28 julho 2016, Lula
http://www.lula.com.br (Brasil)
DOCUMENTO
APRESENTADO PELOS ADVOGADOS DO EX-PRESIDENTE LULA DA SILVA AO COMITÊ DE DIREITOS
HUMANOS DA ONU, EM GENEBRA
“Comunicação no âmbito do Protocolo
Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (ICCPR)”
apresentada pelos advogados do ex-Presidente Lula da Silva em Genebra
28 julho 2016, Lula http://www.lula.com.br (Brasil)
Tradução
livre do
documento
original redigido em inglês
Comunicação no âmbito
do Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e
Políticos (ICCPR)
Para: Setor de
Petições, Escritório do Alto Comissariado dos Direitos Humanos, Escritório das
Nações Unidas em Genebra, 1211 Genebra 10, Suíça
28 de Julho 2016
PARTE
I
Reclamante
Nome:
Luiz Inácio Lula da Silva,
conhecido como ‘Lula’
Nacionalidade:
Brasileiro
Data e Local de
nascimento: 27 de outubro de 1945, Garanhuns,
Pernambuco, Brasil
Endereço para Correspondência
c/-
Valeska Teixeira Martins e Cristiano Zanin Martins
Teixeira,
Martins e Advogados
Rua
Padre João Manuel
755,
19º andar
CEP 01411-001
CEP 01411-001
São Paulo/SP
Brasil
Email:
valeska@teixeiramartins.com.br
Telefone: +55 11 3060 3310
c/ - Geoffrey Robertson Q.C.
53/54 Doughty Street Chambers
London
WC1N 2LS
United Kingdom
Telefone: +442076247146
Nome
do País ao qual a reclamação é direcionada
Brasil (que ratificou a ICCPR em 1992; ratificou o
Protocolo Facultativo em 2009)
Línguas
O correspondente fala Português, língua nativa do
Brasil. Como esta não é uma língua da HRC, todos os documentos deste caso
deverão ser traduzidos para o inglês.
PARTE
II
Artigos
do Pacto que foram violados
(i)
Artigo 9 (1) e (4) - proteção contra a prisão ou
detenção arbitrária
(ii)
Artigo 14 (1) - o direito a um tribunal independente
e imparcial
(iii)
Artigo 14 (2) - direito de ser presumido inocente
até que se prove a culpa por lei
(iv)
Artigo 17 - proteção contra interferências
arbitrárias ou ilegais na privacidade, família, lar ou correspondência, e
contra ofensas ilegais à honra ou reputação.
APLICAÇÃO A OUTROS
PROCEDIMENTOS INTERNACIONAIS
Esta questão não foi submetida ao exame de qualquer
outro procedimento internacional de investigação ou solução.
ESGOTAMENTO
DOS REMÉDIOS INTERNOS
Para cada abuso de poder que uma queixa aqui é
feita, não há remédio conferido pela lei brasileira ou procedimento disponível
em um prazo razoável e/ou eficaz. Ver Parte IV.
PARTE
III
FATOS DA RECLAMAÇÃO
HISTÓRICO
1. Lula foi presidente eleito do Brasil,
cargo que ocupou de 2003 a 2010. Ele foi um metalúrgico, que se tornou líder
sindical e fundou o Partido dos Trabalhadores, um dos principais partidos com
representação no Congresso, ou seja, na Câmara dos Deputados e no Senado
Federal. Sua sucessora como presidente, a Sra. Dilma Rousseff, também é membro
do Partido dos Trabalhadores. Desde que deixou a presidência, Lula se mantém
fazendo palestras e permanece politicamente ativo. Ele é reconhecido
internacionalmente como um lutador dos direitos dos trabalhadores para o
desenvolvimento econômico e social do país, com ênfase no alívio da pobreza. No
Brasil sua honra e reputação são altas, particularmente entre os mais pobres. No
entanto, ele tem muitos opositores nas classes média e alta, os quais estão
prontos para falar mal dele quando é difamado por juízes e promotores, que o
incluíram como suspeito em investigações de corrupção. Essas autoridades tentam
criar expectativas na população da culpa de Lula, com a colaboração da mídia,
que também é quase toda contra o ex-presidente e o Partido dos Trabalhadores.
