22 maio 2014, http://jornaldeangola.sapo.ao/reportagem/jamba_foi_centro_de_droga
Artur Queiroz
O coronel Jan
Breytenbach era um dos mais condecorados oficiais das forças de defesa e
segurança do regime de apartheid, que fez da África do Sul um imenso campo de
concentração. O famoso Batalhão Búfalo foi criado e treinado por ele, na faixa
de Caprivi.
Os cabos e “flechas” da UNITA passaram-lhe pelas mãos
até serem promovidos a oficiais. Um dia ele descobriu que a guerra de Savimbi
tinha apenas um fim: roubar os diamantes de Angola, dizimar elefantes e
rinocerontes para o contrabando de marfim e devastar o último reduto da savana
africana, para roubar madeiras preciosas.
Jan Breytenbach publicou um livro onde denuncia
O paraíso era o Cuando Cubango, último reduto da savana virgem africana. O velho soldado descobriu que Savimbi era um peão dos sul-africanos no tráfico de diamantes e marfim (páginas 247 a 351). Mas também de madeiras preciosas, sobretudo Girassonde. Isto ainda é pouco: a Jamba também era o centro de um esquema de tráfico de droga (mandrax) que vinha de Lusaka e era depois distribuída para toda a África e mercados da Europa, EUA e Oriente.
O tráfico de marfim foi denunciado alguns anos antes da publicação do livro de Breytenbach, pela Environmentand Animal Welfare que entregou um relatório inquietante à Comissão do Ambiente da Câmara dos Representantes dos EUA. O documento responsabilizava Savimbi e oficiais sul-africanos de alta patente por gravíssimos atentados ambientais no Cuando Cubango. Craig Van Note, da organização, foi chamado a depor e confirmou todo o conteúdo do relatório.
Mas acrescentou este ponto: “as forças rebeldes angolanas da UNITA de Jonas Savimbi, apoiadas pela África do Sul, liquidaram 100.000 elefantes para ajudar a financiar a guerra”.
A Environmentand Animal Welfare explicou que o contrabando de marfim se fazia através da faixa de Caprivi num esquema montado por oficiais das forças de defesa e segurança da África do Sul. O coronel Breytenbach foi directamente ao assunto: “descobri que oficiais das SADF estavam implicados numa máfia que contrabandeava dentes de elefante e rinoceronte, diamantes, madeira e droga”. Os russos e cubanos afinal tinham tromba, brilhavam e alucinavam.
Elefantes e rinocerontes
Breytenbach localiza a Jamba: “a sede de Savimbi estava num lugar chamado Jamba, um pequeno acampamento 15 quilómetros a sul do rio Luiana”. O velho coronel não o diz, mas convém esclarecer que Luiana era um posto administrativo da era colonial e existia apenas para marcar a soberania portuguesa.
Quando o MPLA lançou a guerra na Frente Leste, o posto de Luiana foi guarnecido com um pelotão do exército português. E foi construída uma pista onde aterravam os famosos aviões Nord Atlas popularmente conhecidos por “barriga de jinguba”. Savimbi conheceu a zona através dos “flechas” da PIDE e dos pilotos de helicópteros sul-africanos que aterravam na sua pista, quando regressavam das operações com as tropas especiais portuguesas: comandos e paraquedistas.
“Savimbi usava estas áreas como terreno privado de caça para si e seus amigos, especialmente políticos estrangeiros que podiam ajudá-lo na sua guerra contra o MPLA”, escreve o coronel Breytenbach. O paraíso começou a transformar-se num inferno para elefantes e rinocerontes. Mais de 90 por cento dos efectivos destas espécies foram dizimados. Estamos a falar dos raros “Cobiense”.
“Savimbi começou a disparar sobre estas duas espécies de forma organizada. As presas dos elefantes e os chifres dos rinocerontes foram armazenados na Jamba, enquanto ele foi procurando uma forna de exportar o saque para o Extremo Oriente, especialmente Hong Kong. Para isso foi necessário organizar a máfia.
Sempre a mentira
Fred Bridgeland, no seu livro “Savimbi: a chave para África”, escreveu que o chefe da UNITA tinha que pagar a ajuda sul-africana com diamantes e marfim. Uma mentira que o coronel Breytenbach não deixa passar: “o apoio da inteligência militar a Savimbi, em 1986/1987, totalizou 400 milhões de rands. Sei também que com este dinheiro os sul-africanos compraram praticamente todo o combustível, material de guerra e o fardamento. O dinheiro para apoiar a UNITA saiu dos bolsos dos contribuintes sul-africanos”. Savimbi sempre foi um mentiroso compulsivo. E passou a doença aos seus homens.
