política de transformação de transferências sociais em deduções à colecta, como
aconteceu no passado por exemplo para os cidadãos portadores de deficiência,
acaba por ter um efeito regressivo na distribuição do rendimento entre os
agregados familiares.
O efeito regressivo acentua-se com o aumento do peso dos impostos
indirectos na estrutura da receita fiscal, uma vez que o imposto não deriva do
rendimento de quem o paga, afectando os agregados mais pobres, tendo em conta
que o seu rendimento disponível é gasto em despesas de consumo, nomeadamente de
bens essenciais, que viram já no passado as suas taxas agravadas em sede de
IVA.
Os impostos indirectos, salientando a dita «fiscalidade verde», têm
também impacto na formação dos preços, quando os bens sujeitos a imposto fazem
parte do consumo intermédio na produção de outros bens e serviços. Por exemplo
o efeito de taxar adicionalmente os derivados do petróleo e seu reflexo no
preço dos transportes e da energia, com o respectivo encarecimento dos
restantes bens de consumo.
Na proposta de Orçamento para 2015 prevê-se um novo aumento do peso
dos impostos indirectos, de 52,7% para 53,6%.
Mas se aumenta de forma efectiva a carga fiscal, ou seja, os
portugueses irão pagar mais impostos em 2015. A verdade é que o constrangimento
no acesso aos serviços públicos aumenta, não só com reduções efectivas na
despesa de diversos ministérios, onde a questão da educação ganha proeminência
com um corte de 700 milhões de euros face a 2014. A verdade é alguns cortes
ditos de racionalização e a redução do número de trabalhadores no sector
público irão condicionar a prestação do serviço público.
É de sublinhar que o IVA e o IRS representam mais de 70% da receita
fiscal, suportada sobretudo pelos trabalhadores por conta de outrem. Mas se os
trabalhadores e pensionistas continuam a ser os principais prejudicados, o
capital, o grande capital, cada vez mais o estrangeiro e financeiro, continua a
ser o principal beneficiário em sede de orçamento.
Como já foi referido logo à partida pelo pagamento das rendas
elevadas das PPP, pela despesa fiscal em sede de IRC e pelo pagamento dos juros
e encargos da dívida pública, que continuam a aumentar.
Em 2015, prevê-se pagar cerca de 1,4 mil milhões de euros de rendas
garantidas ao grande capital em PPP, na sua grande parte relativas ao sector
rodoviário. Entre 2014 e 2020 a previsão do encargo global destas ascende a 9,7
mil milhões de euros. Estas rendas continuarão até 2039.
Mas a outra componente do orçamento, na continuação da reforma da IRC, é a redução da taxa de IRC pelo segundo ano consecutivo, que passa dos atuais 23% para 21%, ou seja, para beneficiar sobretudo o grande capital, isto para além das benesses já existentes no sector financeiro que fazem mirrar o resultado contabilístico face à colecta, sobre a qual incide a taxa de imposto.
Afirmar que existe um reforço da contribuição extraordinária da
banca em 31 milhões de euros, quando se põem tectos às prestações sociais para
poupar 100 milhões de euros, diz tudo sobre a dita equidade do esforço. Já para
não falar de todos os milhões injectados na Banca ao longo do PAEF e agora os
3,9 mil milhões de euros postos no Fundo de Resolução no caso BES, cujo esforço
ainda irá ser pedido, como noutros casos, a quem trabalha, num contexto de
socialização dos prejuízos de que o caso BPN foi bem exemplo!
Neste contexto, o peso do IRC na receita fiscal arrecadada, volta a
cair, prevendo-se que em 2015, represente 12,1%.
Mas o orçamento beneficia também o capital, com a continuação do
processo de privatizações e de desmantelamento do Sector Empresarial do Estado
e dos serviços públicos, ou seja, por mais mercado público ao serviço de
lógicas de rentabilização privada, ao mesmo tempo que se prescinde instrumentos
essências para alavancar o desenvolvimento do país e que dificilmente serão
recuperáveis. O caso da PT é disto triste exemplo!
