4 novembro 2014, Pátria Latina
http://www.patrialatina.com.br (Brasil)
Bryan MacDonald*, Russia Today
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Governantes dos BRICS e convidados na reunião
de Fortaleza em julho de 2014)
Putin falou da necessidade de uma “nova ordem mundial”, com o
objetivo de estabilizar o planeta. Para ele, os EUA já abusaram demais, no
papel de líder global. O que pouco se noticia, contudo, é que os pilares que
sustentavam aquela velha ordem vêm ruindo há anos.
Antes, era tudo tão simples! O mundo estava dividido em dois
campos: o ocidente e o resto. E o Oeste, o ocidente, era de fato o melhor. Há
20 anos, seis das maiores economias do planeta estavam integradas ao mundo
pró-Washington.
O líder, os próprios EUA, estavam tão à frente, que o PIB, ali, era
mais de quatro vezes maior que o da China e nove vezes maior que o da Rússia.
O país mais populoso do mundo, a Índia, tinha quase a mesma renda
bruta que os comparativamente minúsculos Itália e Reino Unido. Qualquer noção
de que a ordem mundial mudaria tão dramaticamente em apenas duas décadas soava
como piada.
A percepção ocidental era que China e Índia eram atrasadas e se
passaria um século antes que
se tornassem concorrentes. A Rússia era vista como
uma espécie de lata de lixo, de cócoras e governada pelo caos. Nos anos 1990s,
boa parte disso tudo, sim, fazia algum sentido.
Aqui, um resumo da economia mundial, nos anos 1990s e hoje:
Maiores Economias, pelo
PIB, ajustado por paridade do poder de compra (PPC)
Fonte: Banco Mundial
1995 (PIB em bilhões de USD)
|
2015 (PIB
estimado
pelo FMI) |
EUA
7,664
|
China
19,230
|
Japão 2,880
|
EUA 18,287
|
China
1,838
|
Índia
7,883
|
Alemanha
1,804
|
Japão
4,917
|
França
1,236
|
Alemanha
3,742
|
Itália
1,178
|
Rússia
3,643
|
Reino
Unido 1,161
|
Brasil
3,173
|
Índia
1,105
|
Indonésia
2,744
|
Brasil
1,031
|
França
2,659
|
Rússia 955
|
Reino
Unidos 2,547
|
Crepúsculo dos EUA
Hoje, a piada é o ocidente. O Fundo Monetário Internacional (FMI)
estima que, em 2015, quatro das principais economias do mundo estarão incluídas
no grupo hoje conhecido como BRIC: Brasil, Rússia, Índia e China. A China
substituirá os EUA como lobo guia da matilha. Pode até já ter acontecido: os
números da economia sempre aparecem depois dos fatos da economia.
A Itália, a doente da Europa, já saiu dos “10 mais”; e o Reino
Unido mal se mantém pendurado, por mais que Londres continue a ser promovida
como poderoso centro financeiro. Só criancinhas, na Inglaterra, ainda creem
nisso. O Reino Unido está convertido numa Julie Andrews da geopolítica –
estrela que se vai apagando, depois de ter luzido com tanto brilho. A França é
impotente, saltando de crise em crise, sempre com novas trapalhadas, até voltar
a mergulhar em nova crise.
Ainda é cedo para descartar completamente os EUA. O império não se
acabará assim, do dia para a noite, mas o sol já está bem baixo no horizonte. É
menos culpa dos EUA e, mais, resultado da perda de importância relativa de seus
tradicionais aliados.
De fato, os únicos aliados dos EUA que ainda se seguram são
Alemanha e Japão – nenhum dos quais é ator militar importante. Grã-Bretanha e
França foram, por muito tempo, fornecedoras da carga pesada para aventuras
marciais. Verdade é que a Alemanha não é parceira lá muito entusiasmada, porque
grande parte da classe política em Berlim tem sérias dúvidas quanto ao poderio
dos EUA. Muitos, na intelligentsia alemã, sentem que seu aliado
natural é Moscou, não Washington.
