quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Timor-Leste/“IV GOVERNO CONSTITUCIONAL” OU SOCIEDADE UNIPESSOAL (I) LIMITADA?

17 novembro 2009/timorlorosaenacao

Por Mari Alkatiri*

(Segunda Parte)

Falávamos das reformas de Xanana e já íamos no décimo acto. Prometemos continuar esta micro-cirurgia e, por isso, ainda temos mais algumas que marcaram estes pouco mais de dois anos de governação Xanana.

O décimo primeiro acto de reforma é a restrição dos direitos fundamentais dos cidadãos. Xanana Gusmão como Presidente da República transformou a Presidência no centro da dinamização da Sociedade Civil e dos Partidos da oposição. Fez da defesa dos direitos dos cidadãos o cavalo de batalha contra o I Governo Constitucional até ao limite do intolerável que foi em 2006 quando se colocou ao lado dos “peticionários” e dos insurrectos contra o Comando das F-FDTL e o Governo. (Ainda nos recordamos das declarações de “Já Ganhamos a Guerra” feitas em frente do Palácio do Governo diante dos manifestantes que espalhavam ódio e violência). Hoje, Xanana dá um volte-face, roda cento e oitenta graus e, escudando-se na teoria da segurança nacional, ameaça cidadãos em geral, intimida jornalistas, amedronta o povo, prolifera “bufos”, prende estudantes quando pacificamente se manifestaram no campus universitário, persegue políticos rivais com o seu aparato de inteligência e com a sua declaração “ami sei prende líder sira balu”, i e, “vamos prender alguns líderes”, ameaças que se vão tornando prática policial sempre que se verifica um mínimo gesto, um movimento social ou político de manifestação contra erros da sua governação. As Organizações da Sociedade Civil outrora muito activas, hoje, com raras e honrosas excepções, a maioria, porque recebem financiamento do “Governo”, preferem o silêncio, talvez a resistência passiva.

O décimo segundo acto de reforma realciona-se com a media. O “Governo” Xanana tudo tem feito para controlar a media. Controla totalmente a TVTL. Compra páginas de jornais, paga tempo de antena na Rádio e Televisão para espalhar propaganda de iniciativas sem consistência como a do arroz híbrido, de distribuição de tractores, ou de enxurradas de Memorandum de Entendimento sem qualquer consequência, assinados de cruz ou ainda de acordos e adjudicações feitas sem concurso público sobre projectos de investimento que nunca acontecem e que depois ficam nas gavetas (Exemplos: cem mil hectares para cana de açúcar, outros milhares de hectares para frutas, geradores a óleos pesados vs electricidade para todos a 30 de Agosto de 2009, gasoduto do Mar de Timor para Timor-Leste, Base de Apoio às actividades de exploração petrolífera no Mar de Timor, Produção de Bio-Fuel, etc. e etc., tudo mega-projectos comprados a vendedores de banha de cobra no mercado informal da região). Mas os órgãos de Comunicação Social, com algumas excepcões, fizeram eco de tudo isso, obedecendo à política de intoxicação definida e executada pelo “Governo” Xanana. O importante é continuar a fingir que algo está a ser feito.

Hoje, em pleno ano que ele próprio declarou ser de Infraestruturas, perante o fracasso nesta área, escuda-se na paz social e política como o sucesso da sua governação. Usando a media acusa a FRETILIN de só saber medir o progresso em quilómetros de estradas e pontes. Xanana sabe muito bem que se existe paz social e política porque existe uma FRETILLIN que embora injustiçada recusa a violência e demonstra grande sentido de Estado. Se Xanana estivesse na oposição ou como Presidente da República com a FRETILIN no Governo certamente que não teríamos nem paz, nem estabilidade social e política. Pelo menos assim foi no passado recente.

O décimo terceiro acto de reforma traduz-se na proibição de vida democrática pluripartidária nas eleições para Líderes comunitários. Xanana e os seus assosciados (sim, associados e não sócios) na Sociedade Unipessoal (i) Limitada que se auto-intitula de “IV Governo Constitucional” tudo fizeram para impedir que os resultados das eleições viessem a confirmar a ilegitimidade deles como “Governo”. Assim, através da revisão da Lei simplesmente proibiram a apresentação de candidatos por partidos politicos. Mas os resultados vieram e todos sabem o que eles acabam por demonstrar.

O décimo quarto acto de reforma reduz-se na privatização da descentralização administrativa baptizado com o nome “descentralização do sistema de aprovisionamento”[1].