2. Lula não interpõe o presente recurso com
a pretensão de estar acima da lei: como um ex-presidente, ele não exerce
qualquer função ou detém qualquer privilégio, e sempre auxiliou a polícia e os procuradores
quando chamado a prestar esclarecimentos em inquéritos policiais ou outros
procedimentos investigatórios. Ele protocola este recurso porque é vítima de
abuso de poder por um juiz, com a cumplicidade de procuradores que o atendem e
atuam lado a lado com os meios de comunicação. Esses abusos não podem ser
satisfatoriamente corrigidos na legislação brasileira. Tendo sido informado de
que certas violações dos direitos humanos que ele tenha sofrido ou é suscetível
de sofrer (especialmente invasão de privacidade, prisão arbitrária, detenção
antes do julgamento, presunção de culpa e incapacidade de afastar um juiz
tendencioso) são contrárias ao direito internacional dos direitos humanos, Lula
busca uma decisão nesse sentido pelo Comitê, na esperança e expectativa de que
os seus pontos de vista sobre estas queixas não só irão fornecer alguma
compensação pela violação de seus direitos, mas vão ajudar os futuros governos
na elaboração de leis e procedimentos que possam aprimorar o combate à
corrupção, enquanto protegem os direitos básicos dos suspeitos.
3. A corrupção há muito tem sido um
problema no Brasil, embora um estudo recente tenha concluído ser menos grave do
que na maioria dos países e que tende a ser exagerada pela mídia local[1].
No entanto, e não obstante as outras reivindicações durante os seus mandatos
presidenciais, Lula tomou uma série de iniciativas legislativas para combater a
corrupção no País, como também o fez sua sucessora[2].
Houve um caso, intitulado "Mensalão", relacionado a supostos
‘subornos’ recebidos por uma série de deputados e membros de vários partidos
(incluindo o Partido dos Trabalhadores) que foram condenados. Contudo, um
inquérito oficial concluiu que de fato Lula não teve nenhuma participação.[3]
4. O caso em que ele se tornou um suspeito
é a chamada “Operação Lava Jato”. Esta Operação se desenvolve na jurisdição
federal do Estado do Paraná e está sob a responsabilidade do juiz da 13ª Vara
Criminal Federal de Curitiba, Sérgio Moro. Ele é um “soldado” (referência às
Cruzadas) que acredita que as condenações de corrupção devem ser obtidas
através de procedimentos que violam os direitos humanos. Como ele explica em
palestras, a hostilidade pública deve ser estimulada contra determinados
suspeitos políticos poderosos, cujas acusações se tornam mais fáceis se forem
apoiadas por uma multidão. Eles deverão ser mantidos na prisão até que
confessem (isto é, até ser feita uma delação), sofrendo descrédito público,
sendo ou não sendo condenados. Provas obtidas por escutas telefônicas que
possam mostrá-los, ou as suas famílias, como más pessoas, devem ser divulgadas
ao público (ver adiante, item 28). Moro tornou-se um homem consumido por um
desejo de auto publicidade, a fim de engrandecer sua cruzada contra políticos que
ele alega serem corruptos, permitindo que livros e revistas descrevam ele como
o "herói do Brasil" por sua jornada contra a corrupção. Isto não
seria uma desqualificação a um jornalista ou a um político, mas é totalmente
inadequada para um juiz supostamente imparcial. Moro publicamente chegou a participar
do lançamento de um livro intitulado “Lava Jato”, que contém sua fotografia na
capa e que trata sua biografia de maneira idealizada enquanto que demoniza
Lula, colocando-o "no centro da Lava Jato”. Os direitos desse livro foram
vendidos e servirão de base para uma série da Netflix a ser lançada em 2017, a
qual, na mesma linha do livro, presumivelmente, irá retratar Moro como herói e
Lula como vilão. Trata-se de uma situação sem precedentes, em termos de segurança
e de comportamento ético, um juiz endossar, publicamente, um livro que condena
um homem a quem ele vai julgar.
