11 novembro 2016, Conselho Indigenista
Missionário-CIMI http://www.cimi.org.br (Brasil)
por Tiago Miotto (DF)
Durante uma semana de muita mobilização, os
povos indígenas foram surpreendidos nesta quinta (10) pela nomeação do coronel
reformado do Exército Renato Vida Sant’Anna para a coordenação regional da
Funai em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. Além de militar,
Sant'Anna é fazendeiro e sua nomeação foi apoiada pelos ruralistas do estado,
onde há uma das situações mais agudas de violência contra indígenas por parte
de fazendeiros e suas milícias.
Ainda na tarde de ontem, indígenas do povo Terena ocuparam a sede da
Funai em Campo Grande, responsável pelo atendimento das terras indígenas Água Limpa, Buriti,
Buritizinho, Cachoeirinha, Guató, Kadiwéu, Lalima, Limão Verde, Nioaque, Nossa
Senhora de Fátima, Ofayé-Xavante, Pilad Rebuá e Taunay/Ipegue.
Na tarde desta sexta (11), lideranças dos
povos Avá Canoeiro, Krahô, Xerente e Apinayé, do Tocantins, Aikana, Cassupá,
Puruburá, Migueleno, Kujubin, Wayoro, Sakyrabiat, Karitiana,
Mamaidê-Nambikuara, Uru Eo, Guarasugne, Cabixi e Kwaza, de Rondônia, e Guarani
Kaiowa, Guarani Nhandeva, Terena e Kinikinau, do Mato Grosso do Sul, entregaram
uma carta direcionada ao
Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, repudiando a
militarização da Funai e exigindo a imediata revogação da medida que nomeou o
coronel Sant'Anna e a recondução do coordenador anterior.
No documento, entregue durante um ato em
frente ao Ministério da Justiça (MJ), em Brasília, os indígenas afirmam que a
nomeação do coronel “é uma afronta à memória genocida de nossos povos”.
“Se não bastasse essa realidade de
militarização genocida, o nomeado é flagrantemente um RURALISTA, comemorado
pelas entidades de Classe no Mato Grosso do Sul, e isto é INADMISSÍVEL E
INTOLERÁVEL. Trata-se de uma grave violência ética contra o sangue derramado de
nossos povos em conflitos Brasil afora”, continua a carta, criticando a nova tentativa de militarização da Funai no
contexto do governo Temer.
Apesar de atingir mais diretamente os povos
Ofaié, Kadiwéu, Kinikinau, Guató e Terena, atendidos pela coordenação regional
de Campo Grande, a medida causou indignação entre povos indígenas do Brasil
inteiro, tanto pela perspectiva da militarização quanto pelo método do governo,
que alterou uma coordenação da Funai em uma região sensível sem consultar e nem
sequer comunicar aos indígenas. “Chega de tutela, chega de autoritarismo”,
criticam as lideranças na carta.
Uma cópia do documento protocolado no MJ
foi também entregue, em mãos, ao oficial de assuntos políticos do Escritório
dos Assessores Especiais da ONU sobre a Prevenção do Genocídio e a
Responsabilidade de Proteger, Davide Zaru (foto abaixo).
Carta na íntegra:
MANIFESTO DE REPÚDIO DO POVOS INDÍGENAS
DIANTE DA MILITARIZAÇÃO DA FUNAI
ATRAVÉS DA NOMEAÇÃO DO CORONEL RENATO VIDAL
SANT’ANNA PARA A CTL DE CAMPO GRANDE EM MATO GROSSO DO SUL.
Ao Sr. Alexandre de Morais.
Ministro de Estado da Justiça e Cidadania
Caro Senhor Ministro da Justiça;
Nós lideranças dos povos indígenas
presentes em RO, TO e MS: Guarani Kaiowa, Guarani Nhandeva, Terena, Kinikinau,
Avá Canoeiro, Krahô, Xerente, Apinayé, Aikana, Cassupá, Puruburá, Migueleno,
Kujubin, Wayoro, Sakyrabiat, Karitiana, Mamaidê-Nambikuara, Uru Eo, Guarasugne,
Cabixi e Kwaza queremos afirmar categoricamente que NÃO ACEITAREMOS A
MILITARIZAÇÃO DA FUNAI.
A nomeação do Coronel do Exército Sr.
Renato Vidal Sant’ana para a CTL de Campo Grande em Mato Grosso do Sul, é uma
afronta a memória genocida de nossos povos. Os militares, em especial no
período da ditadura civil-militar, estão ligados diretamente à uma série de
casos terríveis de repressão, de deslocamentos forçados de nossas comunidades,
de indígenas torturados, assassinados e esbulho territorial. Os coronéis na
Funai promoveram ingerências em nossos modos de vida, que até hoje colhemos os
impactos negativos desta atuação.
Se não bastasse essa realidade de
militarização genocida, o nomeado é flagrantemente um RURALISTA, comemorado
pelas entidades de Classe no Mato Grosso do Sul, e isto é INADMISSÍVEL E
INTOLERÁVEL. Trata-se de uma grave violência ética contra o sangue derramado de
nossos povos em conflitos Brasil afora.
Não aceitaremos que o órgão indigenista
oficial seja aparelhado por NENHUM OUTRO GESTOR RURALISTA, MILITAR, REACIONÁRIO
OU FUNDAMENTALISTA que represente qualquer segmento historicamente ligado a
quaisquer mecanismos de repressão.
A nomeação sem qualquer tipo de Consulta,
não só viola o respeito a nossa autodeterminação, mas fundamentalmente o
reconhecimento constitucional de nossos modos de vida e principalmente o
Direito de consulta ao Povos indígenas em temas que lhes afetam. Chega de
TUTELA, Chega de AUTORITARISMO.
Exigimos a IMEDIATA revogação da Nomeação e
RECONDUÇAO DO ATUAL COORDENADOR REGIONAL DA CTL EM CAMPO GRANDE.
Conclamamos patrícios e parentes de todo o
Brasil em resistir de forma unitária e permanente a estas imposições e
desrespeito do Governo Temer.
URL deste documento:
http://cimi.org.br/pub/doc/2016-11-11_manifesto-contra-militarizacao-da-funai.pdf
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