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de Maio, 2015, Jornal de Angola http://jornaldeangola.sapo.ao (Angola)
Cândido Bessa
Após mais de 20 anos de relações formais,
Angola e Equador decidem cooperar de forma mais estreita e com vantagens recíprocas.
O ministro das Relações Exteriores do Equador e Mobilidade Humana, Ricardo
Aroca, afirma que o seu país vê África como fundamental para a construção de um
mundo multipolar.
Por isso, decidiu abrir embaixadas em Angola, Nigéria, Argélia e Etiópia. O peso político de Angola e a sua influência no mundo fizeram com que fosse o primeiro dos quatro a receber uma embaixada, ainda este ano. Em entrevista ao Jornal de Angola, Ricardo Aroca diz ter “respeito e admiração particular pelo povo angolano, pela sua postura independentista, pela luta de Agostinho Neto, pelo trabalho de construção da unidade angolana pelo Presidente José Eduardo dos Santos”. Aborda o esforço para mudar a matriz produtiva do seu país, experiências que partilha com os angolanos, e considera a presença de Angola no Conselho de Segurança útil para fomentar a paz, o diálogo e a compreensão nas Nações Unidas. “Quando um país como Angola está nas Nações Unidas, sentimos que todos estamos bem representados, não só os africanos, mas todos nós”.
Jornal de Angola (JA) - O que muda nas relações entre Angola e Equador depois desta visita?
Ricardo Aroca (RA) - As nossas relações começaram em 1997. Durante mais de 20 anos foi apenas uma relação formal. Existia apenas no papel. Não havia visitas, nem concertação permanente para construir uma relação séria. Entendemos que é importante impulsionar as relações com África, por muitas razões, está a crescer de maneira consolidada nos últimos tempos e, politicamente, é fundamental para a construção de um mundo multipolar. Também temos população africana nos nossos países. O nosso desejo de diversificar a cooperação fez com que
JA - A que objectivos se refere?
RA - Por exemplo descobrir que valências existem num país que pode ser posto ao serviço de outro país. Angola é produtor de petróleo e tem grande experiência, principalmente na produção em offshore e nós não temos essa experiência. Gostávamos de aprender com Angola. E também na intervenção e mitigação de derrames no mar. Antes tínhamos uma relação apenas com a África do Sul e o Egipto. Agora tomamos a decisão de abrir representações diplomáticas em países africanos e seleccionamos quatro, pela sua importância a nível internacional, Angola, Nigéria, Argélia e Etiópia.
JA - Estes aspectos foram discutidos durante a sua visita?
RA - A nossa visita não foi apenas para acertar detalhes sobre a cooperação diplomática e comercial. Tem também carácter simbólico e cultural. Começámos por visitar o Mausoléu do Herói Agostinho Neto, de quem aprendi ainda na universidade o seu papel na luta para a independência de Angola e do continente. Foi importante ver de perto a sua obra, o seu compromisso político. Foi muito gratificante. Tivemos encontros com o ministro Georges Chikoti, com o secretário de Estado dos Petróleos, com a ministra do Comércio, do Ambiente, da Cultura e da Ciência e Tecnologia.
JA - O que transmitiu a estas entidades?
RA - Abordámos temas muito importantes. Nos últimos anos acumulámos muita experiência em políticas públicas de inclusão social para pessoas portadoras de deficiência, damos também muita importância à educação superior e à ciência e tecnologia. Estamos a criar dez universidades de nível mundial, no nosso país. Não temos muito dinheiro para oferecer a um país irmão, mas temos experiências positivas que deram muito bom resultado e que podemos partilhar.
JA - Que outros sectores escolheram para intercâmbio?
RA - Fizemos uma proposta para o ministro da Agricultura visitar o nosso país para conhecer a nossa experiência na produção agrícola. Angola tem terras e clima propícios para desenvolver a agricultura em grande escala e penso que podemos trocar experiências na produção de alguns produtos em que somos grandes exportadores. Identificámos os interesses e queremos aproveitar a Feira Internacional de Luanda, em Julho, para o nosso Ministério do Comércio Exterior e empresários terem contacto com os angolanos.
