terça-feira, 26 de outubro de 2010

CIÊNCIA CUBANO-BRASILEIRA PARA A ÁFRICA

25 outubro 2010/Vermelho http://www.vermelho.org.br


A cada temporada seca, de dezembro a junho, em cerca de 20 países da África subsaariana aumenta o risco de focos de meningite, mortal em muitos casos, apesar de ser possível evitar a doença com uma oportuna vacina.


Por Patrícia Grogg, na agência IPS

Nana Diallo, de 45 anos, sempre que pode, vacina seus filhos. “É uma das doenças das quais tenho mais medo, já que, em lugar de matar, deixa a pessoa infectada incapacitada, cega ou muda”, disse à IPS esta vendedora de especiarias do mercado de Mozola, em Bamako, capital de Mali. Seus filhos foram imunizados com algumas das 1,94 milhão de vacinas que chegaram em 2007 a esse país, produzidas especialmente em laboratórios de Cuba e do Brasil.

A meningite meningocócica é uma infecção bacteriana da membrana que envolve o cérebro e a medula espinhal. Pode causar danos cerebrais severos e é mortal em 50% dos casos não tratados com antibióticos. As condições climáticas da época seca favorecem a epidemia, assim com a pobreza, um estado imunológico precário, ambientes lotados e constante trânsito humano, disse à IPS por telefone, de Genebra, o especialista Alejandro Costa, da Organização Mundial da Saúde (OMS). Quando os focos surgem, são necessárias vacinas para enfrentá-los. Porém, com a epidemia se centra em uma zona muito pobre do mundo, os grandes laboratórios farmacêuticos têm poucos incentivos para atender essa demanda.

Em meados de 2006, a OMS foi obrigada a lançar um SOS para a produção da vacina polisacárida contra os serogrupos A e C para o “cinturão da meningite”, uma faixa que se estende por 23 países africanos, do Senegal, no oeste, até a Etiópia, no leste, onde vivem 430 milhões de pessoas. A empresa Sanofi Pasteur, então única fabricante da vacina, planejava parar a produção, embora só a tenha reduzido, explicou Alejandro, cientista especializado na OMS sobre as existências internacionais de vacinas para resposta a epidemias.

Ao chamado da OMS, duas entidades públicas, o Instituto Finlay, de Cuba, e o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), do Brasil uniram-se e começaram a produzir a Men AC. Esta colaboração teve sucesso devido à vontade política dos dois países e porque já existia uma infraestrutura de trabalho entre a biotecnologia cubana e a estatal Fiocruz, à qual pertence a Bio-Manguinhos, disse à IPS o vice-presidente de produção do Finlay, Ramón Barberá. “Foi a vitória da unidade. Parece que os brasileiros se sentem muito orgulhosos deste trabalho e de fazê-lo com Cuba”, acrescentou.

O Instituto Finlay produz os princípios ativos e os envia ao Brasil, onde é completado o processo industrial que inclui preenchimento, liofilização (dissecação a vácuo a muito baixas temperaturas), embalagem, rotulagem e controle de qualidade.
Para isto, o Finlay remodelou e equipou com investimento próprio uma nova unidade de produção de vacinas de acordo com o padrão de fabricação atual, que inaugurou no final de 2008. Esta associação, “baseada no compromisso das duas instituições com a saúde pública”, permitiu viabilizar em tempo recorde o abastecimento com preços de acordo com a realidade da região, afirmou à IPS a assessora de produção da Bio-Manguinhos, Elaine Maria Teles.

O preço da Men AC polisacárida de Cuba e Brasil gira em torno de US$ 0,95, enquanto a polisacárida que protege dos serogrupos A, C, W135 e Y, fabricada por laboratórios multinacionais, custa entre US$ 15 e US$ 20. Foram entregues mais de 11,5 milhões de vacinas Men AC, com previsão de chegar a quase 15 milhões até o final deste ano. Entre 2007 e 2009, as maiores remessas foram destinadas a Mali, Etiópia, Burkina Faso, Nigéria, Níger e Chade, segundo documentos da Bio-Manguinhos. As vacinas são adquiridas pela própria OMS, pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), pela organização Médicos Sem Fronteiras, e pela Cruz Vermelha Internacional. Além disso, cada país compra algumas quantidades, segundo os recursos que possui.

No cinturão da meningite a situação epidemiológica é recorrente, disse Alejandro. A cada três ou quatro anos acontecem grandes epidemias, com 50 mil a 80 mil casos, seguidas de outros tantos anos de baixa atividade. Em 2009, 14 países africanos que aplicaram uma vigilância mais rígida registraram 78.416 casos e 4.053 mortes. Nestes dez meses de 2010, foram registrados menos casos do que no ano passado, porém, a mortalidade é maior. Entre 5 de julho e 1º de agosto, a OMS registrou 275 casos e 21 mortes em 14 países.

“Estamos realmente agradecidos pelo esforço de Brasil e Cuba, que responderam de maneira extraordinária. Esta cooperação Sul-Sul tem pouquíssimos antecedentes de sucesso”, afirmou Alejandro. “Em pouco tempo, foi produzida uma vacina de custo mais baixo, que ajudou atenuar os casos de meningite”, ressaltou. Para ele, medir o impacto desta vacina polisacárida não é fácil, porque se aplica em campanhas reativas, em meio a uma epidemia e que não cobrem toda a população. Além disso, estas vacinas protegem apenas por dois ou três anos e não podem ser aplicadas em menores de dois anos de idade.

O pessoal da Finlay agora trabalha para incluir a antimeningocócica W135 em uma vacina trivalente que espera ter pronta até abril, a um preço que permitirá à OMS ir substituindo as vacinas AC por uma que proteja contra os três serogrupos de maior incidência na região. “Não estamos em uma situação totalmente desesperadora, mas existe uma epidemia e a maioria dos casos é causada pelo serogrupo W135, e não temos vacinas suficientes”, alertou Alejandro. A empresa GlaxoSmithKline deixou de produzir esta trivalente, recordou. “O ideal seria que a ACW135 estivesse pronta um pouco antes, em fevereiro, porque as epidemias começam em janeiro”, acrescentou.

Alejandro acredita que o “desafio” da aliança cubano-brasileira é encontrar uma vacina do tipo conjugada, que combine o antígeno polisacárido com uma proteína de um agente toxóide, conseguindo imunização no longo prazo. Aplicada a toda a população em um programa sanitário de rotina, poderia acabar com a epidemia. “Trabalhamos com o Finlay para uma conjugada ACW125”, disse Alejandro. O vice-presidente comercial do Instituto, Francisco Domínguez, confirmou à IPS que “estamos trabalhando nas vacinas conjugadas dos diferentes serogrupos”.

O mercado mundial oferece a tetravalente conjugada (A, C, W135 e Y) da Sanofi Pasteur, autorizada apenas para pessoas entre 11 e 25 anos, e outra registrada recentemente pela gigante Novartis. As três doses necessárias para uma pessoa custam cerca de US$ 300, disse Alejandro. Enquanto isso, em setembro começarão as campanhas-piloto em Mali, Níger e Burkina Faso de uma vacina conjugada A, da MenAfriVac, desenvolvida por um laboratório indiano. (Fonte: Envolverde)

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