quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Moçambique/Ajuda externa fragiliza autonomia de políticas

O aumento dos condicionalismos de acesso à ajuda externa tem vindo a baixar a capacidade dos países de definir as suas próprias prioridades, em termos de políticas, bem como a habilidade dos governos de uso dos recursos naturais disponíveis em prol de desenvolvimento. Esta posição foi defendida semana finda, em Maputo, por Paulo de Renzio, investigador do Departamento de Política e Relações Internacionais da Universidade de Oxford, na Inglaterra.

20 novembro 2009/Notícias

Nos últimos anos está a registar-se uma mudança significativa no paradigma da prestação da ajuda externa, no âmbito da Declaração de Paris de 2005 sobre a eficácia da ajuda. Ao abrigo desta declaração, os governos são encorajados a tomar “posse” das políticas de desenvolvimento e das actividades da ajuda de desenvolvimento dos seus países, estabelecer sistemas de coordenação dos doadores e aceitar apenas a ajuda que responda às suas necessidades.

Falando num seminário subordinado ao tema “dependentes e subservientes: experiência de oito países africanos na gestão da sua dependência de ajuda externa”, o orador disse que até meados da década de 1990 a ajuda externa foi caracterizada por uma proliferação de projectos, o que por um lado dificultava a gestão e, por outro, a prestação de contas em relação aos dinheiros gastos.

Considera-se dependente o país que não consegue desenvolver maior parte dos serviços básicos sem recorrer à ajuda externa, podendo tal ajuda ser em meios financeiros ou em técnicos qualificados, segundo o conceito apresentado no seminário.

A Universidade de Oxford, uma das mais prestigiadas instituições de ensino superior no mundo, fez um envolvendo um grupo de oito países africanos, incluindo Moçambique, sobre o nível de controlo dos governos na definição de políticas internas.

Tal pesquisa concluiu que maior parte dos países estudados perdeu, de alguma maneira, autonomia no que diz respeito à definição de prioridades de desenvolvimento, devido à influência dos países doadores e das agências internacionais que prestam apoio ao orçamento.

Segundo Paulo de Renzio, o que acontece é que desde a década de 1990, os doadores passaram a impor condições, além das políticas económicas em várias áreas, na tentativa de transformar os sistemas político-administrativos dos países beneficiários da ajuda externa.

O estudo refere ainda que no início do presente século, a iniciativa para os Países Pobres Altamente Endividados (HIPC) e os Documentos de Estratégia de Redução da Pobreza que a acompanham alargaram a condição dos doadores aos processos de elaboração de políticas governamentais.

Os países em desenvolvimento funcionam como uma espécie de centros de experimentação de políticas de desenvolvimento, sendo que não raras vezes tais experiências acabam prejudicando a economia.

“As estruturas estatais dos países africanos (muitas das quais já em fracas condições ficaram ainda mais enfraquecidas pelo processo, assim como ficaram enfraquecidas as capacidades governamentais de planificar e desenvolver estratégias coerentes de desenvolvimento nacional”, considera a pesquisa, discutida em Maputo por académicos e membros de organização da sociedade civil moçambicana.

Moçambique, segundo aquele académico da Universidade de Oxford, tem conseguido resistir à pressão das instituições da Bretton Woods, nomeadamente o Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional (FMI) e outras agências de desenvolvimento internacional, as quais tentam impor a trasaccionabilidade da terra, considerando que esta é única alternativa viável para atrair investimento estrangeiro para o sector da agricultura.

Os defensores da política de privatização argumentam que enquanto a terra continuar propriedade do Estado, tal como rege a Constituição da República de Moçambique, os investidores não se sentem encorajados a aplicar o seu dinheiro para a prática da agricultura, temendo que Estado possa reaver o espaço a qualquer momento.

Todavia, prossegue Paulo de Renzio, o mesmo governo moçambicano não conseguiu evitar a liberalização da exportação da castanha de caju em bruto, facto que acabou resultando no descalabro total da indústria nacional por falta de matéria-prima. Ou seja, o executivo não foi capaz de salvaguardar a provisão de um mínimo de matérias-primas para um sector que estava a recuperar-se da destruição provocada pela guerra.

A perda do poder de decisão dos países dependes de ajuda externa foi discutida também pelo economista moçambicano Carlos Nuno Castel-Branco, quem entende que em Moçambique, por exemplo, já existe alguma capacidade, em termos de recursos humanos qualificados, não só para definir políticas internas, como também para questionar as condições alegadamente impostas pelos doadores.

