17 novembro
2014, Jornal
Notícias
http://www.jornalnoticias.co.mz
(Moçambique)
Com o intuito de inverter o actual cenário
em que as empresas moçambicanas ficam de fora nos concursos para o fornecimento
de bens e prestação de serviços aos grandes projectos, a Associação Comercial,
Industrial e de Serviços (ACIS) está empenhada no estabelecimento de uma
ligação empresarial sã entre as pequenas e médias empresas (PME`s) e os
mega-projectos.
No âmbito das ligações empresariais, foi
concebido, no ano passado, um programa que pretende ajudar as pequenas e médias
empresas moçambicanas a aceder a negócios com os mega-projectos. Actualmente,
está-se na fase de mapeamento das empresas potenciais fornecedoras em todo o
país, ao mesmo tempo que se procede ao levantamento das necessidades dos
grandes projectos com o objectivo de
, na medida do possível, partilhar o seu
programa de aquisições para os próximos dois a cinco anos. Numa entrevista
concedida por Carlos Henrique, presidente do conselho de gerência, e Denise
Cortês-Keyser, directora executiva da ACIS, o “Notícias” ficou ao corrente, não
só dos esforços para pôr as PME`s a ganharem dinheiro dos grandes projectos,
como também dos principais desafios da organização. A propósito dos desafios, o
actual conselho de gerência da ACIS elege também como prioridade “influenciar a
remoção das barreiras administrativas ao negócio. Queremos continuar a
trabalhar a nível nacional com a CTA (Confederação das Associações Económicas
de Moçambique) para que haja um ambiente mais propício para os negócios”. Os
nossos entrevistados entendem que a formação e a remoção de burocracias são
dois dos principais pressupostos para que as empresas moçambicanas consigam
prestar serviços e fornecer produtos de qualidade e em tempo útil aos seus
parceiros.
Nas linhas que se seguem, passamos a
transcrever excertos da entrevista.
NOTÍCIAS (Not.)-
Resumidamente, como nasce a ACIS?
ACIS -Começou em 2000 e na altura se chamava
Associação Comercial e Industrial de Sofala. Foi constituída por um grupo de
empresários que procurava minorar dificuldades para fazer negócios. Os empresários
entenderam que se se associassem poderiam ter facilidades para desenvolver uma
série de actividades que os permitisse melhorar a sua habilidade para negócios
nesta zona do país. Começámos com 10 associados e foram criados mecanismos de
informação aos associados. Aliás, o que distingue esta associação das outras é
a sua capacidade de estar em permanente contacto com os seus membros,
informando-os sobre os últimos desenvolvimentos no mercado, sobretudo em termos
de oportunidades de negócios e procedimentos que os operadores têm de seguir.
Uma das coisas que atraiu mais atenção foi o facto de esta associação ter sido
capaz de criar uma página na Internet na qual publicava as principais leis do
país, traduzidas e comentadas como, por exemplo, a Lei do Trabalho e a Lei de
Terras. A nossa página passou a ser de referência para os operadores comerciais
que já estavam no país ou a entrar. Foi o que nos deu uma grande projecção.
Not.– De uma associação de âmbito local, passou-se
à uma abrangência nacional. Como tudo sucedeu?
ACIS -O que aconteceu foi que muitas empresas de
outras províncias começaram a usar os serviços da ACIS e assim se foram
inscrevendo. Hoje abarcamos quase todas as áreas da economia em todas as
províncias. Em 2011, mudámos de nome, deixando de ser Associação Comercial e
Industrial de Sofala, passando a Associação Comercial, Industrial e de
Serviços, obviamente, mantendo a sigla anterior (ACIS).
Not. – Com quantos membros contam agora?
ACIS -Contamos com cerca de 300 membros.
Not.– Pensam que valeu a pena criar esta
associação?
ACIS - Mesmo não sendo as pessoas mais
indicadas para fazer tal avaliação, posso dizer que do retorno que temos tido
dos membros, através de inquéritos regulares sobre os serviços que prestamos,
somos uma associação da qual vale a pena fazer parte, pagando, naturalmente,
quotas para a sobrevivência da mesma. Se não fizéssemos trabalho de qualidade,
os nossos membros não continuariam a pagar as suas contribuições.