O crescimento na importância dos BRICs e de outros países
emergentes têm implicações imensas sobre o consumo, os negócios e os
investimentos globais. Em 2020, pelas estimativas do FMI, a economia russa já
terá ultrapassado a alemã, e a Índia terá deslocado, do quadro, o Japão. O
mesmo FMI também prevê redução na fatia global dos EUA, de 23,7% em 2000, para
16% em 2020. Em 1960, os EUA representavam 38,7% da economia mundial. A China,
por sua vez, mal chegava a 1,6%; no final dessa década, a China já terá chegado
a 20%. O mundo não conhece mudança tão forte, em prazo tão relativamente curto.
A importância da estabilidade
O discurso de Putin no Valdai Club [em ing., no blog do Saker; (NTs)] não foi estocada no escuro. Vê-se ali compreensão nuançada
sobre onde está o equilíbrio global hoje e em que direção andará nos próximos
anos. A hegemonia dos EUA sempre se baseou no fato de que, com os seus aliados,
os EUA controlavam o cerne do comércio global, além de sempre empunharem um
gordo porrete militar. Isso, hoje, é história.
Mas a imprensa-empresa ocidental, em vez de aprofundar a discussão
proposta por Putin, pôs-se a chutar as canelas do artista, em vez de chutar a
bola. Muitas colunas apresentaram o discurso como “diatribe” e assumiram que
Putin só teria focado a política exterior dos EUA, que, na opinião dele, seria
anti-Rússia [1]. Nada mais longe do que realmente importa.
A preocupação de Putin é reencontrar e manter a estabilidade e a
previsibilidade, exatamente a antítese do neoliberalismo ocidental moderno. Na
verdade, a posição de Putin aproxima-se mais de outras visões para promover a
ordem mundial, que brotaram da União Democrática Cristã [al. CDU]
de Konrad Adenauer na Alemanha e dos Tories britânicos de Harold Macmillan
– do conservadorismo europeu clássico.
Putin é quase sempre mal compreendido no ocidente. Suas declarações
públicas, orientadas sempre mais para a audiência doméstica que para a grande
vitrine internacional, não raro soam agressivas, quase chauvinistas. Mas os
observadores bem fariam se não esquecessem que Putin é grande-mestre de judô,
cujos movimentos são calculados para confundir e desequilibrar o adversário. Se
se leem as entrelinhas, o presidente russo está interessado em engajamento, não
em isolamento.
O presidente da Rússia vê seu país como parte de uma nova
alternativa internacional, unido a outros países BRICs, para conter, onde seja
possível, a agressão pelos EUA. Para Putin, conter a agressão norte-americana é
necessário, para chegarmos à estabilidade mundial. Adenauer e MacMillan teriam
compreendido exatamente isso, imediatamente. Mas líderes europeus e
norte-americanos contemporâneos já não entendem nada. Embriagados pela
dominação que exerceram durante os últimos 20 anos, ainda não lhes caiu a
ficha, de que a ordem global já está em mudança e mudando rapidamente.
O modo como os EUA reajam à nova realidade é elemento vital do
processo. Em dinâmica própria das histórias em quadrinho, o discurso de
Washington só sabe focar a Agência de Segurança Nacional, correria de espiões
para lá e para cá, governos “sombra”, um patético, desentendido 4º estado,
aquela gigantesca força militar jamais usada produtivamente para nada e
ninguém, e um crescente, aterrorizante nacionalismo.
Tanta imbecilidade juvenil-adolescente não vive sem um bandidão
para chamar de seu. Em dez anos, o bandidão oficial dos EUA já passou de Bin
Laden para Saddam; das batatas fritas na cafeteria do Congresso, para a russofobia. Se a elite
norte-americana mantiver esse mesmo comportamento, a transição para um mundo
multipolar pode não ser pacífica. Isso, sim, se deve temer, medo real.
Nota dos tradutores
[1] No Brasil, a imprensa-empresa apagou do universo essa fala
de Putin. Foi como se não tivesse acontecido. O jornal o Estado de
S.Paulo, que muito provavelmente é o PIOR jornal do mundo, publicou, sobre esse
discurso, o que se pode ler (mas não vale a pena) em “Putin culpa ocidente por crise na
Ucrânia e nega formação de império pela Rússia”, o que seria cômico, não fosse tão ridículo.
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