Isidoro Pedro da Silva, PCA do Instituto Nacional de Comunicações, debate na segunda e última parte da entrevista concedida ao “Notícias”, a problemática dos preços de interligação, que é a ligação entre duas ou mais redes para a comutação mútua de tráfego telefónico, fala também da percepção pública de que, em certos momentos, a qualidade de serviços prestados pelos operadores não é a desejável e que a área postal atravessa maus dias, considerando a liberalização dos mercados e os notáveis aperfeiçoamentos das infra-estruturas das comunicações.
4 dezembro de 2009/Notícias
Passamos a publicar extractos da referida parte desta entrevista:
- O que acontece quando um operador resolve alterar os preços de interligação? Há regras e o INCM pode socorrer-se da lei para restabelecer a situação?
- Nenhum operador é livre de alterar unilateralmente os preços de interligação. A acontecer isso, estar-se-ia perante um litígio que carecerá de ser resolvido em sede própria. De modo geral, as decisões do INCM são exequíveis e vinculativas até decisão contrária do tribunal competente. Os interessados podem solicitar ao INCM a revisão, requerendo a alteração ou anulação de qualquer decisão.
À partida, o que se pretende é que sejam garantidas a interoperabilidade de serviços, as regras básicas de relacionamento, mediante a adopção do modelo PRI (Proposta de Referência de Interligação), que permitam negociações comerciais para obtenção de contratos de interligação entre as partes.
- Diz-se que a interligação é o coração da regulação. Poderá dissertar sobre isto?
- E quem o diz? A interligação é a ligação entre duas ou mais redes para a comutação mútua de tráfego telefónico, permitindo que os clientes dum operador possam estabelecer ligações com clientes de outros operadores ou é a ligação física e lógica das redes de telecomunicações usadas pelo mesmo ou diferentes operadores de forma a permitir acesso e as comunicações entre diferentes utilizadores dos serviços prestados.
Estas definições mostram-nos, inequivocamente, as pressupostas razões, latentes ou não, de a interligação ser considerada coração da regulação. Entenda-se coração no sentido figurativo, referindo-se à interligação como centro nevrálgico de toda e qualquer regulação das comunicações.
No entanto, não esqueçamos que o espectro radioeléctrico e a numeração, como recursos escassos podem, também, ser considerados coração da regulação, atendendo ao volume dos aspectos com implicações económicas que a entidade reguladora das comunicações é chamado a resolver.
Muitos conflitos entre operadores e prestadores de serviços de telecomunicações têm, como origem, a interligação, o espectro radioeléctrico, a numeração e a partilha de infra-estruturas. À volta destes factores encontram-se adjacentes diferentes interesses económicos, comerciais, financeiros, técnicos e, até interesses dos próprios gestores.
- Realmente, temos, também, a gestão do espectro radioeléctrico e a fiscalização, cujos resultados de trabalho de campo são tão importantes quanto a interligação no desenvolvimento da regulação...
- Isso é verdade! A propósito, funciona, desde 2007, o Sistema de Gestão e Monitorização do Espectro Radioeléctrico (SGME). Trata-se de um sistema que constitui um dos grandes sucessos de renovação tecnológica no país que se enquadra no processo de revitalização do sector de comunicações encetado pelo Governo, o qual contempla a dotação do INCM de equipamentos e tecnologia que ajudam a melhorar a cobertura e o controlo do espectro radioeléctrico no vasto território nacional.
Com a ajuda do SGME gerimos e monitoramos, com maior eficácia, as comunicações terrestres, aéreas, marítimas e orbitais, através da detecção, identificação e posterior tratamento informatizado dos sinais emitidos em todo o território nacional e áreas limítrofes. Temos desencorajado o uso ilegal do espectro radioeléctrico, a pirataria e reforçamos a segurança nas comunicações do País.
Ora, a fiscalização constitui, por sua vez, um dos pilares da actividade regulativa do INCM. A informação dela decorrente é extremamente indispensável para o exercício da regulação técnica, económica, concorrencial e social. Compete ao INCM, no âmbito da fiscalização dos sectores postal e de tele¬comunicações, fiscalizar o cumprimento dos termos e obrigações das licenças, dos contratos de concessão, das disposições constantes nos cadernos de encargos e respectivos estatutos, dos operadores de serviços postal e de telecomunicações, bem como a observância das disposições legais regulamentares aplicáveis, fiscalizar e superintender a actividade dos operadores e prestadores de serviços postal e de telecomunicações no cumprimento das respectivas disposições legais e regulamentares, e fiscalizar as condições de utilização do espectro radioeléctrico, bem como controlar e fiscalizar utilizações abusivas que possam causar interferências radioeléctricas.