Xanana disse que “após várias reuniões e discussões com o sector privado”[2] os empresários “estão encorajados com a possibilidade de participarem mais activamente no desenvolvimento do País e ávidos de maiores responsabilidades no processo de construção do Estado”[3]. Isto só (?) representa setenta milhões de dólares para serem gastos em dois ou três meses.

Como Xanana categoricamente afirma, o “Governo” decidiu fazer um “teste” multimilionário de “projectos de pequena dimensão para serem executados até ao final do ano”.[4]

O “teste” reduz-se no seguinte: O “Governo”, face à sua incapacidade de executar o projecto de construção de Central Eléctrica, reconhece no dizer do Xanana que “:deparamo-nos com a poupança de 70 milhões de dólares americanos, alocados a este projecto no ano financeiro de 2009”.[5]

Assim, o “Governo”, incapaz de executar um mega-projecto aprovado pelo Parlamento Nacional, rectifica, repito, rectifica ele próprio o Orçamento (sem aprovação do Parlamento como determina a Constituição) e inventa cerca de 700 pequenas obras (sim, obras e não projectos) a serem executadas em menos de três meses. Para dar cobertura legal aprova um Decreto-Lei que introduz um sistema de “aprovisionamento especial”. Este não é nada mais que abrir caminho para o governo se demitir de algumas das suas funções e responsabilidades entregando-as ao Sector Privado. Assim, a Associação Empresarial de Construção Civil e Obras Públicas é chamada para criar à golpe de marreta associações distritais e sub-distritais que “perante a lista de projectos entregues em cada distrito, responsabilizam-se pelo processo de adjudicação de forma transparente e justa em termos de distribuição”[6] (sublinhado é nosso). Não sabemos qual é o sentido aqui de transparente e justa uma vez que nenhum concurso público foi realizado por nenhuma entidade. Simplesmente se decidiu distribuir.

Na verdade, não existem projectos. A Sociedade Unipessoal (i) Limitada de Xanana Gusmão não tinha incluído nos seus sonhos para 2009, para serem reflectidos no Orçamento, projectos desta natureza. Colocado perante a não execução de um mega-projecto (hoje comprovadamente feito sobre os joelhos) o sonho transformou-se em pesadelo e Xanana levado mais uma vez pela sua intuição devoradora de recursos públicos como solução para todos os problemas fez a decisão de modo a evitar “carry over” (transportes de verbas). De uma forma irresponsável que chamou de “arrojado e inovador” recupera potenciais projectos para 2010 e distribui-os como prenda de Natal aos empresários em finais de 2009. Qualquer governante responsável teria preferido transportar este montante ou reorçamentá-lo para 2010. Como foi feito, o que vai acontecer é esbanjar recursos públicos com obras que, se existirem, não terão qualidade. Devoram-se assim setenta milhões de dólares em menos de três meses.

A opção de Xanana de responsabilizar o Sector Privado pela adjudicação de projectos de Obras Públicas é inaceitável pelo seguinte:

i. existe, à partida, um conflito de interesses.O Sector Privado, interessado em ter acesso aos projectos, é ele próprio responsável pela adjudicação e fiscalização.

Hoje já é corrente ouvir denúncias de que alguns “coordenadores” do “Pacote de Referendo” criaram empresas em nome de familiares ou amigos seus nos distritos e sub-distritos e adjudicaram obras aos mesmos. Outros ainda, residentes em Dili, mais informados, estabeleceram empresas nos seus Distritos de origem para benefeciarem dos projectos;

ii. É uma decisão impensada do “Governo”: O “governo”, sabendo-se incapaz de desenhar 700 projectos, com qualidade, num período de tempo de dois ou três meses e, não querendo assumir o fardo da não execução de um mega-projecto, demite-se das suas responsabilidades e transfere-as de uma forma irresponsável para o Sector Privado. Mais irresponsável ainda, diria mesmo, um crime, quando se sente no direito de fazer um “teste” com setenta milhões de dólares, transferindo este montante, ou pelo menos, os primeiros mais de trinta milhões de dólares para contas privadas, antes da execução das obras.

Tudo isso porque Xanana quer “projectos concretos…que beneficiem o sector privado…”[7] e que, como sempre, algumas migalhas chegarão às “populações a nível local em todo o País”.[8] É vontade do Xanana e, para os seus associados, é Lei. Cumpra-se.

