12 de Julho de 2016, Rede Voltaire http://www.voltairenet.org
(França)
Thierry Meyssan*, Damasco (Síria)
A história da Otan e as
suas acções actuais permitem compreender como o Ocidente construiu as suas
mentiras e porquê está agora refém delas. Os elementos contidos neste artigo
são chocantes, mas é impossível desmentir os factos. Quando muito podem-se
agarrar às mentiras e persistir em manter-se nelas.
Aquando da reunião de Istambul, a 13 de Maio de 2015,
os dirigentes da Otan terminam uma refeição bem regada. Eles troçam dos
cretinos que acreditam no seu discurso de paz ao cantar «We are the world». Reconhece-se neste indecente
vídeo o General Philip Breedlove, Jens Stoltenberg, Federica Mogherini e
numerosos ministros da Defesa.
A cimeira dos chefes de
Estado e de governo da Otan acaba de se realizar em Varsóvia (7 e 8 de Julho de
2016). O que devia marcar o triunfo dos Estados Unidos sobre o resto do mundo,
foi, na realidade
o início da debacle.
Lembremos o que é a
Aliança Atlântica.
O que foi a Aliança
No final da Segunda
Guerra Mundial, as elites europeias estavam em pânico com a ideia de uma possível
subida ao poder dos Partidos comunistas, colocaram-se assim, em 1949, sob o
«guarda-chuva» norte-americano. Tratava-se, antes de tudo, de estar à altura de
ameaçar os Soviéticos para os dissuadir de apoiar os comunistas ocidentais.
Os Estados Ocidentais
estenderam progressivamente a sua aliança, nomeadamente nela incluindo os
Alemães Ocidentais, que tinham sido autorizados a reconstituir o seu exército,
em 1955. Inquieta com as capacidades da Aliança, a URSS respondeu a isto
criando o Pacto de Varsóvia, seis anos após a criação da OTAN.
No entanto, com a
guerra fria, as duas alianças evoluíram de maneira imperial: de um lado, a
OTAN, dominada pelos Estados Unidos e em menor escala pelo Reino Unido, do
outro, o Pacto de Varsóvia, dominado pela União Soviética. De facto, tornara-se
impossível deixar essas estruturas: a OTAN não hesitou em utilizar o Gládio
para organizar golpes de Estado e recorrer a assassinatos políticos
preventivos, enquanto o Pacto de Varsóvia invadia abertamente a Hungria e a Checoslováquia,
que tinham manifestado veleidades de independência.
Antes mesmo da queda do
Muro de Berlim, a União Soviética pôs fim a este sistema. Mikhail Gorbachev
deixou cada estado-membro do Pacto de Varsóvia retomar a sua independência («My
Way»), o que ele denominou ironicamente a sua «Doutrina Sinatra». Quando a
URSS se afundou os seus aliados dispersaram, e foram precisos vários anos de
estabilização antes que se constituísse a actual Organização do Tratado de
Segurança Colectiva (OTSC). Tendo assimilado os erros do passado, esta é
baseada numa estrita igualdade dos Estados-Membros.
Note-se, de passagem,
que a OTAN tal como o (extinto) Pacto de Varsóvia são organizações contrárias à
Carta das Nações Unidas, já que os Estados-membros perdem a sua independência
ao aceitar colocar as suas tropas sob comando norte-americano ou soviético.
Contrariamente à
Rússia, os Estados Unidos permaneceram como um império e continuam a utilizar a
OTAN para dirigir os seus aliados a toque de caixa. O objectivo inicial de
fazer pressão sobre os Soviéticos, para que eles não ajudassem os comunistas
ocidentais a aceder ao poder, não mais tem razão de ser. O que resta, portanto,
é apenas uma tutela norte-americana.
Em 1998, a OTAN
desencadeou a sua primeira guerra, contra um estado minúsculo (a actual Sérvia)
que não a havia ameaçado fosse de que forma fosse. Os Estados Unidos criaram
lentamente as condições para o conflito, treinando a máfia kosovar em
terrorismo na base turca de Incirlik, organizando depois uma campanha de terror
na Sérvia, acusando em seguida o governo sérvio de a reprimir de maneira
desproporcionada. Após a bigorna ter esmagado a mosca, constatou-se nas
chancelarias que a Aliança era, na realidade, muito pesada e pouco eficiente.
Iniciaram-se, então, profundas reformas.