JA - Porque este interesse por Angola?
RA - O peso político que Angola tem no continente é de enorme importância. Como não temos capacidade para abrir representações diplomáticas em todo o continente, escolhemos os quatro que já citei e decidimos começar por Angola. Ainda este ano abrimos a embaixada em Angola e ficamos satisfeitos porque o Governo angolano manifestou interesse em abrir também a sua embaixada no Equador. Sentimos que podemos avançar em várias áreas. O Equador é a sede da União dos Países Latino Americanos, que inclui 12 países sul-americanos e este ano presidimos à Comunidade dos Estados Latino-Americanos, onde estão representados todos os países da América do Sul, Central e Caraíbas.
JA - De que forma estes factores podem ser vantajosos para a cooperação bilateral?
RA - Estamos a impulsionar um estreitamento das relações não só do Equador com os países africanos, mas de toda a região sul-americana com África. O Equador é a sede, no próximo ano, da reunião da ASA, que inclui os países da América do Sul e África e temos interesse que o Presidente José Eduardo dos Santos assista à reunião. Convidámos o Presidente de Angola para que, com a sua influência, convide outros Chefes de Estado para assistirem à reunião da ASA, porque é de enorme importância para o estreitamento das relações entre a América do Sul e África.
JA - Porque é que o Equador apoiou a candidatura de Angola ao Conselho de Segurança da ONU?
RA - Temos um respeito e uma admiração particular pelo povo angolano. A sua postura independentista e a posterior luta, a luta de Agostinho Neto, o trabalho de construção da unidade angolana pelo Presidente José Eduardo dos Santos são factores que nos merecem respeito. Por isso, consideramos que a presença de Angola no Conselho de Segurança é útil para o fomento da paz, do diálogo e da compreensão nas Nações Unidas. Quando um país como Angola está no Conselho de Segurança, sentimos que todos estamos bem representados, não só os africanos, mas todos nós.
JA - Partilha a posição de Angola quanto à reforma do Conselho de Segurança da ONU?
RA - Temos coincidências em relação às Nações Unidas e uma delas é particularmente a reforma do Conselho de Segurança. A visão do Equador é de que não devem ser apenas cinco representantes permanentes e os únicos com direito a veto. Isto é absolutamente injusto.
JA - E como seria?
RA - Depois da Segunda Guerra Mundial o planeta ficou dividido em vencedores e vencidos. Agora é diferente. O Conselho de Segurança deve ter representantes dos blocos mundiais. Por exemplo, um representante da União Africana, um representante dos países asiáticos, representante da União Europeia, dos Estados Unidos. Podíamos discutir a composição exacta, mas não como está hoje com os Estados Unidos, França, China, Reino Unido e Rússia como as únicas do mundo a mandar e os outros a obedecerem. É inadmissível estes países poderem fazer o que lhes apetece e os restantes terem de submeter-se. Isto é absolutamente antidemocrático.
JA - Como avalia os mecanismos actuais para encontrar a paz mundial?
RA - Na nossa conversa com o ministro Georges Chikoti falámos mais das questões bilaterais, mas não deixámos de abordar e partilhar as preocupações de Angola sobre os problemas da região, principalmente dos Grandes Lagos, e a aposta pelo diálogo que o país tem defendido. É preciso que as Nações Unidas compreendam o que se está a passar e não aplique sanções e outras medidas, sem antes conhecer o que se passa no terreno, porque desta maneira não contribui para o seu fortalecimento. Também não é justo que sejam os Estados Unidos a sancionar os outros países, como se fosse o seu Papado. Isso chega a ser antidemocrático.
JA - Como é que os acordos assinados podem impulsionar a cooperação?