PREÇOS DE INTERLIGAÇÃO PENALIZAM CLIENTES
- Quem sofre na prática dos preços de interligação são os clientes. Entretanto, ainda não é notável a tendência de redução das tarifas de interligação no nosso país. A que isto se deve?
- O problema essencial reside no facto de a interligação continuar a ser fonte de rendimentos extras para os operadores. Todavia, o INCM tudo faz junto dos mesmos para que os preços praticados sejam razoáveis e alinhados ao custo de prestação de serviços em referência.
O Regulador tem recorrido a consultorias para a fixação das taxas de interligação. Neste processo, encontram-se também envolvidos os oepradores. O certo é que o cidadão não deve ser penalizado por causa dos custos de interligação.
É no esforço de melhorar o quadro da tarifação que o nosso país foi anfitrião, em Maio deste ano, da Reunião do Grupo 3 para a Região de África (SG3RG – AFR). Esta matéria foi profundamente discutida. O SG3RG-AFR é especializado em custos, tarifas e taxas de serviços de telefone. Dentre vários aspectos de grande interesse para África, foram discutidas, especificamente, a interligação entre redes de telefonias fixa e móvel e o modelo de custos, a metodologia de custos aplicada em cada país.
O objectivo da Reunião era munir os órgãos reguladores das telecomunicações de instrumentos necessários para o estabelecimento de um regime de preços a praticar pelos operadores de telecomunicações, seus agentes e outros intermediários, na prestação de serviços, bem como de preços a estabelecer entre operadores no âmbito da interligação das redes. Reitero que é desejo de todos que o preço dos serviços de telecomunicações se reduza a níveis aceitáveis, para que se possa assegurar a participação activa dos cidadãos nos processos políticos, económicos, sociais e outros.
Gostaria de destacar que é da competência do INCM aprovar, modificar ou ajustar a estrutura e nível de preços de acesso e de interligação dos operadores com posição significativa (OPS), com objectivo de incentivar a concorrência e possibilitar a recuperação razoável de custos aos OPS, e defender os direitos do consumidor.
E A QUALIDADE DE SERVIÇOS?
- A percepção que se tem é de que o cliente sempre paga caro... E a qualidade de serviços? Tem sido difícil ligar de uma rede para outra e mesmo dentro duma. Em quê se tem consubstanciada a intervenção do INCM, como guardião de qualidade das comunicações no País?
- Existe esta percepção pública de que, em certos momentos, a qualidade de serviços prestados pelos operadores não é a desejável. As razões de tudo isto são diversas, desde as internas até as externas. Entretanto, estamos interessados na realização de estudos sérios sobre a qualidade de serviços prestados por este sector que nos habilitem a ter uma visão estruturada e melhor fundamentada para a nossa intervenção efectiva.
Está em elaboração o Regulamento de Qualidade de Serviço (QoS) que será submetido ao ministério de tutela para apreciação. Os consumidores têm o direito de utilizar os serviços de telecomunicações com a qualidade exigida que obedece a determinados parâmetros dentro de limites bem definidos. Uma ligação bem sucedida, sem interferências nem interrupções é sempre bem-vinda.
- INCM coordenou a criação do Centro das Comunicações de Matchedje. A televisão e as telefonias móvel e fixa estiveram na origem da ideia do centro. Foi um importante contributo para o acesso universal. Creio que há, por aí, mais projectos...
- Há, sim, mais projectos, como os de criação dos centros de Internet em Angoche, Monapo, Mocuba e Gùrué, e o de desenvolvimentos das comunicações rurais. A União Internacional das Telecomunicações (UIT) e a União Postal Universal (UPU) estão apostadas nos empresários locais e envolvimento das comunidades para o aproveitamento das infra-estruturas dos correios na divulgação do uso das TIC’s. Queremos atrair investimentos e envolver o empresariado nacional.
- Que projectos mais nos esperam?
- Tenho anotado, como trabalhos em carteira o fortalecimento da capacidade institucional, o lançamento, ainda neste ano, do concurso da entrada do terceiro operador da telefonia móvel celular, o projecto de migração para o sistema de radiodifusão digital, elaboração do Regulamento de Qualidade de Serviço, o Regulação de Acesso e Partilha de Infra-Estruturas e, num futuro próximo, a preparação da proposta para a emissão de licenças unificadas.
- Para além destes projectos há a necessidade de imprimir uma maior dinâmica ao funcionamento do INCM, de fortalecer o papel do regulador na sociedade e melhorar a imagem com base no desempenho institucional.
ÁREA POSTAL CONTINUA ESQUECIDA
- Mas a área postal continua esquecida! Afinal, que tendências existem, hoje, em Moçambique, nesta área, considerando a liberalização dos mercados e os notáveis aperfeiçoamentos das infra-estruturas das comunicações?
