16 setembro 2016, Jornal GGN
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Peça 1 - a luta
política global
Anos atrás, o ex-presidente espanhol Felipe Gonzáles alertou Lula,
conforme testemunhou o governador do Piauí Wellington Dias:
-- Lula, prepare-se que eles vão querer te processar, cassar ou prender.
Se não conseguirem, vão tentar te matar.
O alerta, com pitadas trágicas, não é para ser ignorado. O próprio
Gonzáles fora alvo de uma caçada implacável, parceria da mídia com o Ministério
Público espanhol. Não apenas ele. Trata-se de uma luta política global que tem
vitimado, uma a uma, as principais lideranças da socialdemocracia mundial. No
caso brasileiro,
de forma mais explícita devido ao baixíssimo nível dos
principais protagonistas políticos, jurídicos e midiáticos envolvidos.
Por uma questão de realismo, para tentar traçar qualquer cenário futuro
é importante que sejam consideradas as seguintes premissas:
1. Não se está definitivamente em um estado democrático de direito.
Portanto, manifestações de isenção serão a exceção, não a regra.
2. A pantomima montada pela Lava Jato de Curitiba é a comprovação
cabal de que a Procuradoria Geral da República e a Lava Jato são personagens de
um enredo maior, cujo objetivo final é liquidar com Lula e o PT.
3. A anulação de Lula exige um aumento dos abusos; e esse aumento dos
abusos poderá despertar a consciência jurídica de setores até agora à margem
dessa disputa.
4. Por tudo isso, o sub-show de ontem, em Curitiba, não encerra a
temporada de caça a Lula e significa uma nova etapa na disputa política. Do
mesmo molde que o vazamento das conversas de Dilma e Lula – que expôs
Rodrigo Janot –, e sua condução coercitiva – que expôs a Lava Jato. Agora,
obrigará o Judiciário a tomar uma atitude, coibindo o arbítrio, ou rasgar a
fantasia e assumir-se definitivamente como poder discricionário.
Peça 2 - a acusação
A peça de acusação leva aos limites da teoria do domínio do fato,
comprovando definitivamente a orquestração política, da qual o MPF é peça
central.
O que faz ela?
1. Descreve todas as injunções do presidencialismo de coalizão,
mostrando que as barganhas são fundamentais para a governabilidade.
2. Depois, lista várias barganhas no governo Lula - entre as quais as
diretorias da Petrobras - admitindo que eram essenciais para a governabilidade.
Mas... no caso de Lula a barganha serviu para financiar os partidos, para
enriquecimento pessoal e para perpetuar o PT no poder. Pouco importa os
diversos depoimentos sustentando que barganhas com a Petrobras existem há
décadas. E o maior beneficiário pessoal da corrupção foi Lula.
A prova do pudim é provar que Lula enriqueceu com dinheiro ilícito. Bate
no tríplex:
Diz a acusação: Lula visitou o
tríplex com o presidente da OAS e com dona Marisa. Logo é prova de que é dono
do tríplex.
Diz a defesa: dona Marisa tinha
cotas do edifício em questão. O tríplex foi oferecido a ela pela OAS. Lula
visitou-o com Léo Pinheiro e dona Marisa. Não gostou e não ficou com o imóvel.
Prova do pudim: qualquer documento
que comprove que Lula algum dia teve a propriedade do imóvel. A acusação não
apresentou nenhum, porque "não temos provas, mas temos a convicção".
A defesa apresentou as provas de que o apartamento tem outro proprietário.
A segunda “acusação” foi a de que a OAS bancou a guarda dos bens que
Lula acumulou, enquanto presidente.
Prova do pudim: provar que os bens
têm valor monetário para Lula.
Realidade: são bens da Presidência de República sob guarda do
ex-Presidente. Portanto, inegociáveis.
A comprovação final seria a investigação das contas do escritório Mossak
Fonseca, especializado em lavagem de dinheiro. O tríplex em questão era de
alguém com conta em paraiso fiscal montada pelo escritório. Mas, assim que se
depararam com uma conta offshore em nome da família Marinho, a Lava Jato
interrompeu as investigações sobre a Mossak Fonseca. Nada mais se disse, nada
então vazou.
