10 maio 2014, Jornal de
Angola http://jornaldeangola.sapo.ao
(Angola)
Samora Machel disse uma vez que os “vizinhos não se escolhem”. O
primeiro Presidente de Moçambique justificava assim as divergências insanáveis
com Pretória.
Devido ao injusto regime de segregação racial vigente no país mais rico
do continente africano, a África do Sul sofreu durante décadas um bloqueio
internacional, com a aplicação de sanções em todos os sectores. Moçambique
pagou uma pesada factura por ter um vizinho agressivo e reaccionário.
O Governo de Moçambique nunca aceitou a lógica de um regime que prendia e condenava à morte ou a pena perpétua os seus opositores políticos. E quando não podia usar essas “armas”, fazia atentados mortíferos contra aqueles que davam tudo pela libertação do povo, das garras do “apartheid”. Angola sabe bem o que isso significa, porque a aviação do regime racista de Pretória bombardeou comunidades civis, assassinando milhares de angolanos e namibianos.
As relações actuais entre os dois países são de boa vizinhança, tendo em conta que o regime de apartheid foi abolido. A África do Sul é um dos maiores investidores em Moçambique, com destaque para o sector privado. Os vastos interesses económicos, financeiros e comerciais em Moçambique, contribuem para o desenvolvimento do país. Os moçambicanos podem estar gratos a Samora Machel. Mas continuam com o coração nas mãos, porque una força de choque do apartheid, a Renamo, tem estatuto de partido político e ao mesmo tempo bases militares com um exército ilegal, ilegítimo e constituído por matadores a soldo.
Ontem disparavam às ordens dos senhores do apartheid. Hoje ainda não se sabe às ordens de quem disparam. Um dia, não muito distante, se saberá. Mas há uma pista evidente: os matadores da Renamo saíram das bases militares e do Parlamento moçambicano, disparando contra civis, quando se confirmaram as reservas de gás e petróleo em Moçambique. Basta seguir essa pista para chegarmos ao fim da linha na Líbia, no Egipto, na Síria, no Irão ou na Venezuela.
O líder da Renamo está escondido nas matas do seu “Lucusse” e os seus altifalantes gritam que não há tolerância política nem liberdade de expressão em Moçambique. Exigem paridade na Polícia e nas Forças Armadas. Querem fazer dos defensores da Pátria, da ordem e da lei, uma força partidária ao serviço de qualquer caudilho tresloucado. Moçambique hoje tem bons vizinhos mas o Povo Moçambicano carrega às costas o que sobra do apartheid em putrefacção: o fardo dos homens armados da Renamo, organização que perdeu qualquer legitimidade política e democrática, no momento em que Dlhakama foi para o seu “Lucusse” e as suas hordas armadas dispararam o primeiro tiro contra a democracia.
Hoje, Moçambique e África do Sul têm uma relação fraterna. Mas a paz nos dois países pode ser perturbada pelos restos do apartheid.
O mesmo nível de relações bilaterais acontece entre Angola e a Namíbia. Neste caso não se aplica a célebre frase de Samora Machel, pois as relações entre os dois países só foram estabelecidas oficialmente quando a Namíbia ascendeu à Independência Nacional a 21 de Março de 1990, um ano depois da assinatura dos acordos quadripartidos entre a África do Sul, Angola, Cuba e os EUA. O “milagre” aconteceu no Triângulo do Tumpo, quando as FAPLA, heróicas e gloriosas, infringiram uma derrota avassaladora às tropas de Vorster, Botha e Magnus Malan. Os heróis do Cuito Cuanavale deram nova vida à África Austral e libertaram o mundo do pior crime que alguma vez foi cometido contra a Humanidade: o apartheid. Cá dentro temos alguns desses derrotados que ainda se tomam de dores pelo fim do apartheid, que serviram a ferro e fogo.
Para as autoridades angolanas e namibianas, as relações de boa vizinhança e de cooperação são o reflexo das relações forjadas, a partir de 1976. Esta aliança teve um enorme preço em vidas humanas e destruições de parte a parte, com o maior ónus assumido por Angola. Ainda assim, as autoridades angolanas nunca regatearam o seu apoio aos combatentes da liberdade da Namíbia. Milhares de angolanos e namibianos regaram o solo com o seu sangue em confrontos com as forças militares sul-africanas.
No Triângulo do Tumpo acabou o pesadelo. Honra e glória aos heróis que se bateram na Batalha do Cuito Cuanavale.
Hoje, as relações bilaterais são um exemplo de boa vizinhança. Angola e Namíbia, vizinhos de longa data, têm uma ligação que ninguém pode apagar.
Nem mesmo os que estiveram sempre do lado errado da História e hoje até são capazes de dizer que o apartheid nunca existiu, só para se fazerem passar por patriotas angolanos. E, de facto, têm tudo o que precisam para assim serem considerados: documentos de identificação e até cargos de eleição política. Só lhes falta dedicar a Angola o mesmo amor que dedicaram à causa do apartheid. Mas ainda vão a tempo. Têm toda a tolerância do mundo por parte de quem governa os destinos do nosso país.
*Politólogo
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