Esta área não anda esquecida. Contrariamente, os problemas do sector postal não nos deixam dormir; atravessou-se um período de relativa letargia, os correios estavam esquecidos e sem investimentos de vulto. Porém, a situação actual é de revitalização. Operam, hoje, no mercado, cerca de 20 operadores e prestadores de serviços postais, sendo um público e os restantes privados. Todavia, a maior parte destes encontra-se concentrada na cidade de Maputo. A recente criação do Correio Expresso de Moçambique é prova de que, realmente, algo está a mudar para o melhor.
Constitui serviço postal o recebimento, expedição, transporte e entrega de objectos de correspondência, valores e encomendas. São actividades correlatas ao serviço postal: venda de selos e peças filatélicas; venda de cupons-resposta internacionais, impressos e papéis para correspondência; vendas de publicações divulgando regulamentos, normas, tarifas, lista de códigos de endereçamento, dentre outros e também a exploração de publicidade comercial em objectos de correspondência.
A aplicação extensiva das Tecnologias de Informação e Comunicação implicará a disponibilização pelo sector postal de outros serviços, como os de transferência monetária. Estamos todos convictos de que o sector postal deve ser rentável e voltado para o futuro.
PRIVILEGIAR TVS DE SISTEMA DIGITAL
- Os nossos cidadãos estão preocupados com os custos que a migração do sistema analógico de televisão para digital irá acarretar. O que Moçambique faz para enfrentar este novo desafio?
- Os países da região, incluindo Moçambique, têm participado em diferentes fóruns organizados pela União Internacional das Telecomunicações (UIT) e a Commonwealth Telecommunications Organisation (CTO). A Associação dos Reguladores das Comunicações da África Austral (CRASA) tem este assunto inscrito na sua agenda como uma das grandes prioridades. De facto, o INCM tem este assunto em carteira para que os cidadãos não sejam apanhados de surpresa.
Há que preparar condições financeiras e técnicas necessárias para que a transição do sistema analógico para o digital não constitua um bicho-de-sete-cabeças para o nosso cidadão e é obrigação do INCM prestar ao Governo informação e aconselhamentos técnicos sobre esta matéria, bem como acompanhar o estágio de implementação do plano regional de radiodifusão digital.
Na fase inicial de implementação do sistema digital, os telespectadores que continuarem com a utilizar aparelho de TV analógico poderão usar um adaptador para a conversão do sinal analógico para o digital. Porém, é necessário que alertemos o nosso cidadão para que, nas suas compras, privilegie os TVs do sistema digital. O cidadão não deve deixar-se levar pelos preços baixos com que, hoje, algumas lojas vendem os aparelhos de TV do sistema analógico.
TELEFONIA CELULAR MÓVEL: MAIS DE 4 MILHÕES DE SUBSCRITORES
- A ONU indica que o fosso digital que separa as nações diminuiu. O crescimento da utilização de telemóveis foi um dos factores que contribuiu para a mudança, mesmo que o crescimento observado a nível da Internet tenha-se mostrado mais lento. Como avalia o desenvolvimento das telecomunicações no nosso país?
- A telefonia celular móvel está, neste momento, com mais de quatro milhões e quinhentos mil subscritores, até primeiro trimestre de 2009. Em 2004 só tínhamos seiscentos e dez mil e quatrocentos e setenta e três subscritores. Quanto à cobertura da telefonia fixa das sedes distritais: todas as capitais provinciais possuem cobertura de rede fixa de telecomunicações; 116 distritos, dos 128 existentes, têm as sedes cobertas pela telefonia fixa. Relativamente à cobertura das sedes distritais da rede móvel, temos todas as capitais provinciais, municípios e corredores de desenvolvimento cobertos. Dos 128 Distritos existentes 115 estão cobertos pelo serviço móvel.
É de salientar que Moçambique já possui uma espinha dorsal em fibra óptica implementada pela TDM. Em adição a isto duas fibras internacionais têm um dos seus pontos de amarração em Maputo.
O quadro mostra-nos que o ritmo desenvolvimento das telecomunicações no nosso país é satisfatório. Mas falta ainda massificar a Internet nos distritos. Com o desenvolvimento das comunicações rurais, o campo estará ainda mais perto, porque o fosso digital estará reduzido.
- Que considerações tem relativamente ao estágio de desenvolvimento do INCM, quando comparado com o de alguns reguladores da região da África Austral?
O nosso país foi um dos pioneiros na criação, na região, de entidades reguladoras das comunicações. Instituições congéneres deram um salto qualitativo na regulação do sector, elas possuem legislação actualizada e adaptada às exigências do mercado e da época da convergência. A nossa instituição está atenta aos processos de desenvolvimento tecnológico no mundo. Estamos empenhados a conduzir ao bom porto o sector das comunicações em Moçambique .
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