Montaram um edifício retórico em cima de uma estrutura de bambu com
requintes de crueldade, ao indiciar dona Marisa. E agora?
Peça 3 - os
desdobramentos políticos
O objetivo do carnaval foi influenciar as próximas eleições municipais e
preparar a cama para a denúncia de organização criminosa que o PGR está prestes
a apresentar ao Supremo. Mas a insuficiência da acusação cria um
enorme problema para o juiz Sérgio Moro e o TRF4.
O envolvimento do juiz com a acusação -- fato que afronta qualquer norma
de direito -- foi saudado como sinal de profissionalismo, do juiz que sabe o
que está acontecendo e impõe mudanças no rumo das investigações, quando
considera que não estão bem embasadas.
Moro derrotaria Moro, não aceitando a denúncia? Evidente que não.
A bomba, então, será transferida para o TRF4. O endosso à acusação
significará um passo largo em direção ao arbítrio e um tiro no coração do
argumento de que Moro jamais foi questionado pelos tribunais superiores por ser
dotado de uma técnica jurídica superior. Jamais foi questionado ou por
afinidade política ou por receio do rugir da besta das ruas.
A prova dos 9 será a tramitação dessa denúncia que traz desdobramentos
complexos para o nosso Xadrez.
Ela foi atacada pelo PT por razões óbvias; e por blogueiros
estreitamente ligados ao Gilmar Mendes e José Serra, por razões sutis. O grupo
de Gilmar se valeu da acusação para enfraquecer a Lava Jato, prevenindo
eventuais futuras ações contra Serra e Aécio Neves. De um lado, festejam mais
uma ofensiva midiática contra Lula. De outro, celebram a fraqueza penal da
acusação.
Conseguindo emplacar a tese da mediocridade da peça acusatória - tarefa
facilmente demonstrável - se fortalecerá a reação, quando, em um ponto qualquer
do futuro, a Lava Jato se dignar a olhar para o PSDB. Saliente-se que a peça é
vergonhosa, mesmo.
Mas, por outro lado, poderão prejudicar a estratégia macro, de
inabilitação de Lula para 2018. Preso por ter cão; preso por não ter cão.
Como pano de fundo, tem-se movimentos tectônicos na política, com o
quadro partidário começando a ser redesenhado após o terremoto.
Peça 4 - o fator PSDB e
a frente do golpe
A lógica do xadrez é insuficiente para abarcar as múltiplas
possibilidades que se abrem, pelo fato de haver vários atores aliando-se
taticamente em um momento, entrando em conflito no momento seguinte, sem
nenhuma coerência ideológica, nem histórico de lealdade pessoal. É quebra-pau
de saloon de faroeste. O mais bonzinho traiu o melhor amigo no dia seguinte ao
da sua nomeação.
A primeira grande confusão são as expectativas de cada ator que se uniu
para deflagrar o golpe:
-- A camarilha dos 6, de Temer: apostando em ir além de 2018. Para tanto
atuará em duas frentes: evitará medidas que possam ampliar a impopularidade;
jogarão para adiar as eleições de 2018, inclusive apostando no endurecimento do
regime. E, consequentemente, serão gradativamente deserdadas pelo mercado.
-- Os PSDBs: de Aécio e Alckmin em conflito cada vez maior com a
camarilha dos 6 e entre si. Seu principal agente, o Ministro Gilmar Mendes, tem
poder de fogo no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), podendo se dar por ali o
desfecho dos conflitos. José Serra está fora do jogo maior, louco para ser
abrigado pelo PMDB de Temer, e também tem Gilmar como aliado.
-- Temer equilibra-se entre os dois grupos. É político menor que se move
por sobrevivência política de curto prazo e precisa ser guiado. Antes, o
cão-guia era Eduardo Cunha. Agora é Eliseu Padilha e Romero Jucá. Se precisar
se apoiar no PSDB, aderirá.