Not.- Insisto em querer saber qual é o marco do vosso
crescimento, volvidos estes 14 anos.
ACIS- Queremos conseguir criar um melhor
ambiente de negócios em Moçambique, isto é, a nossa prioridade é também
influenciar a remoção das barreiras administrativas ao negócio. Queremos
continuar a trabalhar a nível nacional com a CTA (Confederação das Associações
Económicas de Moçambique) para que haja um ambiente mais propício para os
negócios. Respondendo à sua pergunta, conseguimos fazer a ligação entre os
pequenos e médios empresários com os grandes, levando a que os pequenos se
organizem e tenham qualidade de serviços para se tornarem atractivos. Estamos a
desenvolver muito trabalho com este objectivo.
Not.- O que já foi feito até ao momento, no âmbito
das ligações empresariais?
ACIS- No âmbito das ligações empresariais foi
concebido, no ano passado, um programa para ajudar as pequenas e médias
empresas a aceder a contratos com os mega-projectos. Fez-se o desenho do
programa que foi submetido a alguns parceiros para a aprovação. Neste momento,
estamos na fase de mapeamento das empresas em todo o país para podermos fazer o
levantamento das necessidades das grandes empresas e, por via disso, podermos
partilhar o seu programa de aquisições para os próximos dois a cinco anos. Isto
ajudaria sobremaneira para as pequenas empreas se poderem preparar.
Not.- Concretamente, em termos de mercado, o que
motivou a concepção do programa?
ACIS- Temos uma lacuna na nossa associação: o
número de pequenos operadores é ainda muito reduzido. Precisamos de criar mais
pequenas empresas que são aquelas que vão empregar muita gente e, por via
disso, contribuírem grandemente para a economia. Este ponto é teoricamente
discutível, se vale a pena ter pequenas empresas ou apenas grandes, mas como
filosofia da associação, entendemos que devemos incentivar as pequenas para
gerarem empregos e riquezas e crescerem para grandes, um dia.
LIGAÇÕES EMPRESARIAIS: MEGA-PROJECTOS
COLABORAM
Not.- Até que ponto as grandes empresas têm
colaborado para o estabelecimento destas ligações?
ACIS- É preciso haver vontade política das
grandes empresas para trabalhar com as pequenas. Nós conhecemos as dificuldades
das pequenas empresas – não estão organizadas, não têm contabilidade, não têm
serviços de qualidade, não têm a formação necessária – mas tudo isto pode ser
ultrapassado. As pequenas empresas podem ser organizadas para melhorarem a sua
prestação. E, havendo vontade política, é possível e temos exemplos de pequenos
que conseguiram melhorar a sua prestação, passando a fornecer bens e serviços e
às grandes empresas. Uma das perguntas frequentes é o que é que um pequeno
agricultor pode ganhar num grande projecto. Ora, o grande projecto precisa de
cantinas e alimentação para os seus trabalhadores. Isso já está a ser feito em
Moçambique.
Not.- Os grandes projectos queixam-se, para além da
baixa qualidade, do incumprimento de prazos. Quer comentar?
ACIS- O que acontece é que tudo o que precisamos
para operar está sujeito à uma autorização. Entendemos que é preciso acabar com
esta burocracia. Não conseguimos, muitas vezes, cumprir com os prazos porque a
resposta que ouvimos é de que o funcionário tal que devia despachar o
expediente não compareceu ao local de trabalho. É preciso desarmar estas
barreiras administrativas. Certas coisas são muito facilitadas nalguns países.
Por exemplo, os documentos podiam ser autenticados e as assinaturas
reconhecidas por qualquer autoridade do Estado. A questão de barreiras
administrativas é uma realidade nos negócios, mas é preciso também reconhecer
que as pessoas não nascem a saber. Teremos de encontrar pessoas com vontade de
formar as PME’s para poderem aceder aos negócios. Os agricultores podem ser
formados e certificados para produzirem com a qualidade exigida pelas grandes
empresas.
Not.- As grandes empresas foram desafiadas a publicarem
os seus planos de compras. Até que ponto este desafio é acatado?