Para Castel-Branco, que é director do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), o que acontece é que a alocação de quadros às instituições do Estado obedece a critérios subjectivos, tendo apontado o Banco Central como sendo exemplo de instituição tecnicamente mais apetrechada, em contraposição com o Ministério das Finanças.

Falando especificamente do caju, Castel-Branco advoga que se por um lado é verdade que o Banco Mundial impôs a liberalização das exportações em bruto, prejudicando a indústria nacional, por outro é também verdade que em Moçambique não havia na altura uma estratégia clara para a recuperação pós-guerra da indústria.

Castel-Branco disse ainda que no caso do sector de caju, o Governo cedeu à pressão de uma das partes do processo, por sinal a mais forte – o sector comercial o único que detinha capital, perante um ramo industrial fragilizada pela guerra e sem coesão suficiente para fazer valer os seus ideais.

Sobre a não venda da terra, o director do IESE considera que a terra não está a ser vendida apenas por motivos políticos impostas por lei, mas na prática está acontecer aquilo que o Governo tentou evitar, tendo em conta os vários anúncios que têm vindo a ser publicados na comunicação social dentro e fora do país sobre a disponibilidade, em Moçambique, de espaços para serem transaccionados.

Entretanto, alguns participantes ao seminário teceram algumas críticas ao estudo produzido pelos investigadores da Universidade de Oxford, considerando que a pesquisa ataca mais as consequências e não as causas do problema da dependência da ajuda externa ao desenvolvimento.

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África tem condições para negociar ajuda

20 novembro 2009/Notícias

Um número maior de observadores em países africanos tem identificado uma falha no pensamento sobre o desenvolvimento entre os doadores e oportunidades no ambiente económico e ideológico para os governos africanos levarem a cabo estratégias mais agressivas sobre negociação de ajuda nos seus próprios termos.

De acordo com o estudo, alguns doadores como o Banco Mundial reconhecem que os países africanos necessitam de crescimento para criar empregos, o que refere mais do que uma boa política de investimento, redes de apoio e gastos sociais.

“Foi uma mudança da realidade económica que levou muitos países africanos a uma situação de dependência da ajuda e, por isso se pode esperar que mudanças económicas positivas coloquem os governos africanos numa melhor posição de quebrar o circulo vicioso de dependência da ajuda e fraca posse”, lê-se no estudo, cujo resumo tivemos acesso.

Os académicos da Universidade de Oxford entendem que é chegado o momento oportuno para adoptar estratégias mais confiantes nas negociações sobre a ajuda e reconquistar o controlo das políticas de desenvolvimento.

“Será que os governos africanos conseguirão agir (de forma suficientemente rápida) de maneira a fazer uso das mudanças nas condições da sua capacidade? Mesmo que o façam, continuarão a ter que enfrentar desafios internos importantes”.

No grupo dos oito países estudados apenas três, nomeadamente Botswana, Etiópia e Ruanda é têm condições relativamente mais favoráveis de negociação da ajuda externa, tendo sido capazes de usar a sua situação de forma mais eficaz para aumentar o controlo sobre os resultados das negociações.

O Botswana e a Etiópia conseguiram evitar os problemas da dívida e as crises macro-económicas da década de 1980. O primeiro país seguiu uma linha de prudência nas suas políticas macroeconómicas e usou os lucros da venda de diamantes de forma conservadora a nível fiscal. O Governo etíope não contraiu dívidas com os países Ocidentais (porque não podia) e conseguiu manter uma taxa de câmbio para a sua moeda.

Galvanizar o apoio dentro dos ministérios e conseguir apoio dos líderes políticos de forma a apresentar uma frente mais unida em relação aos doadores durante o processo de negociação da ajuda, constitui, segundo o estudo, uma alternativa para a recuperação do poder de decisão dos governos africanos.

Quer o Botswana quer a Etiópia, se quiserem manter o seu poder de decisão face aos condicionalismos da ajuda externa terão que enfatizar a diversificação económica de forma a reduzir a dependência excessiva de algumas fontes de receitas e promover as exportações para aumentar os ganhos em divisas.

Segundo o estudo, aqueles dois países terão igualmente que promover o investimento público, especialmente em infra-estruturas, e o investimento privado incluindo o estrangeiro atraído do mercado regional.

Criar fundos de reservas através de excedentes orçamentais e acumular reservas de divisas constitui outra estratégia avançadas pelo estudo para manter o poder de decisão.

Os governos devem recusar ajuda externa que não tome em conta as prioridades nacionais e o apoio para projectos e políticas que não se mostrem sustentáveis usando recursos nacionais.

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