Mais ridícula ainda quando Xanana considera a não execução de um mega-projecto como “poupança de setenta milhões de dólares americanos”.[9] Fica aqui patente a falta de entendimento do que um Orçamento de Estado significa. Não há poupança em termos de execução do Orçamento de Estado. Ou se sabe, previamente, desenhar um programa de qualidade e que seja exequível, incluí-lo no plano de acção anual, dotá-lo de verbas para o viabilizar, ou não. Mais ainda, ou se tem capacidade para executar ou não se tem. Quando nada disso acontece, o que existe é a não execução do plano, do programa, do projecto, em suma, do Orçamento.

O bom senso ensina-nos que os projectos multimilionários só podem aparecer depois de muito estudo prévio, depois de muita consulta multisectorial feita com muita transparência. Há que se ter em consideração todo o tipo de impacto – social, económico, cultural, ambiental, político. Tudo isto considerado garante a sustentabilidade do projecto. O que aconteceu foram secretismos. Tanto secretismo que certamente escondia muita fraqueza e falta de seriedade. Fazer o estudo depois de uma opção, à partida, desastrosa só prova que o “Governo” navega em águas turvas e, por isso, confunde tubarões com pacíficos golfinhos.

Falando de poupança sim temos (ainda temos, apesar da onda devoradora dos recursos públicos). A nossa poupança, como todos sabem, é o Fundo Petrolífero estabelecido pelo Primeiro Governo Constitucional.

O décimo quinto acto de reforma relaciona-se com a relação Governo/Parlamento Nacional. Qualquer Governo apoia-se na maioria que tem no Parlamento para poder garantir uma estabilidade governativa. O que não se admite é que o Governo torna as bancadas que o apoiam cúmplices das suas decisões inconstitucionais, ilegais e irresponsáveis.

O que tem acontecido é absolutamente inaceitável. Como Sociedade Unipessoal que é, o seu único sócio de nome Xanana faz as decisões e impõem-nas a todos os seus associados, particularmente os deputados da AMP. Aparece no Parlamento com mega-projectos de geradores obsoletos e obriga os deputados da AMP a defender o projecto e a votar a favor. No ano da execução do mesmo chega a conclusão que o projecto não serve, procura outras opções e mais uma vez, temos a certeza, que vai exigir dos deputados da AMP que se abstenham de fazer críticas e votem a favor. Um desrespeito por um Órgão de soberania com competência para legislar e fiscalizar as actividades do Governo. Um atentado à dignidade dos deputados.

O décimo sexto acto de reforma prende-se com a conversão da Administração Pública numa administração temporária. A Administração Pública converteu-se em centro de emprego (mas não de trabalho). De cerca de dezoito mil funcionários em 2007, temos hoje próximo dos quarenta mil. A maioria, admitida por este Governo, são funcionários temporários. Por isso, a Administração Pública tem, ela própria, o carácter de administração temporária. É uma engrenagem pesada, uma máquina parada.

Talvez por isso mesmo veio a parte caricata da reforma que é a limpeza geral às Sextas-Feiras. Limpeza das ruas, avenidas e praias de Dili, feita compulsiva e religiosamente pelos funcionários públicos com Xanana e Ramos-Horta a comandarem. Nunca faltou a cobertura feita pela TVTL para declarações de ocasião proferidas pelos grandes senhores da limpeza semanal. Sugerimos que a limpeza comece nos Ministérios e Secretarias de Estado em prol de uma função pública capaz e de uma instituição forte.

Não podemos falar das reformas sem mencionarmos a revisão da Lei Tributária. Perante o aumento de receitas petrolíferas o “Governo” decidiu adoptar uma nova Lei Tributária, convertendo Timor-Leste num quasi paraíso fiscal. Ao reduzir drásticamente os impostos o “Governo” acreditava que iria imediatamente baixar os preços e assim cumpriria uma das suas promessas eleitorais. Na verdade, o que temos assistido é o aumento dos preços de todo o tipo de produtos disponíveis no Mercado. O “Governo” não tem sido capaz de explicar este fenómeno. Actualmente, só o arroz para o consumo geral da população, porque é altamente subsidiado, é vendido a um preço acessível. Se retirarmos este produto dos nossos cálculos macro-económicos, não tenho dúvidas que a inflacção dispara para níveis muito superiores daquilo que oficialmente se apresenta.

(continua)

* Secretário Geral da FRETILIN e Primeiro-Ministro do Primeiro Governo Constitucional

[1] Xanana Gusmão, Carta endereçada ao Presidente do Parlamento nacional datada de 22 de Outubro de 2009 - [2] idem - [3] Xanana Gusmão, Carta endereçada ao Presidente do Parlamento Nacional datada de 22 de Outubro de 2009. - [4] Idem - [5] Idem - [6] idem - [7] idem - [8] idem - [9] idem.

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