Em 2014, avançou-se com a privatização da REN e dos CTT. Alienou-se
o sector segurador da CGD, hipotecando o seu futuro e a capacidade de apoiar o
comércio externo. Avançou-se para a reprivatização EGF.
Pretende-se ainda lançar a privatização da TAP e avançou-se com a
privatização dos transportes públicos urbanos na Área Metropolitana do Porto
(STCP e Metro do Porto) e espera-se ainda fazer o mesmo em Lisboa (Carris e
Metropolitano), até ao final no ano.
Para 2015, continua a venda a retalho. O Governo avança com a
intenção de privatizar a CP Carga e concluir o processo de privatização da
EMEF. Privatizar a Carristur, após a concessão da Carris. Ao nível dos Portos,
pretende-se desafectar as áreas não associadas ao uso portuário, para avançar com
a concessão para a náutica de recreio e cruzeiro.
É de salientar também um pormenor significativo, a redução
continuada dos fluxos financeiros líquidos com a União Europeia. Em 2015, o
saldo líquido com a União Europeia representará cerca de 28% do registado em
2012. Sendo certo que estamos no final de um programa comunitário e no início
de outro, também por aqui se nota que o saldo financeiro cada vez menos cobre
as saídas de rendimento nacional para a União Europeia por via de juros e
dividendos.
Conclusão, a proposta de Orçamento de Estado para 2015 continua a
política da Troika, onerando os trabalhadores para beneficiar o capital.
Contribuindo para manter uma política de austeridade que visa restaurar as
condições de rentabilidade do capital, acentuando a exploração de trabalho. O
orçamento e demais leis associadas contribuem assim para operar uma enorme
transferência de rendimento do trabalho para o capital, como se fosse uma
política redistributiva invertida.
A situação económica e nacional impõe rupturas com a política de
austeridade e o modelo económico que lhe está associado. Portugal precisa
recuperar os instrumentos de política económica e os sectores estratégicos, que
permitam alavancar uma estratégia endógena de desenvolvimento económica e
social, que aproveite cabalmente os seus recursos endógenos e o potencial da
sua força de trabalho.
A questão dos salários, do aumento dos salários e pensões,
nomeadamente a reposição do esbulho efectuado nos últimos anos, não é só uma
medida indispensável para combater as desigualdades na repartição e distribuição
do rendimento mas também para fomentar e ampliar o nosso mercado interno.
O aumento da produção ao nível da agricultura, pesca e indústria é fundamental para responder às necessidades do país e garantir melhores termos de troca com exterior.
A redução do horário de trabalho não é só um elemento chave do
combate à exploração do trabalho e que representa um aumento efectivo do
salário, mas uma forma de incrementar o emprego e garantir aos trabalhadores o
usufruto dos seus ganhos de produtividade.
A ruptura com o Euro e o Tratado Orçamental é indispensável para
garantir uma política monetária e orçamental ao serviço de Portugal e dos
Portugueses.
A renegociação da dívida é fundamental para parar o esbulho de rendimentos nacionais para o estrangeiro e permitir libertar recursos para o investimento.
Parar as privatizações e voltar a pôr em cima da mesa a palavra nacionalização é indispensável para trazer para o domínio público alavancas fundamentais para o nosso desenvolvimento económico e social.
Sem dúvida que estas são rupturas também com custos e necessitam da
legitimidade e do sacrifício de quem trabalha, da luta organizada e da
perseverança para a garantir a sua cabal concretização. Mas permanecer na rota
em quem estamos significa continuar na rota do empobrecimento e do
aprofundamento dos problemas estruturais do país, um país adiado e dependente.
Sabemos o que não queremos, sabemos o que precisamos. Se queremos
transformar o futuro, temos que agarrar o presente, com a força da luta.
5/11/2014
*Economista
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