ACIS - Nós temos abordado empresas como
Anadarko (que pesquisa hidrocarbonetos na bacia do Rovuma) e Vale (que explora
carvão mineral em Moatize) para partilharem as suas expectativas em termos de
compras, nomeadamente o que elas buscam em termos de quantidades e
especificações de produtos e serviços.
Not. - …e qual é a resposta?
ACIS- Tivemos algum retorno por parte da Vale
que tem contactado a ACIS à procura de informações, e nós temos vindo a
providenciar os dados à medida que ela vai sendo solicitada. Do momento
pretendemos um aval dos gestores das empresas para se divulgarem os planos de
aquisição. Uma das coisas que prejudicam as PME’s é que concursos são lançados,
por exemplo, hoje e fecham um mês depois. Num mês, com o processo burocrático
que é conhecido não conseguem ter toda a documentação necessária para
participarem condignamente. Acabam por entregar documentos incompletos. Mas se
houver um plano de compras mais claro, a curto e médio prazos, isso dá mais
tempo às empresas para se prepararem e, se for necessário, fazerem parcerias. A
Vale, por exemplo, já esteve na cidade da Beira para apresentar oportunidades
de negócios para as empresas locais. Para dizer que o retorno tem sido
positivo.
TEMOS BASE DE DADOS HÁ CERCA DE DOIS ANOS
Not.- Nas vossas contas, dentro de quanto tempo é
que a ACIS vai ter uma base de dados mais fiável sobre fornecimento de bens e
serviços?
ACIS- Temos a base de dados desde 2012 e
aquando do seu estabelecimento ainda não havia cultura de os empresários se
cadastrarem online. É mais fácil a HCB (Hidroeléctrica de
Cahora Bassa), por exemplo, lançar uma plataforma e todos correrem para se
cadastrarem do que esperar que alguém vá contactar. Mas temos muitas empresas a
cadastrarem-se na nossa base de dados à espera da publicação dos planos de
compra que vão, de certa forma, atrair mais empresas a entrar no cadestramento.
No programa de mapeamento das empresas, um dos objectivos é podermo-nos
localizar por província e sector de actividade. Uma das vantagens é que ao se
cadastrar, a empresa pode colocar lá um catálogo dos seus produtos e serviços.
Not.- Qual é a vossa opinião em relação à
transparência dos negócios em Moçambique?
ACIS- Somos por um negócio ético. Temos uma
postura na sociedade e encorajamos os nossos membros a seguirem as normas
éticas do negócio. Tentamos fazer a educação para que as pessoas possam operar
dentro dos parâmetros. Podemos não estar de acordo, mas os padrões são aqueles
e têm de ser cumpridos.
Not.- … e esse apelo à ética tem sido acatado pelos
associados?
ACIS- Em princípio sim. Os nossos membros
comungam destes valores. Não temos tido conhecimento de actuações menos éticas
deles, embora acredite que possa existir um ou outro caso. Mas no geral a
associação pauta por uma postura ética e encoraja os seus membros a seguir o
mesmo caminho.
Not.- Qual é a vossa apreciação em relação à nova
Lei de Petróleos?
ACIS- Não vou comentar especialmente a Lei de
Petróleos, mas gostaria de dizer que o ambiente legislativo é muito pesado.
Quase todas as leis são de difícil aplicação. Pretendemos que haja leis que
sejam mais amigas dos agentes económicos. Além disso, entendemos que os agentes
económicos deviam ser ouvidos sempre que se pretender aprovar uma nova lei.
Temos uma anteproposta de lei da consulta pública, que poderá ser submetida
para aprovação pela Assembleia da República, na próxima legislatura.
Not.- Na qualidade de gestores da associação, qual
é o vosso principal sonho?
ACIS- O nosso sonho é conseguir estabelecer
uma ligação sã entre os pequenos e grandes empresários. Gostaríamos de ver,
futuramente, as PME’s moçambicanas a ganharem dinheiro através das
oportunidades abertas pelos grandes projectos. O segundo sonho é trazer mais
membros para a nossa associação para que ela continue sustentável. Queremos, um
dia, participar na criação de um centro de formação vocacional. Queremos que
Moçambique tenha artesãos qualificados, porque é o que falta no país:
precisamos de carpinteiro, pedreiro, serralheiro com formação académica
avançada. A nossa economia sofre da falta de operários.
António Mondlane
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