Ninguém pense que Ian Breytenbach fala por despeito. Ele explica o que o moveu: “sou a favor de uma guerra justa, mas tenho grande dificuldade em conciliar a justeza da guerra com a destruição do último reduto da savana africana”. Mais esta passagem do livro: “destruíram a savana africana do Cuando Cubango a troco das precárias liberdades prometidas por Savimbi, que não é seguido por pelo menos 80 por cento dos angolanos. Na minha forma de pensar isto é totalmente desprezível e uma ofensa contra a Criação de Deus”.
O cheiro do contrabando
Savimbi conseguiu colocar o marfim em Hong Kong, os diamantes em Pretória ou na Europa e a madeira preciosa na Namíbia, através de um esquema mafioso que incluiu oficiais das forças de defesa e segurança da África do Sul, os turistas da Jamba, os seus “embaixadores”, entre os quais Sakala e Samakuva, e portugueses que fugiram de Angola no 25 de Abril de 1974, entre os quais agentes e inspectores da PIDE/DGS.
O biólogo ManieGrobler, gestor de parques naturais da Namíbia, um dia foi ter com o coronel IanBreytenbach e deu-lhe conhecimento da existência de tráfico de dentes de elefante e chifres de rinoceronte, além de madeiras preciosas, sobretudo Girassonde. O velho coronel estava nas altas esferas militares da África do Sul mas nada sabia: “perguntou-me se eu tinha conhecimento da existência de marfim com o valor de muitos milhões de rands, num aeródromo de Caprivi. Eu não tinha conhecimento de um valor tão grande. Mas ManieGrobler foi informado por um piloto civil que ia buscar o marfim para a Inteligência Militar”.
Ian Breytenbach investigou e descobriu que o marfim pertencia aos stocks da UNITA e saía da região numa pista em Bwabwata. ManieGrobler uns dias depois foi ameaçado de ser saneado se voltasse a falar de marfim, madeira e diamantes.
“Comecei a fazer perguntas e a juntar factos. A imagem que gradualmente começou a surgir era muito feia e inacreditável. Nem no meu pior pesadelo eu podia ter imaginado que oficiais da SADF se tinham envolvido em algo digno da máfia”.
Mafiosos matam
O padrinho da máfia era um comerciante português, Arlindo Manuel Maia, dono de uma empresa de transportes em Joanesburgo e com “filial” no Rundu. Outro mafioso era José Francisco Lopes, comerciante no Rundu e tido como multimilionário.
“A inteligência sul-africana criou uma organização, a InterFrama, para transportar material de guerra para a UNITA. No regresso os camiões traziam madeira e marfim”, escreve Breytenbach. Milhões de toneladas de madeira foram roubados de Angola durante a guerra.
“As árvores eram derrubadas em Angola e serradas em tábuas numa serração pertencente à InterFrama, em Bwabwata, no ocidente de Caprivi”, escreve o coronel.
O marfim era vendido a um comerciante de Hong Kong perito em violar as sanções que foram impostas ao regime de apartheid da África do Sul.
Tráfico de droga
A Lei do Segredo de Estado de Pretória protegia estes negócios. Mas Savimbi e os seus cabos tornaram-se demasiado ambiciosos e acrescentaram ao contrabando de marfim, diamantes e madeira, o tráfico de droga.
Ian Breytenbach escreve: “um comerciante português em Katima, Zâmbia, começou a canalizar para a Jamba mandrax que vinha de Lusaka”. Em breve o negócio da droga atingiu níveis “industriais”. A Jamba era o armazém central do Mandrax. Começa a perceber-se tanta alucinação de Savimbi e dos seus cabos. Os paraísos artificiais têm o condão de eliminar as diferenças entre a verdade e a mentira.
A Jamba tinha um sinaleiro para disfarçar a verdade: era o centro nevrálgico do tráfico de marfim, diamantes, madeiras preciosas e droga!
Hoje a direcção da UNITA engana os angolanos dizendo que Savimbi protegia os elefantes e a natureza. Milhões de árvores foram derrubadas nas savanas do Cuando Cubango para traficar madeira. Uma catástrofe ambiental sem precendentes e que ficou sem castigo.
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