Ao completar um quarto de século, diante da nova conjuntura política posta pelo governo Lula, por um lado, e do fortalecimento do agronegócio, seu principal adversário, por outro, o movimento faz um balanço interno e externo dos desafios para os próximos anos.
Verena Glass
27 janeiro 2009/Agência Carta Maior http://www.cartamaior.com.br
Uma das mais longevas organizações sociais da história do país, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra completou 25 anos no último sábado, 24, numa conjuntura marcadamente complexa. Nascido das lutas contra o arcaísmo do latifúndio improdutivo, desde os primórdios o MST hasteou a bandeira da luta pela reforma agrária calcada na redistribuição da terra. E, reconhecidamente a principal mola impulsora deste processo, segundo seus cálculos conseguiu incluir, neste quarto de século, cerca de 700 mil famílias nas estatísticas da reforma agrária no Brasil, o que é considerado um saldo bastante positivo.
Diferente de outros movimentos reivindicatórios, porém, o MST, desde o nascimento, expandiu sua agenda para além da luta pelos meios de produção, alçando vôos mais amplos quanto à discussão de um novo paradigma civilizatório e de sociedade. Priorizando a educação formal e política de seus militantes, criou complexas redes de formação que incluem instituições próprias e do Estado (principalmente universidades públicas), e intercâmbios com organizações politicamente afinadas de outros países, o que transformou o movimento em um dos principais formuladores de um novo pensamento e de uma nova práxis política na esquerda nacional - apesar dos poucos avanços concretos no sentido da criação de uma frente coesa das forças progressistas.
Profundamente admirado por uns e odiado por outros por estas suas características, no decorrer dos últimos anos o MST se viu desafiado internamente a se adaptar às mudanças políticas e às ocorridas no campo. Surgido no início do processo de redemocratização do país, a recente ascensão do PT, aliado histórico, ao poder, e a forte investida do capital financeiro na agricultura, mudando a cara de um campo antes atrasado para um processo de agroindustrialização extremamente agressivo e eficiente, exigiram do movimento novas construções estratégicas. Sem receber do governo Lula o apoio esperado à Reforma Agrária, e diante da expansão de grandes latifúndios produtivos, comemorada por vários setores da esquerda como a modernização do rural brasileiro, a luta pela reforma agrária e pela construção de um modelo alternativo e socialista de sociedade tem exigido mudanças.
Este desafio pautou o 13º Encontro Nacional do MST, ocorrido no Rio Grande do Sul entre 20 e 23 de janeiro, juntamente com a comemoração dos 25 anos do movimento. O debate produziu algumas ponderações conceituais sobre o futuro das lutas do movimento:
Reforma Agrária
Diante da agressividade da agropecuária industrial, responsável pela deterioração ambiental, a exaustão e a contaminação dos recursos naturais e a commoditificação da produção agrícola, é preciso reforçar a reforma agrária como um instrumento de produção de alimentos saudáveis e baratos, argumento principal a ser utilizado na busca de apoio dos setores urbanos. Mais do que nunca, a reforma agrária terá que constar da agenda de um amplo leque de movimentos sociais para avançar.
- A atual crise econômica, que ja apresenta reflexos negativos no campo como demissões em empresas como as industrias de papel e celulose, cana e outras de grande porte, podem ajudar a sociedade a compreender a importância da reforma agrária como um dos mecanismos mais baratos e eficientes de geração de trabalho e renda. Pode também constituir um impulso para uma nova organização dos trabalhadores e a adesão do setor sindical à causa.
- Internamente, no entanto, é preciso ampliar o conceito de reforma agrária para além de um processo meramente econômico de produção e acesso a políticas públicas. A produção dos assentamentos é um tema a ser reforçado, tanto para que a militância alcance um nível satisfatório de qualidade de vida, quanto para que possa atender às demandas da população em geral. Mas, para além disso, os assentamentos deverão ser centros de convívio social e político que ofereçam cultura, formação e lazer e onde se gestione os modelos de luta e sociedade propostos pelo movimento.
- Não está pautada uma reforma agrária no estilo clássico, calcada apenas na redistribuição de terras, produtivista. A reforma agrária tem que discutir o solo como um todo, paradigmas tecnológicos e conservação ambiental, e terá que estar casada com as perspectivas de transformação social proposta pelo MST.
Socialismo
Um dos movimentos que mais discute a construção do socialismo, o MST tem buscado aprofundar as reflexões conceituais sobre o tema. Para isso, o movimento tem buscado discutir anteriormente os porquês e a necessidade real de mudar o sistema, para que a construção de ferramentas no movimento se dê de forma coletiva e compreendida.
- A partir da crescente mercantilização de todos os aspectos da vida, da exaustão dos recursos naturais, da precarização do trabalho, da remuneração por produtividade, da produção de um excedente cada vez maior da mão de obra, que desarticula a solidariedade de classes e a mobilização das lutas por direitos, entre outros fatores desagregadores e intrinsecamente predatórios do capitalismo, o socialismo se apresenta como a única forma viável de evitar a implosão social e ambiental do planeta.
- No entanto é muito difícil preestabelecer as relações desse novo socialismo. Mas um dos princípios é que os meios de produção e a tecnologia têm que ser colocados à disposição de toda a humanidade e pra atender ás necessidades humanas.
