24 maio 2015, RedeCastorphoto http://redecastorphoto.blogspot.com
(Brasil)
22/5/2015,
Pepe Escobar*, Russia Today – RT
Traduzido
pelo pessoal da Vila Vudu
Começou em abril/2015, com uma
leva de acordos entre Argentina e Rússia, assinados durante a visita da
presidenta Cristina Kirchner a Moscou.
E continuou com um investimento de
US$ 53 bilhões, acertado enquanto o premiê chinês Li Keqiang visitava o Brasil,
na primeira parada de mais uma ofensiva comercial pela América do Sul – e
completado com uma doce metáfora: Li viajou num vagão fabricado na China, que
trafegará por uma nova linha de metrô no Rio de Janeiro que estará operante
para os Jogos Olímpicos de 2016.
Onde estão os EUA em tudo isso? Em
lugar algum. Não estão. Aos poucos, passo a passo, mas inexoravelmente, países
membros do grupo BRICS, a China e em menor medida também a Rússia – trabalharam
para, nada menos que, reestruturar o comércio e a infraestrutura por toda a
América Latina.
Incontáveis missões comerciais
chinesas abordaram essas praias, sem descanso, mais ou menos como os EUA
fizeram entre a Iª e a IIª Guerra Mundial. Numa reunião crucialmente importante
em janeiro, com empresários latino-americanos, o presidente Xi Jinping prometeu
encaminhar US$ 250 bilhões para
projetos de infraestrutura, nos próximos dez anos.
projetos de infraestrutura, nos próximos dez anos.
Grandes projetos de infraestrutura
na América Latina estão sendo financiados por capital chinês – exceto o porto
de Mariel, em Cuba, financiado pelo BNDES do Brasil, e cuja operação ficará a
cargo da operadora de portos PSA International Pte Ltd., de Cingapura. A
construção do Canal da Nicarágua – maior, mais largo e mais profundo que o do
Panamá – começou ano passado, por empresa construtora de Hong Kong, e deve
estar concluído em 2019. A Argentina,
por sua vez, obteve empréstimo de US$ 4,7 bilhões dos chineses, para construir
duas barragens hidrelétricas na Patagônia.
Entre os 35 acordos comerciais
firmados durante a visita de Li ao Brasil, estão um financiamento de US$ 7
bilhões para a gigante estatal brasileira do petróleo, Petrobras; foram
negociados 22 jatos comerciais da Embraer, comprados pela Tianjin Airlines por
US $1,3 bilhão; e vários outros acordos envolvendo a mineradora brasileira
Vale. Os investimentos chineses devem ir, de algum modo, para recuperação e
reparos do horrendo sistema brasileiro de rodovias, ferrovias e portos; os
aeroportos estão em melhor estado, porque foram recuperados antes da Copa do
Mundo de futebol, ano passado.
A estrela do show é
sem dúvida a mega ferrovia de 3.500 quilômetros de extensão, de US$
30 bilhões, prevista para ligar o porto de Santos no Brasil ao porto peruano de
Ilo, no Pacífico peruano, cortando a Amazônia. Logisticamente, é absoluta
necessidade para o Brasil, abrindo uma via até o Pacífico. Quem mais ganhará
serão inevitavelmente os produtores decommodities – de minério de
ferro a soja em grãos – que exportam para a Ásia,
A ferrovia Atlântico-Pacífico pode
ser projeto extremamente complexo – envolvendo questões de todo tipo, das
ambientais a questões de terras, até a preferência que tem de ser dada na
construção a firmas chinesas, sempre que os bancos chineses decidem sobre
estender suas linhas de crédito. Mas dessa vez está resolvido. Os suspeitos de
sempre estão – e o que mais poderiam estar? – preocupados.
De
olho na geopolítica
A política oficial do Brasil,
desde os anos Lula, tem sido atrair grandes investimentos chineses. China é o
principal parceiro comercial do Brasil, desde 2009; antes, foram os EUA. A
tendência começou com produção de alimentos, agora passa para investimentos em
portos e ferrovias, e o próximo estágio será transferência de tecnologia. O
Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS, e o Banco Asiático de Investimento em
Infraestrutura liderado pela China (BAII), do qual o Brasil é membro fundador
chave, fará, sem dúvida alguma, parte do mesmo quadro.
O problema é que essa massiva
interatuação comercial e de negócios, entre todos os BRICS se intercruza com
processo político dos mais complexos. As três grandes potências da América do
Sul – Brasil, Argentina e Venezuela – vêm enfrentando repetidas tentativas de
“desestabilização”, coisa dos suspeitos de sempre, que regularmente denunciam a
política externa das presidentas Dilma Rousseff e Cristina Kirchner e do presidente
Nicolas Maduro, enquanto os mesmos suspeitos de sempre continuam a ansiar pelos
bons velhos tempos quando esses países viviam sob dependência de Washington.
