16 junho 2010/Vermelho EDITORIAL http://www.vermelho.org.br
Trinta e oito anos depois do massacre do Domingo Sangrento, no qual soldados ingleses mataram a tidos 13 pessoas (e feriram 14, uma das quais morreu tempos depois devido aos ferimentos) que participavam de uma passeata em Londonderry, na Irlanda do Norte, a justiça inglesa concluiu que a ação dos militares foi criminosa.
Foi uma longa caminhada até que esta conclusão fosse oficialmente aceita e tornada pública. No dia 15, quando o Relatório da investigação foi apresentado ao Parlamento britânico, não restou outra saída ao governo do primeiro ministro David Cameron senão reconhecer a culpa das tropas inglesas de ocupação e pedir desculpas pelo ataque injustificado contra aquela passeata pacífica em 30 de janeiro de 1972.
O Relatório que repõe a verdade e condena a ação militar resulta de uma investigação iniciada em 1998, quando o acordo entre irlandeses católicos e protestantes e o governo britânico formou um governo de coalizão no Ulster (como os norte-irlandeses chamam seu país) que pôs fim a uma das mais longas e sangrentas guerras de libertação nacional do século XX. A investigação consumiu 200 milhões de libras (293 milhões de dólares), foi o mais longo processo judicial britânico, e ficou pronta seis anos depois, em 2004, e esperou outros seis anos até seus resultados serem finalmente divulgados.
A manifestação pacífica de 30 de janeiro de 1972 estava prevista para ser um grande protesto dos patriotas norte-irlandeses pelos direitos civis (eles não tinham o direito de voto em seu próprio país) e pelo fim do domínio estrangeiro. Eles enfrentavam as tropas britânicas de ocupação e também seus aliados internos, os protestantes, favoráveis à união com a Grã-Bretanha.
Mas o comandante das tropas de ocupação na ocasião, tenente coronel Derek Wilford, pensava de outra maneira e decidiu dar uma "lição" aos patriotas irlandeses para colocar um fim nas manifestações de rua que se intensificavam. Usou a costumeira "pedagogia da bala" de todas as repressões: os soldados atiraram contra manifestantes pacíficos. Depois, o comando montou sua própria versão fantasiosa, alegando que os soldados agiram em legitima defesa e responderam a tiros disparados pelos "terroristas", tentando justificar assim o sangue derramado.
É a mesma versão arrogante e simplória de todas as ditaduras para ações criminosas cometidas por agentes da repressão, e que foi desmontada pela disposição da justiça inglesa em restabelecer a verdade e apontar os verdadeiros responsáveis pelo derramamento de sangue inocente.
O Relatório da investigação conduzida por lord Mark Saville demonstrou de maneira clara e sucinta que a ação repressiva "não foi uma resposta justificável”, mas “um caso de soldados atirando sem motivos", conclusão acatada pelo próprio chefe do Estado Maior do Exército britânico, general David Richards. Atribuindo toda responsabilidade aos militares ingleses, que abriram fogo sem aviso, o Relatório recomenda ao Ministério Público da Irlanda do Norte que tome as medidas judiciais para responsabilizar os soldados que participaram do massacre.
A disposição inglesa de colocar o dedo na ferida da história, mesmo que tardiamente, merece ser saudada pelos patriotas e democratas. Ela não deixa de ser limitada: refere-se a um acontecimento ocorrido há quase meio século e ocorre num contexto onde violências sangrentas semelhantes são cometidas por tropas de ocupação em vários pontos do mundo. Não apaga a mancha representada pela participação inglesa na ocupação do Iraque, que é uma agressão tão grande, violenta e injustificável como a cometida na Irlanda. Não limpa também a cumplicidade britânica com a agressão israelense contra os palestinos, cujo último episódio sangrento (o ataque à Flotilha da Liberdade) foi justificado com alegações falsas semelhantes às usadas em 1972 pelos ingleses para explicar o tiroteio contra a passeata pacífica em Londonderry.
Apesar destas limitações, a disposição britânica de rever o passado precisa ser levada em conta, no Brasil, por aqueles que resistem em levar os torturadores da ditadura aos tribunais. Em 1972 a repressão no Brasil estava no auge, e a ditadura militar mandou agentes policiais para a Inglaterra para tomar aulas de tortura, que o general Hugo Abreu chamou eufemisticamente o general Hugo Abreu de “métodos ingleses de interrogatório”. Métodos desenvolvidos pela repressão inglesa justamente na luta contra os patriotas norte-irlandeses. Os agentes da repressão brasileira aprenderam aquelas lições, que usaram contra democratas e patriotas em nosso país. Aqueles que os defendem hoje e resistem em responsabilizar os que torturaram e mataram aprenderam essa nova lição que vem dos tribunais ingleses?
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