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novembro 2014, Revista Forum http://www.revistaforum.com.br (Brasil)
Por Da redação
João
Pedro Stedile olha a primeira página do jornal Il Fatto Quotidiano em que se vê
Maurizio Landini enfrentando a polícia. “Um líder sindical sem gravata? Sério?”
A piada sintetiza muito o perfil e a história desse dirigente, já de nível
internacional, do movimento “campesino”.
O
Movimento dos Sem Terra (MST) é uma organização fundamental do Brasil,
imortalizada pelas históricas imagens de Sebastião Salgado e com uma história
de 30 anos feita de vitórias e de derrotas, mas sempre no primeiro plano da
organização dos agricultores.
Stedile
é o seu dirigente mais importante. Ele nunca usou gravata e sempre concebeu o
seu papel como porta-voz de uma realidade pobre, muito em busca da sua própria
emancipação.
Marxista
ligado à história da teologia da libertação, ele foi um dos organizadores do
Encontro Mundial de Movimentos Populares que ocorreu no Vaticano
na semana
passada. Em uma das sessões desse debate, que ocorreu entre as curvas
sugestivas da sala do Velho Sínodo, ele sugeriu aos apurados presentes que
canonizem até “Santo Antônio… Gramsci”.
Os
Sem Terra, a imponente organização que ele dirige, com cerca de 1,5 milhão de
membros, têm uma história antiga de ocupações de terra, de lutas e conflitos
também duros. Mas também cultivam uma relação “leiga” com o poder, ou, como ele
explica, de “autonomia absoluta”=. Por isso, na última eleição brasileira,
apesar de não se envolver muito no primeiro turno eleitoral, depois apoiaram
Dilma Rousseff no segundo.
Chegando
na Itália para o encontro no Vaticano, ele fez uma turnê de encontros na
península apresentando o livro La lunga marcia dei senza terra [A longa marcha
dos sem-terra] (EMI Edizioni), de Claudia Fanti, Serena Romagnoli e Marinella
Correggia.
No
sábado à tarde, foi visitar a Rimaflow, em Trezzano sul Naviglio, a fábrica
recuperada que Stedile, diante de 300 pessoas, batizou como “embaixadora dos
Sem-Terra em Milão”.
Como
nasceu o encontro no Vaticano?
Tivemos
a sorte de manter relações com os movimentos sociais da Argentina, amigos de
Francisco, com os quais começamos a trabalhar no encontro mundial. Assim,
reunimos 100 dirigentes populares de todo o mundo, sem confissões religiosas. A
maioria não era católica. Um encontro muito proveitoso.
O
senhor é de formação marxista. Qual a sua opinião sobre o papa e a iniciativa
vaticana?
O
papa deu uma grande contribuição, com um documento irrepreensível, mais à
esquerda do que muitos de nós. Porque afirmou questões de princípio importantes
como a reforma agrária, que não é só um problema econômico e político, mas
também moral. De fato, ele condenou a grande propriedade. O importante é a
simbologia: em 2.000 anos, nenhum papa jamais organizou uma reunião desse tipo
com movimentos sociais.
O
senhor foi um dos promotores dos Fóruns Sociais nascidos em Porto Alegre. Há
uma substituição simbólica por parte do Vaticano em relação à esquerda?
Não,
acho que Francisco teve a capacidade de se colocar corretamente diante dos
grandes problemas do capitalismo atual como a guerra, a ecologia, o trabalho, a
alimentação. E ele tem o mérito de ter iniciado um diálogo com os movimentos
sociais. Eu não acho que há sobreposição, mas complementaridade.
Em
todo caso, assumo a autocrítica, como promotor do Fórum Social, do seu
esgotamento e da sua incapacidade de criar uma assembleia mundial dos
movimentos sociais.
Do
encontro com Francisco, nascem duas iniciativas: formar um espaço de diálogo
permanente com o Vaticano e, independentemente da Igreja, mas aproveitando a
reunião de Roma, construir no futuro um espaço internacional dos movimentos do
mundo.
Para
fazer o quê?
Para
combater o capital financeiro, os bancos, as grandes multinacionais. Os
“inimigos do povo” são esses. Como diria o papa, esse é o diabo. Mesmo que
todos nós vivamos o inferno.
Os
pontos traçados do encontro de Roma são muito claros: a terra, para que os
alimentos não sejam uma mercadoria, mas um direito; o direito de todos os povos
de terem um território, seu próprio país, pense-se nos curdos de Kobane os nos
palestinos; um teto digno para todos; o trabalho como direito inalienável.
Os Sem
Terra organizam cursos de formação sobre Gramsci e Rosa Luxemburgo. Nenhum
problema para trabalhar com o Vaticano?
Nós
vivemos uma crise epocal. As ideologias do segundo pós-guerra se aprofundaram.
As pessoas não se sentem mais representadas. No entanto, essa crise também
oferece oportunidades de mudança, desde que ninguém se apresente com a solução
pronta no bolso. Será preciso um processo, um movimento de participação
popular. E qualquer pessoa disposta a participar dele deve ser incluída.
No
Brasil, vocês apoiaram a eleição de Dilma Rousseff. Qual é a sua opinião sobre
o governo do PT e o seu futuro?
A
autonomia, para nós, é um valor importante. O PT geriu o poder com uma linha de
“neodesenvolvimentismo”, mais progressista do que o neoliberalismo, mas baseada
em um pacto de conciliação entre grandes bancos, capital financeiro e setores
sociais mais pobres.
A
operação de redistribuição da renda favoreceu a todos, mas principalmente os
bancos. Agora, porém, esse pacto não funciona mais, as expectativas populares
cresceram. O ensino universitário, por exemplo, integrou 15% da população
estudantil, mas os 85% que ficaram de fora pressionam para entrar. Só que, para
responder a essa demanda, seria preciso ao menos 10% do PIB, e, para levantar
recursos desse tamanho, se romperia o pacto com as grandes empresas e os
bancos.
Então?
O
governo tem três caminhos: unir-se novamente à grande burguesia brasileira,
como lhe pede o PMDB, construir um novo pacto social com os movimentos
populares ou não escolher e abrir uma longa fase de crise. Nós queremos
desempenhar um papel e, por isso, propomos um plebiscito popular para uma
Assembleia Constituinte para a reforma da política. A força do povo não está no
Parlamento.
Qual é
a situação do Movimento dos Sem Terra hoje?
A
nossa ideia, no início, era a de realizar o sonho de todo agricultor do século
XX: a terra para todos, bater o latifúndio. Mas o capitalismo mudou, a
concentração da terra também significa concentração das tecnologias, da
produção, das sementes. É inútil ocupar as terras se, depois, produzirem
transgênicos. Não é mais suficiente repartir a terra, mas é preciso uma
alimentação para todos, e uma alimentação sadia e de qualidade. Hoje visamos a
uma reforma agrária integral, e a nossa luta diz respeito a todos. Por isso, é
preciso uma ampla aliança com os operários, os consumidores e também com a
Igreja. Somos aliados de qualquer pessoa que deseje a mudança.
*A
tradução é de Moisés Sbardelotto
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