A Aliança desde o 11 de Setembro de 2001
Com o desaparecimento
da URSS, não restava mais nenhum Estado no mundo capaz de rivalizar
militarmente com os Estados Unidos, e, portanto, ainda menos com a Otan.
Normalmente esta deveria ter desaparecido, mas nada disso se passou.
Primeiro um novo
inimigo surgiu : o terrorismo. A seguir ele atacou diversas capitais da
Aliança, obrigando os Estados-membros a vir em socorro uns dos outros.
É claro que não há
nenhuma comparação entre o que foi o Pacto de Varsóvia e um bando de barbudos
escondidos numa caverna no Afeganistão. No entanto, todos os Estados-membros da
OTAN fingiram acreditar, já que não têm escolha: o único meio de proteger as
suas populações é assinar os comunicados da OTAN, para manter o discurso único
obrigatório.
Apesar de uma abundante
literatura histórica, os Ocidentais ainda não compreenderam que a OTAN foi
criada pelas suas classes dominantes contra eles, e que ela é hoje em dia
utilizada pelos Estados Unidos contra as suas elites. O caso é um pouco
diferente em relação aos Estados Bálticos e à Polónia, os quais entraram
recentemente na Aliança e estão ainda na primeira fase do temor das elites face
aos comunistas.
A zona geográfica quase ilimitada da Aliança
Se a OTAN fosse uma
aliança defensiva, ela limitar-se-ia a defender os seus Estados-membros, mas,
em vez disso, tem alargado a sua zona de intervenção geográfica. Ao ler o
comunicado final de Varsóvia, constata-se que ela se mete em tudo: da Coreia
—onde os Estados Unidos nunca assinaram a paz com a República Democrática— à
África —onde o Pentágono ainda espera instalar o AfriCom—. A única parte do
mundo que lhe escapa é a América Latina, a zona reservada de Washington
(«doutrina Monroe»). Em todos os outros lugares, os vassalos do Pentágono são
instados a enviar as suas tropas para defender os interesses do seu suserano.
A Aliança está hoje em
dia envolvida em todas as guerras. Foi ela que coordenou a queda da Líbia, em
2011, mesmo após o comandante do AfriCom, o general Carter Ham, ter protestado
contra o emprego da Al-Qaida para derrubar Muammar el-Kaddafi. É ela, ainda,
quem coordena a guerra contra a Síria desde a instalação do Allied Land Command
(Comando Aliado Terrestre- ndT), em 2012, em Esmirna, na Turquia.
Pouco a pouco, Estados
Não-europeus foram integrados na OTAN, com níveis diversos de participação. Os
últimos, à data, são o Barein, Israel, a Jordânia, o Catar e o Koweit, que
dispõem, cada um, de um Gabinete na sede da Aliança, desde 4 de Maio.
O que é a Aliança é hoje em dia
Cada Estado-membro é
solicitado a armar-se para participar nas próximas guerras e a isso consagrar
2% do seu PIB, mesmo se ainda se está, na realidade, longe do exigido. Como
estes armamentos devem ser compatíveis com as normas da OTAN solicita-se que
sejam comprados em Washington.
Claro, restam ainda
algumas produções nacionais de armamento, mas não por muito tempo. No decurso
dos últimos vinte anos, a OTAN forçou sistematicamente o encerrar das fábricas
de aeronáutica militar dos seus Estados-Membros, salvo a dos Estados Unidos. O
Pentágono anunciou a criação de um avião multi-tarefas, a um preço imbatível, o
F-35 Joint Strike Fighter. Todos os Estados o encomendaram e fecharam as suas
próprias fábricas. Vinte anos mais tarde, o Pentágono ainda não está em
condições de produzir um único destes aviões multi-tarefa e continua a
apresentar durante as feiras de armamento aviões F-22 reciclados. Os clientes
são constantemente solicitados a financiar as pesquisas, enquanto o Congresso
estuda o relançamento da produção de antigos aviões porque, provavelmente, o
F-35 jamais verá a luz do dia.
A OTAN funciona,
portanto, como uma empresa de extorsão: os que não paguem terão de enfrentar
atentados terroristas.
Tendo os EUA empurrado
os seus aliados para se tornarem dependentes da sua indústria militar cessaram
de a aperfeiçoar. No entretanto, a Rússia reconstituiu a sua indústria de
armamento e a China está prestes a fazê-lo. No momento, o exército russo já
ultrapassou o Pentágono em matéria de armamento convencional. O sistema que
pôde colocar no Oeste da Síria, no mar Negro e em Kaliningrado permite-lhe
desactivar os sistemas de comando da OTAN, os quais tiveram que renunciar a
vigiá-la nestas regiões. E, em material aeronáutico, ela produz já aviões
multi-função de deixar verdes de inveja os pilotos da Aliança. A China, por sua
vez, deverá ultrapassar a OTAN em material convencional daqui a dois anos.
