5 novembro 2014, ODiario.info http://www.odiario.info (Portugal)
André Topf
O declínio económico dos EUA e a emergência de outras potências tem
expressão também na tendência para a redução do papel do dólar norte-americano
enquanto moeda de reserva mundial. Se os mercados globais de energia
abandonarem o petrodólar, o domínio global do dólar terá os dias contados.
Recentes negócios e cooperação a alto nível entre a Rússia e a
China fizeram soar o alarme no Ocidente enquanto políticos e executivos do gás
e petróleo vêem a balança do poder nos mercados globais de energia tender para Oriente.
As razões para um relacionamento mais amistoso entre os dois
gigantes têm evidentemente origem na crise da Ucrânia e nas subsequentes
sanções ocidentais contra a Rússia, combinadas com a necessidade da China
garantir fornecimentos de energia a longo prazo. Mas uma consequência de
ligações económicas mais estreitas entre a Rússia e a China pode indicar também
o princípio do fim do domínio do dólar americano, e isso poderá
ter um profundo
impacto nos mercados da energia.
A rédea do Dólar Americano
Antes do século XX, o valor do dinheiro estava ligado ao ouro. Os
bancos que emprestavam dinheiro estavam constrangidos pelo volume das suas
reservas de ouro. O Acordo de Bretton Woods de 1944 estabeleceu um sistema de
trocas que permitia aos governos vender o seu ouro ao Tesouro dos Estados
Unidos. Mas em 1971 o presidente norte-americano Richard Nixon retirou o país
do padrão ouro, o que acabou formalmente com a ligação entre as moedas mais
fortes do mundo e o ouro.
O dólar americano sofreu depois uma desvalorização maciça, e o
petróleo desempenhou um papel crucial na sua recuperação. Nixon negociou um
acordo com a Arábia Saudita nos termos do qual os sauditas passariam a fazer
todas as suas futuras vendas de petróleo em dólares a troco de armas e
protecção. Outros membros da OPEC fizeram acordos semelhantes, garantindo a
procura global pelas notas verdes do dólar. O domínio do petrodólar continua
até hoje.
A aproximação entre Rússia e China
Notícias recentes vindas da Rússia sugerem porém que a era do
domínio do dólar norte-americano pode estar a findar, devido à crescente
competição da segunda maior economia e consumidora primária de commodities, a
China.
A China e a Rússia têm vindo freneticamente a assinar acordos de
energia que revelam os seus mútuos interesses energéticos. O mais óbvio é o
acordo do gás de 456 mil milhões que a empresa estatal russa Gasprom assinou
com a China em Maio, mas este foi apenas o maior numa cadeia de acordos de
energia que remonta a 2009. Nesse ano o gigante de petróleo russo Rosneft garantiu
um acordo de troca de petróleo com Pequim e no ano passado a Rosneft aceitou
duplicar os fornecimentos de petróleo à China num acordo avaliado em 270 mil
milhões.
Desde as sanções ocidentais contra a Rússia em reacção à anexação
da Crimeia pela Rússia e o abate de um avião comercial, Moscovo vê cada vez
mais no seu anterior rival na guerra-fria um comprador-chave do petróleo russo
— a sua exportação mais importante.
Liam Halligan, colunista do Telegraph, afirma que o
«perigo real» da aproximação Rússia-China não é um frente a frente entre a
China e os Estados Unidos, que poderia ameaçar rotas marítimas cruciais para o
envio de carvão e LNG para a China, mas o seu impacto no dólar americano.
«Se a viragem da Rússia para a Ásia resulta em que Moscovo e Pequim
negoceiam petróleo entre si em outra moeda que não o dólar, isso representará
uma modificação de grande escala na forma como a economia global opera e uma
significativa perda para os Estados Unidos e seus aliados», afirmou Halligan em
Maio. «Com a China a ser agora o maior importador de petróleo e os Estados
Unidos a intensificarem crescentemente a sua produção doméstica, os dias da
energia com preço em dólares, e portanto de domínio do dólar, parecem estar
contados.»