Com diferentes graus de
complexidade – e disputas internas – Brasília, Buenos Aires e Caracas estão
enfrentando simultaneamente complôs contra a ordem institucional. Os suspeitos
de sempre já nem tentam dissimular a distância diplomática quase total em que
estão, em relação aos Três Grandes sul-americanos.
Venezuela, sob sanções dos EUA, é
considerada ameaça à segurança nacional dos EUA – ideia que não presta nem como
piada ruim. Kirchner tem estado sob implacável assalto diplomático – para nem
falar dos fundos abutres norte-americanos que atacam a Argentina. E com
Brasília, as relações estão praticamente congeladas desde setembro de 2013,
quando Rousseff suspendeu visita que faria a Washington, como resposta a ações
de espionagem da Agência de Segurança Nacional dos EUA contra a Petrobras e
também contra a própria presidenta.
E tudo isso nos leva a uma questão
geoestratégica crucial – até aqui ainda não resolvida.
A Agência de Segurança Nacional
dos EUA pode ter vazado informação sensível com o objetivo de desestabilizar a
agenda de desenvolvimento do Brasil – que inclui, no caso da Petrobras, a
exploração das maiores reservas de depósitos de petróleo (o “pré-sal”)
encontradas até aqui, nesse jovem século XXI.
O que se está desenrolando é
absolutamente crucial, porque o Brasil é a segunda maior economia da (depois
dos EUA); é a maior potência comercial e financeira da América Latina; abriga o
ex-segundo maior banco de desenvolvimento do mundo, o BNDES, posto que agora
lhe foi tirado pelo banco dos BRICS; e também é sede da maior empresa da
América Latina, Petrobras, também das maiores gigantes mundiais de energia.
A pressão violentíssima que está
sendo feita contra a Petrobras parte essencialmente de acionistas
norte-americanos – que atuam como abutres, dedicados a fazer sangrar a empresa
e a arrancar lucros da hemorragia, aliados a lobbyistas que
abominam o status da Petrobras como exploradora prioritária dos depósitos do
pré-sal.
Em resumo, o Brasil é a maior
fronteira soberana que resiste contra a dominação hegemônica ilimitada das
Américas. É claro que o Império do Caos está incomodado.
Surfe
a onda continental
A parceria estratégica sempre em
transformação que liga as nações BRICS foi recebida em círculos de Washington
não só com incredulidade, mas com medo. É praticamente impossível para
Washington causar dano real à China. – Muito mais “fácil”, comparativamente se
atacar o Brasil ou a Rússia. Ainda que a ira de Washington concentre-se
essencialmente contra a China – que se atreveu a construir negócio após negócio
no antigo “quintal dos EUA”.
Mais uma vez, a estratégia dos
chineses – bem como dos russos – é manter a calma e exibir perfil de
“ganha-ganha”. Xi Jinping reuniu-se com Maduro em janeiro para fazer – e o mais
seria? – negócios. Reuniu-se com Cristina Kirchner em fevereiro para fazer o
mesmo, exatamente quando especuladores preparavam-se para lançar mais um ataque
contra o peso argentino. Agora, aí está a visita de Li à América do Sul.
Desnecessário dizer, os negócios
entre América do Sul e China só fazem crescer. Argentina exporta alimentos e
soja em grão; Brasil idem, e mais petróleo, minérios e madeira; Colômbia vende
petróleo e minérios; Peru e Chile, cobre e ferro; Venezuela vende petróleo;
Bolívia, minérios. China exporta principalmente produtos manufaturados de alto
valor agregado.
Desenvolvimento chave a observar é
o futuro imediato do Projeto Transul, proposto pela primeira vez numa
conferência dos BRICS, ano passado no Rio. Em resumo, é uma aliança estratégica
Brasil-China que conecta o desenvolvimento industrial brasileiro ao
fornecimento de metais para a China; a crescente demanda chinesa – estão
construindo nada menos que 30 megalópolis até 2030 – sendo suprida por
companhias brasileiras ou sino-brasileiras. Agora, afinal, Pequim apôs ao
projeto o seu selo de aprovação.
Por tudo isso, o Grande Quadro
permanece inexorável no longo prazo; as nações BRICS e sul-americanas – que
convergem na União das Nações Sul-Americanas, UNASUL – estão também apostando
numa ordem mundial multipolar, e num processo de independência continental.
Muito fácil ver o quanto tudo isso
está a oceanos de distância de uma Doutrina Monroe.
*Pepe
Escobar (1954)
é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica
exclusivamente em inglês. Mantém coluna no Asia Times Online; é também
analista de política de blogs e sites como: Sputinik, Tom Dispatch,
Information Clearing House, Red Voltaire e outros; é correspondente/
articulista das redes Russia Today, e Al-Jazeera. Seus artigos podem
ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu
e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
Nenhum comentário:
Postar um comentário