Emir Sader
19 janeiro 2009/Carta Maior http://www.cartamaior.com.br
A partir de agora já podemos escrever a expressão que os norte-americanos progressistas mais queriam poder escrever: “o ex-presidente G.W. Bush”. Mas o que vem agora? Será revertida a onda direitista que tomou conta dos EUA há quatro décadas?
Desde a vitória de Richard Nixon, em 1968 - em plena guerra do Vietnã e das maiores mobilizações populares, pelos direitos civis e contra a guerra que a história do país tinha conhecido -, mobilizando o que ele chamou de “maioria silenciosa”, os EUA viveram uma profunda e prolongada guinada à direita que já dura 40 anos, uma verdadeira contra revolução conservadora. Seus pontos mais altos foram os 5 mandatos – 20 anos – de Reagan e Bush, pai e filho, que não foram radicalmente cortados apenas pelos três mandatos democratas – de Carter e Clinton -, mas apenas amainados.
Processou-se uma transformação profunda na sociedade norte-americana com essa contra revolução conservadora, desde os consensos de valores éticos e ideologia política, passando pela composição dos Tribunais de Justiça até a orientação da grande mídia e os temas prioritários de pesquisa, para chegar ao privilégio das escolas religiosas. A sociedade em sua globalidade virou-se para a direita. Momento essencial foi a campanha reaganiana de criminalização do aborto.
De um direito da mulher de dispor do seu corpo e decidir livremente sobre sua vida, passou a ser um suposto crime, com os conservadores assumindo a “defesa da vida” contra os que promoveriam a morte de inocentes. Dali em diante, em praticamente todos os grandes temas contemporâneos, deslocou-se o eixo para a direita. Um momento importante foi protagonizado por Clinton, que assinou formalmente o fim do Estado de bem estar social.
Os dois mandatos de G.W. Bush representaram o auge da hegemonia direitista, sob o patrocínio dos chamados neocons e fundado na doutrina bushiana de guerra permanente. Reivindicava-se, da forma mais sectária, a idéia da “missão predestinada” dos EUA de implantar a “democracias” pelo mundo agora, na ponta das baionetas, somado à promoção das doutrinas mais reacionárias na mídia, nas escolas, nas igrejas.
Por maior a ruptura que Obama pretendesse, um ou dois mandatos não seriam suficientes, tal o enraizamento que o pensamento conservador conseguiu na sociedade norte-americana. Pensemos que com tanta coisa a seu favor – apoio de menos de 10% de Bush, recessão econômica, problemas graves nas guerras do Iraque e do Afeganistão, apoio dos maiores jornais, de formadores de opinião importantes como Oprah, de Hollywood, com um desempenho muito bom na campanha – ainda assim Obama teve 52% contra 48 de McCain.
Vamos nos deter aqui no que pode mudar para nós, Brasil e América Latina. Como se vê pelas próprias declarações de Obama e da sra. Clinton, muitas posições conservadoras se cristalizaram nas posições norte-americanas, mais além do governo Bush. Se quer instalar também na política internacional a mudança que Obama prometeu e que o elegeu, ele teria que ir muito mais longe das tímidas medidas que promete.
Ter uma relação de diálogo com a América Latina e o Caribe é, antes de tudo, ter uma relação de reciprocidade. Cuba não coloca sequer a retirara da base naval de Guantanamo, nem tampouco a libertação dos 5 cubanos que faziam trabalho antiterrorista nos EUA e estão condenados a penas altíssimas, sem nenhuma justificativa, para normalizar as relações entre os dois países. Significa terminar unilateralmente o bloqueio norte-americano a Cuba, atitude unilateral e que tem quer terminada unilateralmente, com os dois países respeitando os regimes políticos escolhidos por cada um dos dois povos.
Reciprocidade significa também não se imiscuir nos assuntos internos de nenhum país do continente, seja ele Cuba, Venezuela, Bolívia, Equador, Brasil, Colômbia, México, Nicarágua, Paraguai e todos os outros – como questão de princípio. O continente não tolera mais a atitude de tutores, de que os embaixadores dos EUA têm tido em relação aos países do nosso continente e não estamos mais dispostos a aceitar isso. A expulsão recente do embaixador dos EUA da Bolívia foi resultado da interferência aberta e reiterada na política boliviana, reunindo-se e incitando a oposição golpista a seguir nesse caminho. A escandalosa tentativa de golpe contra Hugo Chavez, presidente legitimamente eleito e reconfirmado pelo voto do povo venezuelano, teve participação direta do governo dos EUA.
O tom das declarações agressivas contra a Venezuela, acusada de fomentar e financiar as FARC, sem nenhuma prova concreta, não augura uma atitude substancialmente diferente. Séculos de relação de cima para baixo, acreditando que encarnam a liberdade no mundo, que sempre têm razão – levam a uma postura petulante.
No caso da América Latina, devem tentar construir um bloco ideal de alianças, que lhes permita dividir o bloco progressista atual e tentar romper o isolamento em que se encontram seus aliados – México, Colômbia, Peru. Para isso necessitar desesperadamente tentar separar o Brasil do bloco de integração latinoamericana e buscar juntar o Chile. Uma tarefa muito difícil, mas de que depende o sucesso dos EUA na região.
A impressão que se tem é que Obama não tem a mínima idéia do que é a América Latina e menos ainda o que ela é hoje. Repete os chavões que os informes dos seus assessores lhe dizem. Uma viagem bastará para que se dê conta que as coisas não tão são simples como o primeiro encontro – com o presidente mexicano, Calderón - lhe pode fazer crer.
Bush vai embora sem ter entendido nada, isolado e derrotado. Aqui também a herança de Obama não é nada leve.
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