2
maio 2014, Jornal
de Angola http://jornaldeangola.sapo.ao
(Angola)
José Goulão
Um tal Devin Nunes, congressista dos Estados Unidos da América
identificado como descendente de portugueses dos Açores, anunciou recentemente
que a Base das Lajes, no território português da Ilha Terceira, vai passar a
funcionar como principal posto “avançado” da AFRICOM, força operacional
norte-americana para África.
Assim, sem mais. A notícia apareceu, nela o tal Nunes explicou que
nos Açores vão ser reunidos serviços militares norte-americanos de intervenção
até agora concentrados na Alemanha e nas bases espanholas de Rota e Morón de La
Frontera, e em Portugal nada aconteceu. Silêncio do governo, silêncio na
comunicação social do regime e, como resultado, indiferença absoluta em todo o
país.
No entanto, para que se saiba, o AFRICOM é o ramo do exército imperial dos Estados Unidos da América para intervir em África.
A ele se devem os sete meses de bombardeamentos na Líbia que mudaram o regime e puseram as maiores reservas petrolíferas africanas a correr livremente para os tanques dos gigantes transnacionais, a cooperação com as tropas invasoras francesas no Mali, a “guerra humanitária” montada na República Centro Africana, a secessão no Sul do Sudão, o controlo de Washington sobre o Uganda e a Etiópia, os drones enviados da Alemanha para silenciar sumariamente indivíduos ditos “terroristas”, enfim, a lista é ainda mais longa.
As mais claras e francas definições dos objectivos do AFRICOM foram proferidas pelo vice-almirante Robert Moeller, em conferências patrocinadas pelo Pentágono: “promover o fluxo livre dos recursos naturais de África para o mercado global” (2008); “que não haja dúvidas, trata-se de proteger vidas americanas e promover os interesses americanos em África” (2010).
Afirma o tal congressista republicano Nunes, sem que ninguém o desminta, que a Base das Lajes, na Região Autónoma portuguesa dos Açores, será o “posto avançado” para tudo isto, “24 horas por dia e a um elevado nível de prontidão”.
Quarenta anos depois do 25 de Abril, 38 anos depois de aprovada uma Constituição da República Portuguesa onde se defende o direito dos povos a decidirem livremente os seus destinos, onde se rejeitam as agressões imperialistas, esta notícia circula sem que nada aconteça em Portugal.
Dez anos depois de a Base das Lajes ter servido para o lançamento de uma guerra imperial de agressão contra o Iraque, baseada em mentiras mundialmente reconhecidas, o território torna-se centro operacional de um mecanismo permanente de agressão e rapina militar.
Quarenta anos depois de o Movimento do 25 de Abril ter contribuído para por fim a guerras coloniais em África, Portugal prepara-se para admitir, pelo silêncio dos seus principais responsáveis, mais uma traição ao processo libertador.
Uma traição por certo das mais graves porque representa o regresso à guerra em África, na sua versão neocolonial.
O 25 de Abril fez-se também pela restauração da dignidade. Este é mais um passo, e de gigante, no recuo à indignidade.
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