RA - A partir de agora passamos a ter consultas permanentes, o que antes não acontecia. Vamos ter regularmente uma agenda de diálogo político. Não queremos que as relações entre os nossos países sejam apenas de comércio, de paternalismo, em que um dá e o outro recebe. Somos um país de rendimento médio, como Angola, ainda temos pobreza, mas avançamos em políticas económicas e sociais. Podemos partilhar as nossas políticas de inclusão social para aumentar a capacidade das pessoas. Queremos uma relação com benefícios mútuos.
JA - Depois da assinatura dos acordos, qual o passo a seguir?
RA - Vamos agora passar para a concretização, a começar pela abertura da Embaixada ainda este ano. Queremos dar corpo aos entendimentos. Em 2009 assinámos um acordo de entendimento no campo dos Petróleos e não avançamos muito, porque não havia mecanismos de seguimento. Temos pessoas a trabalhar cá e em Quito e elas são responsáveis pelo acompanhamento dos entendimentos alcançados.
JA - Há interesse de empresários do Equador investirem em Angola?
RA - Estamos a fazer essa aproximação. Vou reunir com a instituição que promove o comércio exterior e os empresários para convidá-los a participar na Feira de Luanda, de Julho, para estabelecerem contactos.
JA - O Equador também é um país produtor de petróleo tal como Angola. Qual o impacto da queda dos preços no mercado internacional na economia?
RA - Os progressos acumulados foram importantes para evitar um impacto negativo profundo na nossa economia.
JA - Mas qual foi o impacto na economia do Equador?
RA - O Equador cresceu de forma consolidada, nos últimos anos, conseguimos gerar justiça social e um mercado de classe média forte. A estabilidade política permitiu também controlar o peso da divida pública, que se situa em cerca de 30 por cento do nosso Produto Interno Bruto, não como os outros países onde chega aos 300 por cento ou mais. Equilibramos a balança de pagamentos e temos 32 instituições e países como opção de financiamento, o desemprego é baixo, não baixámos os salários e não precisámos de aumentar o preço da gasolina. Foi um impacto importante, que nos obrigou a reduzir alguns programas e obras. Não os que estão em marcha, mas novos projectos, porque os recursos são reduzidos. Mas todos os outros programas continuam.
JA - A diversificação da economia é um caminho?
RA - Sim. Temos uma política de transformação da matriz produtiva. Fazemos os possíveis para não dependermos muito do petróleo. As exportações deste produto representam 55 por cento das exportações totais. Estamos a desenvolver um modelo de industrialização para que os tempos de instabilidade dos mercados não nos afectem, quando um país ou região estiverem em crise. Diversificámos muito esta relação comercial, mas não é suficiente. Não basta diversificar o destino das exportações, mas também a oferta produtiva. Estamos numa campanha para incentivar o nosso empresariado a industrializar e a acrescentar valor agregado aos produtos agrícolas e pecuários que produz.
JA - E como fazer isso?
RA - A única maneira de caminharmos no futuro ante o desenvolvimento tecnológico permanente dos países mais avançados é investir no conhecimento, para não ficarmos atrasados. Queremos diversificar a matriz produtiva, mas também produzir conhecimento.
JA - Que passos concretos o Equador está dar neste sentido?
RA - Começou a funcionar, no ano passado, uma universidade de nível mundial para formar especialistas em ciências e inovação. Além disso, enviamos mais de dez mil estudantes para as melhores universidades do mundo para se formarem nas diversas áreas, principalmente nas ciências. Também já preparámos o ambiente para quando regressarem participarem no desenvolvimento do país. Não estamos apenas a transformar banana em puré, mas também tecnologia de energia limpa, medicamentos a partir do nosso laboratório na Amazónia Equatorial. Queremos também transformar o petróleo em mais produtos derivados.
JA - São estes aspectos que pretende partilhar com Angola?
RA - Sim. Falamos sobre estes aspectos e manifestámos abertura para que estudantes angolanos possam receber formação nas nossas universidades. Isso pode acontecer já no próximo ano. Para isso também serve o mecanismo sobre consultas políticas que acabamos de assinar.
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