Ainda que ninguém argumente que isso está prestes a acontecer, uma
vez que o dólar continua a ser a moeda de eleição dos bancos centrais, a
proposição de Halligan vem ganhando terreno. Em Junho a China acordou com o
Brasil numa troca de 29 mil milhões de dólares num esforço para promover o yuan
chinês como moeda de reserva, e anteriormente nesse mês os bancos centrais
chineses e russos assinaram um acordo de troca yuans-rublos para duplicar o
comércio entre os dois países. Analistas afirmam que o acordo de 150 mil
milhões, um dos 38 assinados em Moscovo, é uma forma de a Rússia se afastar de
acordos em que o dólar norte-americano domine.
«Por si só estas acções não significam o fim do dólar como
principal moeda de reserva global» declarou à CNBC Jim Rickards, gerente de
portfolio no Grupo West Shore e sócio da Tangent Capital Partners. «Mas tomada
no contexto de muitas outras acções pelo mundo fora, incluindo a frustração da
Arábia Saudita face à política externa dos Estados Unidos para com o Irão, e o
voraz apetite da China pelo ouro, estas acções constituem passos significativos
no sentido do afastamento progressivo do dólar.»
A ascensão do yuan
Não é segredo que Pequim vem procurando promover o yuan como moeda
de reserva alternativa. Adquirindo esse estatuto a China teria um acesso barato
aos mercados mundiais de capital e custos mais baratos no comércio
internacional, para não falar numa influência acrescida de poder económico na
proporção da sua crescente presença no comércio mundial.
Os chineses têm, contudo, um problema nos seus planos para o yuan.
O governo ainda não retirou controlos de capital que permitiriam uma
convertibilidade plena, com receio de desencadear uma torrente de fluxos
especulativos que poderiam prejudicar a economia chinesa.
Entretanto, «é claro que a China está a criar os fundamentos para
uma maior aceitação do yuan», afirmou Karl Schamotta, um estratega sénior de
mercado na Western Union Business Solutions, citado num artigo no International
Business Solutions. O IBT assinalava que «mais de dez mil instituições financeiras
estão agora a negociar em yuan chinês, quando em Junho de 2011 eram 900,
enquanto o pool do yuan offshore, há três anos inexistente, está agora em 900
mil milhões (143 milhares de milhões de dólares). E a proporção das exportações
e importações da China em yuan aumentou seis vezes em três anos, atingindo
quase 12%.»
Alerta da Teoria da Conspiração
Colorindo mais vivamente esta história, Marin Katusa, analista de
energia na Casey Research, especulou em artigo recente que a morte do CEO da
Total Christophe de Margerie, cujo jacto particular colidiu com um limpador de
neve em Moscovo, pode não ter sido um acidente. Em vez disso, Katusa conjectura
se as circunstâncias misteriosas que rodearam a morte e as escassas
probabilidades de se ser atingido por um limpador de neve num aeroporto, não
poderiam ter mais a ver com os interesses de negócios de Margerie na Rússia do
que com estar no lugar errado no momento errado.
Relacionado com isto: a Rússia abre inquérito criminal à morte do
CEO da Total num acidente da avião.
De acordo com Katusa, Margerie constituía um «risco total» devido
ao envolvimento da Total em planos para construir uma fábrica de LNG na
Península de Yamal em sociedade com a Novatek. A companhia estava também à
procura de financiamento para um projecto de gás na Rússia, apesar das sanções
ocidentais.
«Planeava financiar a sua parte de 27 mil milhões no Projecto Yamal
usando euros, yuan, rublos russos, e qualquer outra moeda excepto dólares
americanos». Escreve Katusa, aliciando depois o leitor com isto: «Esta ameaça
directa ao petrodólar atraiu contra este “grande amigo da Rússia” - como Putin
chamava a Margerie - alguns inimigos poderosos e perigosos nos poderes
fácticos, fosse no governo francês, na UE, ou nos EUA?»
Pode ser uma ideia excessiva, mas a referência de Katusa ao dólar
americano mostra que quaisquer desenvolvimentos que se verifiquem no sentido do
afastamento em relação ao domínio das “notas verdes” não irão passar
despercebidos.
Fonte: http://oilprice.com/Energy/Oil-Prices/The-End-Of-An-Era-Is-The-US-Petrodollar-Under-Threat.html
Tradução: Manuela Antunes
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