18 de
Setembro de 2016, Brasil 247 http://www.brasil247.com (Brasil)
Tereza Cruvinel*
O simplismo do
diagrama em power-point foi um dos aspectos mais criticados da
entrevista em que o procurador Deltan Dallagnol acusou Lula de ser o
“comandante máximo” do petrolão, com uma estridência verbal sem correspondência
com os fatos e provas constantes da denúncia formal (que ficou restrita à
suposta ocultação de um apartamento). Mas a imagem, que correu o mundo
através da Internet, teve função importante no espetáculo. A
inconsistência intrínseca da peça não decorre de despreparo técnico do
Ministério Público, muito pelo contrário. Se quisessem, teriam produzido
um power point muito mais dinâmico para dar sustentação ao libelo verbal.
A função do diagrama,
com Lula no Centro de uma teia de relações, foi peça inaugural de um discurso
que
apenas começou a ser feito. Ele aponta para as próximas etapas de sua
proscrição política pela condenação judicial. Disseminada a idéia de que Lula
estava acima de todos os sujeitos envolvidos no esquema de corrupção,
estará criado o ambiente para a aplicação pacífica da teoria do domínio
do fato, também chamada de responsabilidade objetiva.
Formulada pelo jurista
alemão Claus Roxin, a teoria aportou no Brasil no julgamento da ação penal 470,
a do chamado mensalão. O então procurador-geral da República, Roberto
Gurgel, pediu a condenação de ex-ministro da Casa Civil José Dirceu como
comandante do esquema. Na falta de evidências, já que a denúncia era
amparada essencialmente no cruzamento de depoimentos e não em provas,
Gurgel invocou a teoria, afirmando que, embora operadores do crime organizado
moderno deixem poucos rastros, são eles quem têm controle sobre o resultado
final da atividade criminosa. O ex-ministro Joaquim Barbosa acolheu o
argumento para condenar Dirceu. Alguns ministros não se sentiram confortáveis
. Parte da comunidade jurídica criticou a inovadora aplicação da teoria
naquelas condições.
O próprio Claus Roxin,
passando pelo Brasil, reclamou da interpretação de que a teoria fora
desenvolvida para tornar mais severas as penas das pessoas que comandam as
estruturas políticas. O propósito, disse ele, foi punir os
responsáveis pelas ordens e pelas pessoas que as executam em uma estrutura
hierarquizada que atue fora da lei.
Segundo ele, não se
pode transferir a tese para estruturas do poder que atuam dentro da lei. E citou
como exemplo a tentativa de punir um presidente de empresa pelo crime
cometido por um funcionário, sob o argumento de que o presidente é responsável
por dar o comando. Roxin afirma que o presidente da companhia não está em uma
situação de ilicitude. Quando ele passa uma tarefa, não pode ser
responsabilizado pela atuação do funcionário, a não ser que ele tenha
conhecimento de que a ordem será cumprida de forma ilícita.
Agora é Lula, e não
Dirceu, que aparece no papel de quem sabia de tudo e tudo comandava. Para fixar
a ideia no imaginário e no entendimento corrente de uma sociedade,
nada melhor que uma boa imagem. Para isso, lá estava o diagrama de
Dallagnol, com o nome de Lula no centro e tantos círculos ao redor, embora
dentro deles aparecessem palavras que faziam pouco sentido: “expressividade”.
“maior beneficiado”, “governabilidade corrompida”, “proximidade com
investigados” e daí para a frente. Um truque para iludir desavisados e
manipular consciências. E, principalmente, para abrir caminho à aplicação da
teoria do domínio do fato, quando Lula for julgado por Sergio Moro e na segunda
instância.
Com a cachoeira verbal
sem correspondência nos fatos da denúncia, ilustrada pelo diagrama, muito antes
de qualquer julgamento já estará sendo criada a percepção de que Lula, como
disse no ano passado o procurador Carlos Fernando sem citar seu nome, foi
responsável pela instituição do esquema, permitiu que ele se desenvolvesse e
dele se beneficiou.
Os fundamentos
constitucionais, a presunção da inocência, a necessidade de provas, tudo
isso, desde a ação penal 470, vem se tornando secundário, no país em que o mais
importante são as convicções. Os alemães, sob o nazismo, também foram
convencidos de que os judeus faziam um grande mal a seu país e deviam ser denunciados.
Mesmo sabendo que seriam levados para campos de concentração.
*Tereza Cruvinel: Colunista do 247 e uma das mais respeitadas jornalistas políticas do País
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