5. É uma anomalia da lei brasileira o fato
do juiz que tem jurisdição sobre uma investigação, e, portanto, é quem aprova
as ações, os mandados e o desenvolvimento das investigações do caso por parte
da polícia e do Ministério Público, ser também o juiz que determina a culpa ou
a inocência, depois que ele decidir que o caso deve proceder a um julgamento.
Não há júri (exceto em casos de crimes contra a vida) e o juiz atua sem
assessores. Portanto, há um perigo claro de parcialidade, no caso de um juiz
que deu início a processos de investigação contra um suspeito/réu e ordenou
procedimentos de busca e intercepção na esperança de incriminá-lo, com o
pressuposto de que ele é provavelmente culpado. A maioria das jurisdições
separa a fase de investigação da fase de julgamento, mas o Brasil não. Todas as
outras jurisdições, pelo menos, permitem judicialmente recusar o juiz da
instrução que demonstrou hostilidade ao réu: este juiz não pode ser considerado
imparcial.
6. É outra anomalia da lei brasileira um
juiz na fase de investigação poder determinar a prisão de um suspeito por tempo
indeterminado até que ele faça uma "delação" aceitável para os
promotores. Isso implicará uma confissão, suscetível de ter sido induzida por
um desejo de sair da prisão. O mesmo juiz que aprova a chamada delação
premiada, em seguida, torna-se o juiz que julgará o caso, condenando o delator
e emitindo sua sentença.
7. A
"Operação Lava Jato", sem dúvida, descobriu alguns casos graves de
corrupção na empresa nacional de petróleo e gasolina, a Petrobras, como
resultado da aparente atuação ilegal das cinco maiores empresas de construção
do Brasil, que supostamente formaram um cartel, e, ainda, do desejo de vários
partidos, em todo o espectro político, para o financiamento secreto de
campanhas, o chamado “caixa 2”. A alegação é que o cartel das construtoras
concordou com um sistema de falsa licitação, no qual o "vencedor" iria
ser contratado por uma soma muito maior do que o trabalho valeria: pagamentos
ilícitos poderiam, posteriormente, ser feitos aos diretores da Petrobras, aos
funcionários que facilitaram o esquema e aos políticos que davam sustentação
política a esses funcionários. Isso equivale à corrupção em nível
institucional. Muitos suspeitos foram presos e alguns condenados - embora em
delações premiadas de confiabilidade questionável, porque elas foram feitas
para obter liberação da prisão.
8. O requerente sempre afirmou que apóia a
investigação adequada de quaisquer crimes cometidos pelo cartel das
construtoras e de qualquer cumplicidade nestes crimes por funcionários e
políticos de qualquer partido. Ele tem repetida e enfaticamente negado que
tenha conhecimento, tampouco, que tenha aprovado tais crimes, ou recebido
qualquer dinheiro ou favores como "propina" por ações ou decisões que
ele tenha tomado quando presidente do Brasil, ou em qualquer outro momento. Ele
refuta, em detalhes, as alegações de que as empresas de construção o ajudaram a
comprar um apartamento (ele não o comprou), ou que tenham equipado uma
propriedade rural (que é de propriedade de amigos) como contrapartida de
qualquer favorecimento, ou, ainda, que tenham pago por suas palestras como um quid pro quo por serviços fornecidos
enquanto ele era presidente (as palestras foram ministradas anos depois que ele
deixou o cargo e nenhuma prova surgiu sobre tal acordo: as palestras foram
dadas por uma quantia fixa e não tinham nenhuma referência a qualquer
precedente, ou um ato de corrupção por parte do Presidente). Ele sempre se
submeteu voluntariamente a pedidos de interrogatórios feitos pela polícia ou
pelo Ministério Público. No entanto, ele sofreu nas mãos do juiz Moro violações
ultrajantes de sua privacidade em uma curta, mas injusta, detenção sem previsão
legal, autorizada por um mandado de condução coercitiva emitido por Moro; e
porque este abriu investigações sobre ele, Lula provavelmente está suscetível a
uma arbitrária detenção por prazo indeterminado e a um julgamento injusto de um
juiz tendencioso. Por causa de vazamentos sistemáticos do juiz e dos
procuradores, os meios de comunicação têm criado um clima em que a sua culpa é
presumida.
