10 junho 2010/Vermelho http://www.vermelho.org.br
Viagem no tempo, de volta ao passado. Esta é a sensação deixada pela atuação recente da diplomacia dos EUA, dirigida por Hillary Clinton que, nesta semana, teve dois lances reveladores: a visita da Secretária de Estado a um grupo de países na América do Sul (Peru, Equador, Colômbia e Barbados) e a votação, pelo Conselho de Segurança da ONU, da quarta rodada de sanções contra o Irã.
Dois lances que estão interligados pelo protagonismo da diplomacia brasileira que, juntamente com a Turquia, conseguiu chegar com o Irã a um acordo sobre pesquisa nuclear que o grupo de países do Conselho de Segurança da ONU liderado pelos EUA foi incapaz de obter.
A diplomacia norte-americana tem sofrido revezes impensáveis num passado recente, e que apontam para o fim da unilateralidade que prevaleceu desde a queda do Muro de Berlim, em 1989, quando os EUA passaram a impor, pela força militar, sua vontade e seus interesses e iniciaram uma era de grande insegurança para os povos cuja marca são as agressões ao Afeganistão, ao Iraque e aos palestinos, as ameaças à Coréia do Norte, ao Irã e à Venezuela, e o recrudescimento das hostilidades contra Cuba.
Na última década essa primazia começou a declinar, embora ninguém possa ainda, em sã consciência, proclamar seu fracasso final. De qualquer forma, os países da América do Sul retomaram sua soberania, fortaleceram a integração continental com o crescimento do comércio, o fortalecimento do Mercosul, a cooperação política e militar e a criação de instituições próprias, como a Unasul. Foram movimentos soberanos que criaram condições para afastar a intromissão norte-americana nos assuntos do continente, embora não se tenha ainda alcançado a unanimidade dos países, quebrada pela notória submissão dos governos da Colômbia e do Peru às imposições de Washington.
Um desdobramento dessa nova realidade é o papel que os países da região passam a desempenhar no cenário mundial, representado principalmente pela atuação da diplomacia brasileira que, sinalizando a emergência de nosso próprio país e do continente, tem se destacado pela atuação independente e pela busca de novos parceiros fora do eixo EUA-Europa-Japão. A conquista do acordo com o Irã é a indicação mais visível desse novo protagonismo do Brasil, respaldado por vizinhos da América do Sul.
São movimentos que incomodam o stablishment nos EUA. Contra o acordo e a negociação com o Irã, sua diplomacia impôs - e os demais membros do Conselho de Segurança da ONU acataram, com as notáveis exceções do Brasil, da Turquia e do Líbano - o caminho do confronto, conseguindo a aprovação de mais uma rodada de sanções contra Teerã. Caminho que indica o móvel da política dos EUA: a manutenção, pelas potências atômicas, do monopólio não só das armas mas também da tecnologia nuclear, à qual o governo de Washington quer agora barrar o acesso para os demais países.
A visita de Hillary Clinton à América do Sul (Peru, Equador, Colômbia e Barbados) faz parte desse xadrez no qual o governo de Barack Obama tenta recuperar a influência perdida sobre o continente que, desde o presidente James Monroe, há quase dois séculos, os governos norte-americanos têm considerado como uma espécie de "reserva" de seu próprio país.
A tentativa de retomar a hegemonia e a iniciativa política no continente veio embalada por Hillary Clinton num discurso conciliador, fugindo às questões mais espinhosas. Ela teve a cara de pau de citar Simon Bolivar e o cubano antiimperialista José Marti; elogiou as políticas sociais dos países da região; tentou assegurar que as sete bases militares na Colômbia são colombianas e não norte-americanas e foi por aí.
Mas foi obrigada a enfrentar manifestações com as quais os políticos de seu país não estão acostumados. A Coalición Colombia No Bases denunciou a presença militar dos EUA no país e criticou o Tratado de Livre Comércio assinado pelo direitista Álvaro Uribe como benéfico apenas para as multinacionais estadunidenses, significando, junto com o acordo militar, a "maior entrega da soberania nacional e da dignidade do povo colombiano em toda a história”.
Hillary Clinton compareceu a uma 40ª Assembléia Geral da Organização de Estados Americanos (OEA) esvaziada, que não teve a presença do ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim. Lá, enfrentou a oposição da maioria dos países do continente (Brasil à frente) à volta de Honduras à organização, como quer o governo que ela representa. A medida aprovada naquele encontro foi a criação de uma Comissão para avaliar ao impasse. Os países se opõem à volta de Honduras desde o golpe militar que afastou o presidente Manuel Zelaya, não aceitam como legítima a eleição presidencial realizada sob o governo golpista e denunciam a perseguição e o assassinato de oposicionistas e a situação de insegurança para o retorno ao país de Manuel Zelaya, que se encontra exilado na República Dominicana. Precisou enfrentar também a manifestação do Comitê Peruano de Solidariedade aos Cinco, que distribuiu entre os chanceleres presentes à assembleia da OEA um documento exigindo a liberdade dos cinco lutadores antiterroristas cubanos ilegalmente presos e condenados nos EUA há mais de uma década.
São outros tempos, nos quais o comando de Washington não encontra mais concordância automática e submissa. Hillary Clinton, o Departamento de Estado e o governo de Washington querem voltar ao passado mas a realidade mostra que este caminho vai se tornando cada vez mais inviável, à medida em que a soberania continental se fortalece e se consolida.
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