- Outro aspecto deste socialismo é que ninguém poderá explorar ninguém. Para isso, será preciso construir formas solidárias e cooperativadas de produção, gestão e prestação de serviço, aproveitando-se das modernas tecnologias que não agridam o meio ambiente. Mas o fundo é que os seres humanos não sejam explorados para sobreviver.
- O MST procura desenvolver experiências neste sentido. A cooperação é uma forma de resistência ao capitalismo, uma vez que é muito difícil competir com o grande agronegócio.
- A cooperação cria possibilidades de novas relações e uma nova consciência política. Pode-se criar na cooperativa espaços de lazer, arte, cultura, etc, pra além da produção e da mera sobrevivência. Produzir sim, inclusive excedentes, mas que a vida vá além disso. Este sistema deve elevar o nível de consciência sobre a interdependência humana.
- O MST não vai fazer socialismo numa ilha, não vai ser um grupo socialista. Entende que é preciso dialogar, a partir de experiências, com os setores urbanos e a sociedade em geral. Isso lhe permite não apenas discursar, mas demonstrar.
Alianças e disputa de poder
Entendendo-se como um movimento de massa que, além da pauta reivindicatória da reforma agrária e da estruturação produtiva e social de seus assentamentos, busca a construção de uma nova organização social e de um novo modelo de desenvolvimento ambientalmente sustentável e socialmente justo, o MST se coloca o desafio de trabalhar ativamente na disputa de concepções políticas na esquerda brasileira.
- De acordo com o movimento, a esquerda está muito fragmentada e historicamente separou a luta social da luta política, a luta política da luta de classes. Assim, entende que é preciso reverter este quadro, o que não significa, porém, virar um partido. O partido significa disputa eleitoral, fundamentalmente. Os movimentos são instrumentos da luta política, mas não podem se transformar em fim.
- O objetivo do MST é fazer a reforma agrária e a transformação social. O MST é um instrumento pra isso. A nova reforma agrária tem que estar casada com as perspectivas de transformação social. Assim, não vê, de imediato, a possibilidade de construção de um novo instrumento político que atinja um amplo setor da sociedade da classe trabalhadora sem fazer um balanço dos erros. Mas até que não se apresentem as condições para construir uma nova síntese política, é preciso trabalhar com o que existe.
- A partir de suas elaborações, o movimento buscará dialogar com outros setores sobre isso. Nenhum espaço tem força suficiente pra construir sozinho um novo partido, e o debate neste sentido será longo. No momento, o que tem disponível é a sua própria organização, com todas as suas contradições, e terá que dialogar a partir do que existe.
Estrategicamente, pretende fortalecer a Via Campesina, defender os demais movimentos do campo. Ou seja, o desafio do próximo período é fortalecer os movimentos aliados e o próprio MST, e não se deixar “engambelar por quem cobra movimento de resultados”.
- Para o MST, o movimento de resultados não é uma opção. Prova disso é que completou 25 anos porque conjugou as questões econômica e política, a formação ideológica e a educação. Os setores que estão querendo construir outro instrumento político estão trocando os pés pelas mãos. Mas o MST está dialogando com todos os segmentos: setores do PT, da CUT, os que deixaram estes espaços, os que não estão em lugar nenhum e não querem entrar em nenhum espaço. Ninguém tem verdade absoluta pra apresentar pra ninguém. Essa síntese ou é produzida coletivamente, ou não levará à superação do atual modelo.
Internacionalismo
O internacionalismo tem sido, historicamente, um dos aspectos mais importantes da atuação política do MST. Visto como um instrumento de caráter revolucionário e classista, não se confunde com a solidariedade assistencialista que muitas vezes perpassa as relações internacionais das organizações sociais. É, acima de tudo, uma luta frontal contra o capital e por isso tem caráter marcadamente antiimperialista.
- Há, decerto, um forte aspecto de solidariedade, mas que objetiva o apoio político às lutas sociais dos outros povos, bem como o apoio destes às lutas do MST, como a reforma agrária e o combate aos transgênicos, por exemplo.
- O internacionalismo do MST também se baseia no apoio a processos, como a revolução cubana ou a nicaraguense, a luta palestina, a luta contra o Apartheid, pela libertação do Timor Leste, e as lutas camponesas dos países latinoamericanos.
O grande passo dado nos últimos anos foi a criação de redes internacionais com capacidade real de intervenção em processos estratégicos,seja em âmbito nacional, seja junto a órgão multilaterais como a ONU e a OMC, como as assembléias da última em Seattle (1999) ou Cancun (2003). É a capacidade de fazer grandes mobilizações sociais nestes espaços.
- Uma segunda etapa do internacionalismo é o intercâmbio de formação e solidariedade com governos de outros Estados, como Nicarágua, Cuba e Venezuela. Isso incluiu processos de formação política na Nicaragua no passado e em Cuba (principalmente ensino superior de medicina) atualmente. Por outro lado, o MST também auxilia na formação técnica e agroecológica de agricultores da Venezuela, país que, por sua vez, tem investido em espaços de formação e produção de sementes no Brasil.
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