20 setembro 2016, El País http://brasil.elpais.com (Brasil)
Professor
da UERJ e ex-interlocutor do juiz, Afrânio Jardim, diz que procuradores estão
deslumbrados.
Políticos
se unem nas críticas. Câmara tenta aprovar projeto que anistiaria caixa dois no
passado
De consultor informal
da Lava Jato a atroz crítico da operação. A conduta adotada por um
dos principais juristas da área processual do Brasil, Afrânio Silva Jardim, de
66 anos, demonstra o tamanho da decepção de parte do meio acadêmico (além do político, que tem seus interesses próprios)
com os últimos passos da principal ação anticorrupção da história do país. Há
pouco mais de dois anos, Jardim começou a trocar impressões com o juiz Sergio Moro, o responsável pela operação na primeira instância.
Apoiava seus atos. Elogiava a importância das apurações.
Mas as últimas ações da
força-tarefa fizeram com que ele rompesse com o magistrado e se tornasse um dos
principais críticos dos
trabalhos que estão sendo conduzidos em Curitiba.
Não porque Jardim seja contrário ao combate à
corrupção, mas por entender que boa parte do que tem sido feito não respeita as
normas. Cita, por exemplo, a condução coercitiva de investigados, a prisão
domiciliar de grandes empresários, a divulgação da gravação envolvendo os
ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, assim como a última denúncia
apresentada contra o líder petista nesta semana. “Não é justo o que estão
fazendo”, sintetizou o especialista em conversa com o EL PAÍS por telefone. Nos
próximos dias, Moro deverá se manifestar sobre a denúncia feita contra Lula e
há grandes chances de que o ex-presidente se torne réu pelos crimes de lavagem
de dinheiro e corrupção passiva e ativa.
Autor de quatro livros,
promotor de Justiça aposentado, livre-docente, professor de direito processual
penal na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), jurista citado em
mais de uma centena de acórdãos no Supremo Tribunal Federal e no Superior
Tribunal de Justiça, Afrânio Jardim diz que os procuradores da Lava Jato parecem viver um
deslumbramento. “O que vejo é que os colegas mais novos da Lava Jato estão meio
deslumbrados. Agem messianicamente, acham que são os salvadores da pátria. É
uma visão ingênua. Aí, os fins justificam os meios”, avalia.
O rompimento com Moro e
o descontentamento com os rumos da Lava Jato deram-se exatamente quando
interceptações telefônicas de Lula e Dilma foram divulgadas extemporaneamente em meados
de março. Na ocasião, Jardim
disse ao juiz que ali, ele havia perdido a imparcialidade que os magistrados
precisam ter. “Eu disse para ele que estava agastado, que ele estava me
decepcionando. Ele respondeu que lamentava muito, que ficava triste. Não nos
falamos mais, não trocamos mais e-mails”.
O curioso é que Moro,
ao lado de outros 50 operadores de direito, é autor de um dos artigos que
compõem a obra Tributo
a Afrânio Silva Jardim, escritos e estudos, livro que terá sua
terceira edição publicada até outubro. “Agora, ele deve estar constrangido. E
eu também estou”, diz o homenageado.
Ainda com relação à
atuação do juiz, Jardim afirma que estranhou a série de prisões domiciliares
autorizadas por ele. A maioria dos empreiteiros que está detida responde a
crimes cujo as penas são superiores a dez anos de prisão. A legislação,
contudo, prevê que esse tipo de benefício domiciliar só pode ser concedido caso
a punição seja inferior a quatro anos de reclusão ou se o processo já tiver
sido julgado em todas as instâncias e a lei assim o autorizar, o que ainda não
ocorreu em nenhum caso da Lava Jato. “Às vezes, Sergio Moro passa uma imagem de severíssimo, mas os empresários
estão presos em suas casas, suas mansões. Brinco dizendo que talvez estejam com
tornozeleiras eletrônicas douradas, cravejadas de diamantes”.
Estupor político e
contraofensiva
Não foram só
representantes do mundo acadêmico que se espantaram com o tom usado pelos
procuradores da Lava Jato, que atribuíram a Lula a designação de chefe da
“propinocracia” (o Governo das propinas), “comandante máximo” ou “maestro de
uma grande orquestra concatenada para saquear os cofres públicos”.
De petistas – como era
de se esperar – a tucanos, diversos políticos brasileiros demonstraram
desconforto com os termos usados pelos procuradores da força-tarefa.Caciques do PSDB, como o senador Aécio
Neves e o ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso, foram cautelosos a comentarem a acusação contra
Lula. “É preciso ver o que o Judiciário diz. Uma coisa são as acusações, depois
é que vem o processo de provas, verificar o que é certo e o que é errado... Eu
fico só como espectador”, disse FHC no Rio de Janeiro na última quinta-feira.
Um dos principais
articuladores do impeachment de Dilma Rousseff, o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da
Força (SD-SP), disse que o Ministério Público precisaria baixar o tom das
denúncias. Internamente, no Governo de Michel Temer (PMDB), o ex-aliado que
hoje é adversário de Lula e do PT, a avaliação é que os procuradores da Lava
Jato estão “exagerando há tempos” nas acusações.
As reclamações, no caso
da classe política, embutem autodefesa também. Mais de
50 políticos brasileiros são investigados no
esquema de corrupção que desviou bilhões de reais da Petrobras. Entre eles,
estão membros do PMDB, de Temer, do PR e do PP. Nesses dois anos e meio, a Lava
Jato apresentou denúncias contra 239 pessoas – sendo 100 do braço empresarial e
36 do político. Atualmente, 21 delas estão presas e 70 assinaram termos de
colaboração com a Justiça, as delações premiadas. Há dois palcos principais,
com características e velocidades de atuação diferentes: em Curitiba, com os
procuradores e Moro, e o segundo em Brasília, com o procurador Rodrigo Janot e
o STF. Não há prazo para que os trabalhos de investigação sejam concluídos,
muito menos para que os casos dos políticos com foro privilegiado cheguem ao
plenário do Supremo.
Enquanto isso, seguem
na capital federal os movimentos para modificar a legislação e abrandar possíveis
penas futuras. Na noite desta segunda-feira, um grupo de deputados tentou, sem
sucesso, incluir na pauta de votação da Câmara projeto que tipificava o crime
de caixa dois. A medida poderia anistiar toda a prática cometida antes, se o
texto virasse lei, pelo veto a retroatividade, e poderia potencialmente
diminuir o alcance e a punição efetiva de inquéritos da Lava Jato em curso.
Vários deputados, entre eles Alessandro Molon (Rede-RJ), protestaram contra o
que consideraram uma manobra e o projeto acabou sendo retirado da lista de
votação.
Seja como for, os
últimos movimentos do núcleo no Paraná, contudo, forçam os procuradores a
calcularem melhor seus passos. “Acho que é a hora de colocar o pé no freio,
deixarem as coisas mais calmas, mais claras, mais corretas. Esse é nosso
desejo. Hoje ninguém quer que acabe a Lava Jato. Todos queremos que ela
continue, mesmo! Mas dentro da lei, dentro do Estado de Direito”, concluiu o
professor Jardim.
Com
informações da Agência Câmara
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