9. O Juiz Moro (que foi dispensado de todas
as outras funções para poder se concentrar em tempo integral à Lava Jato) e os
membros do Ministério Público (que fazem parte da chamada “Força Tarefa Lava
Jato”), liderados pelo Procurador Geral da República Rodrigo Janot (que também
é o procurador-geral do Brasil) não fazem segredo da teoria com base na qual
eles estão tentando prender e condenar Lula[4]. É
uma doutrina desacreditada que surgiu durante a operação 'Mãos Limpas' (mani pulite) no início dos anos 1990,
que envolvia figuras políticas italianas (incluindo o primeiro-ministro) em conluio
com a Máfia Italiana. Tal teoria é traduzida literalmente como "domínio do
fato" embora pareça ser uma versão distorcida do princípio do direito
penal internacional da "responsabilidade de comando". Na opinião de
Moro e dos membros do Ministério Público, isso significa que, quando um grave
crime pode ser imputado a uma quadrilha, a presunção de inocência é invertida
em relação ao líder desta, presumindo-se que seja ele culpado, a menos que
prove a sua inocência. Claro, não pode haver equivalência entre o governo do
Brasil e a Máfia Italiana. A quadrilha envolvida na Lava Jato foi o cartel de
empresas construtoras, do qual nunca poderia ter se alegado que Lula era o
chefe. Mas, em qualquer caso, "responsabilidade de comando" (derivada
da decisão da Suprema Corte em US v Yamashita) exige o conhecimento do crime e
a aprovação do mesmo por um líder, e nenhuma evidência de ambos estados mentais
(intenção) surgiram contra Lula. No entanto, a fim de despertar a ira do
público contra ele e aumentar a expectativa pública de que ele será considerado
culpado, os promotores e o juiz estão revelando muitos dos documentos
apreendidos, bem como as transcrições de intercepções telefônicas para a mídia
local, criando uma expectativa de que Lula será preso e considerado culpado. O
Procurador Geral na União Rodrigo Janot denunciou Lula baseado em que “uma
organização criminosa não poderia existir sem a participação de Lula”. [5]Um procurador
porta voz da força tarefa da Lava Jato, Carlos Fernando dos Santos Lima,
declarou publicamente que ele é culpado. Uma reclamação foi protocolada por
Lula em objeção a essa conduta persecutória danosa e indevida junto ao órgão de
controle externo do Ministério Público (o Conselho Nacional do Ministério
Público), mas este entendeu que não seria possível tomar uma medida para
impedi-lo de agir dessa forma.
10. O Comitê tem de ser astuto ao defender
os direitos humanos fundamentais no que diz respeito ao tratamento dos
suspeitos de terrorismo, e, diante de toda a raiva pública que pode ocorrer contra
políticos acusados de corrupção, deve-se garantir que estes serão tratados
pelos mesmos padrões. Desde o início da Lava Jato, que começou em 2014, as
normas foram desrespeitadas e a Convenção violada. O juiz de instrução acredita
ter poder para abusar daqueles que ele tem como alvo, levando a público
delações, transcrições e gravações de áudio de conversas telefônicas
autorizadas por ele, sujeitando os suspeitos à detenção por tempo indeterminado
até a confissão destes; agindo para oprimi-los de uma maneira que ele sabe ser
contrária à lei e (com a ajuda de policiais e promotores) liberando informações
confidenciais seletivas aos meios de comunicação conhecidos por serem
politicamente hostis a Lula, para que ele possa ser estigmatizado e demonizado
antes de seu julgamento, caso este ocorra.[6]
11. O requerente pede ao Comitê de Direitos
Humanos para decidir sobre seis violações específicas da Convenção às quais ele
foi submetido até o momento:
RECLAMAÇÃO
-Pedido 1: Artigo
9 (1) O ilegal mandado de condução coercitiva de 04 de março
12.