Os Aliados assistem,
pois, à decrepitude da Aliança, que é também a sua, sem reagir, com a excepção
do Reino Unido.
O caso do Daesh (E.I.)
Após a histeria dos
anos 2000 a propósito da Al-Qaida, um novo inimigo nos ameaça: o Emirado
Islâmico no Iraque e no Levante, conhecido como «Daesh». Foi pedido a Todos os
Estados-Membros juntarem-se à «Coligação Mundial» (sic) para o derrotar. A
cimeira de Varsóvia felicitou-se pelas vitórias conseguidas no Iraque, e mesmo
na Síria, apesar «da intervenção militar da Rússia, a sua significativa
presença militar, o seu apoio ao regime» que constituem uma «fonte de riscos e
[de] desafios suplementares para a segurança dos Aliados» (sic) [1].
Tendo toda a gente
percebido muito bem que o Emirado Islâmico tinha sido criado, em 2006, pelos
Estados Unidos, garantem-nos que a organização hoje em dia se voltou contra
eles, como nos tinham impingido a propósito da al-Qaida. Mesmo assim, a 8 de
Julho, enquanto o Exército árabe sírio combatia contra grupos terroristas,
entre os quais o Daesh (EI), a Leste de Homs, a Força aérea americana veio
apoiá-los durante quatro horas. Desta vez para benefício do Daesh com o
propósito de destruir metodicamente o “pipeline” ligando a Síria ao Iraque e o
Irão. Ou, novamente, aquando dos atentados de 4 de Julho na Arábia Saudita
(nomeadamente face ao Consulado norte-americano de Jeddah, do outro lado da
rua) o Daesh utilizou explosivos militares high tech (alta tecnologia) que
actualmente só o Pentágono possui. Não é, pois, difícil compreender que com uma
mão o Pentágono combate o Emirado Islâmico em certas zonas, enquanto, com a
outra, lhe fornece armas e um apoio logístico em outras zonas.
O exemplo ucraniano
O outro bicho-papão é a
Rússia. As suas «acções agressivas (…) e incluindo as suas provocadoras
actividades militares na periferia do território da OTAN, e a sua vontade
revelada de atingir objectivos políticos através da ameaça ou do emprego da
força, constituem uma fonte de instabilidade regional, representam um desafio
fundamental para a Aliança» (sic).
A Aliança reprova-lhe
ter anexado a Crimeia, o que é exacto, negando aqui o contexto desta anexação:
o golpe de Estado organizado pela CIA em Kiev e a instalação de um governo que
inclui nazis. Em suma, os membros da OTAN têm todos os direitos, enquanto a
Rússia violaria os acordos que tinha concluído com a Aliança.
A cimeira de Varsóvia
A cimeira não permitiu
a Washington colmatar as brechas. O Reino Unido que acaba de pôr um fim à sua
«relação especial» saindo da União Europeia recusou-se a aumentar a sua
participação na Aliança para compensar o esforço que cancelou no seio da UE.
Londres refugiou-se atrás da sua próxima mudança de governo para iludir as
questões.
No máximo puderam tomar
duas decisões: instalar bases permanentes na fronteira russa e desenvolver o
escudo anti-míssil. Sendo a primeira decisão contrária aos compromissos da
OTAN, agirão instalando tropas que alternarão de modo que não haverá aí nenhum
contingente permanente, mas, em que as tropas estarão sempre presentes. A
segunda consiste em utilizar o território de Aliados para aí colocar soldados
norte-americanos e um sistema de armas. Para não vexar os povos que ocuparão,
os Estados Unidos aceitaram colocar o escudo anti-míssil não não sob o seu
comando, mas sob o da OTAN.
O que apenas muda no
papel, já que o Comandante supremo da Aliança, actualmente o general Curtis
Scaparrotti, é obrigatoriamente um oficial norte-americano nomeado unicamente
pelo Presidente dos Estados Unidos.
Tradução Alva
*Thierry Meyssan: Intelectual francês, presidente-fundador
da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre
política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa.
Última obra em francês: L’Effroyable imposture: Tome 2,
Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra
publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en
los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).
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