-- O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, começando a se entusiasmar com
a possibilidade de ser um substituto de Michel Temer, caso o “Fora Temer” e os
conflitos com o PSDB forcem o TSE a impichá-lo também.
-- O PGR Rodrigo Janot, jogando preferencialmente com o PSDB de Aécio
Neves, mas tendo como objetivo maior a destruição de Lula e do PT. Adiará o
máximo possível qualquer denúncia contra Aécio. É ambicioso e abraça
apaixonadamente qualquer causa que lhe garanta poder, mesmo que seja totalmente
contrária à paixão anterior.
-- O STF (Supremo Tribunal Federal), preso em suas contradições e
temores.
Todas as alternativas abaixo são possíveis, dependendo das
circunstâncias do momento:
1. Uma aliança entre Gilmar-Aécio-Rodrigo Maia-Janot visando
impugnar Temer a abrir espaço para um governo do PSDB tendo Maia como
presidente, Gilmar atuando junto ao TSE e Janot junto ao STF, tirando da maleta
mágica denúncias contra a camarilha.
2. Uma aliança entre Gilmar-Temer-PSDB-Janot, com
recrudescimento político, com o aumento da ofensiva do Ministro da Justiça e do
Gabinete de Segurança Institucional com as PMs estaduais em torno da figura do
inimigo interno. O PGR ampliaria o exercício do direito penal do inimigo,
tentando conferir algum formalismo legal ao jogo e ajudando a dizimar os
políticos recalcitrantes.
3. Uma aliança Temer-Serra-Renan, esvaziando a camarilha sem
abrir espaço para o PSDB.
Peça 5 - o fator Lula e
PT
É nesse quadro confuso, de um grupo de poder heterogêneo, sem lealdades
e sem projeto de poder – a não ser o de leiloar o país – que se entende mais
facilmente a ofensiva contra Lula. Depois do vexame de ontem, a Lava Jato virá
com outro inquérito secreto, usando o modelo Gilmar Mendes no TSE, pretendendo
investigar UMA empresa que contratou UMA palestra de Lula. Repito: UMA. A
síndrome do Fiat Elba – que serviu para condenar Fernando Collor -- não os
abandona.
Nos próximos meses haverá mudança drástica no panorama dos partidos
políticos, especialmente os de esquerda, com o PT dizimado pelo “mensalão” e o
“petrolão”, e com uma direção incapaz de entender os novos tempos e sem a
iniciativa de abrir o partido para a renovação, sequer para o belo think tank
representado pelo Instituto Perseu Abramo.
Há dois caminhos possíveis:
1. A manutenção do PT atual, com algum arejamento na direção,
ambicionando manter o protagonismo de uma frente de esquerda.
2. A criação de um novo partido, juntando o PT e partidos menores e
políticos progressistas ainda aninhados no PMDB, PSB e outros.
O segundo caminho é defendido por lideranças expressivas do PT, como o
governador do Piauí Wellington Dias. Seria a maneira de arejar o partido e
permitir a montagem de uma grande frente.
Se o PT insistir em se colocar à margem, mantendo a gerontocracia que o
governa, e pretender liderar essa frente de esquerdas, será engolido
rapidamente por algum novo partido que surgir com esse propósito.
Por isso mesmo, prepare-se para, dentro de algum tempo, conviver
possivelmente com uma nova sigla de esquerda.
Em qualquer quadro, a presença política de Lula é componente central: as
esquerdas se recompõem sem o PT; mas demorarão muito mais a se recompor sem
Lula.
Quem ouviu o discurso de Lula, ontem, saiu com a certeza de que, se o
deixarem solto, em pouco tempo arregimentará seguidores para a frente das
esquerdas. Por isso mesmo, seria medida de prudência ficar atento aos alertas
de Felipe Gonzáles e reforçar a segurança de Lula.
A política ingressa definitivamente em um novo ciclo e Lula é a única
liderança nacional sobrevivente desses tempos de terremotos e redes sociais.
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