Essa foi uma flagrante violação à lei brasileira pelo juiz Moro, o qual possuindo
conhecimentos jurídicos básicos, agiu consciente do caráter ilegal e arbitrário
da ação que tomou ao restringir a liberdade de Lula com a emissão de um mandado
de condução coercitiva. É de conhecimento dos advogados e juízes brasileiros
que o artigo 260 do Código de Processo Penal Brasileiro estabelece uma
pré-condição essencial para a emissão de um mandado de condução coercitiva:
“Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o
interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa
ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença.”
13. Está claro como cristal na
legislação, corroborado pela jurisprudência, que este é um procedimento
obrigatório que priva o suspeito da sua liberdade (ou seja, forçando-o a deixar
a sua casa para acompanhar a equipe da polícia/promotoria para o local que
estes escolheram para o interrogatório, e pelo tempo que desejarem interrogar)
e só pode ser ordenado por um juiz quando o acusado tenha explicitamente se
recusado a depor anteriormente. O juiz deve primeiramente intimar o réu
potencial e, somente se este falhar ou se recusar a responder, poderá emitir um
mandado de condução coercitiva.
14.
Neste caso, no entanto, o juiz Moro emitiu o mandado de condução coercitiva em
02/03/2016 para execução em 04 de março. De manhã cedo, o ataque contra a casa
de Lula foi liberado para a mídia, sem dúvida, a partir de um instrumento da
acusação (ou seja, do juiz, do promotor federal e da polícia federal). Os
policiais entraram na casa com o mandado de condução às 6h e exigiram que Lula
os acompanhasse - não para a delegacia mais próxima, mas para a área da Polícia
Federal no Aeroporto de Congonhas, localizado a uma hora de sua casa. Lula se
recusou, embora tenha afirmado que responderia a todas as questões em sua casa.
A polícia insistiu que ele obedecesse ao mandado, caso contrário ele seria
preso. Seu advogado, ao saber que o mandado de condução coercitiva tinha sido
assinado pelo juiz Moro, aconselhou-o por telefone, que ele não tinha
alternativa prática a não ser obedecê-lo, apesar da sua ilegalidade. Portanto,
Lula acompanhou a polícia: a foto abaixo mostra ele (a direita) sendo conduzido
de seu apartamento em um elevador cheio de policiais. Eles o levaram para o
aeroporto, onde o questionamento continuou por cerca de quatro horas. Como era
de conhecimento do juiz Moro, a notícia de que ele havia emitido um mandado de
condução coercitiva para interrogatório obrigatório foi liberada para a mídia.
Consequentemente, fotos foram tiradas de Lula como se ele estivesse sendo preso
e, durante o período em que ele estava no aeroporto, o local foi o cenário de
manifestações a seu favor e contra. Todo o evento foi encenado pelos
procuradores de modo a dar a impressão de que Lula estava preso porque ele
teria evitado depor, e teve que responder.
(Foto: Lula no elevador obtida de uma CCTV de 4 de
março de 2016)
15.
Este espetáculo foi claramente previsível, o que torna falsa a posterior
justificativa do juiz para a emissão do mandado de condução coercitiva. Moro
afirmou que o mandado de condução coercitiva era necessário para garantir a
segurança de Lula, "a fim de evitar a perturbação da ordem pública",
porque era menos provável que os distúrbios seriam causados no aeroporto do que
em sua casa. Esta não é uma justificativa, uma vez que a pré-condição legal
para a emissão do mandado nunca foi cumprida (isto é, não houve recusa de
depoimento) e assim a questão de ordem pública não poderia surgir. Foi também
hipócrita, porque a quebra da ordem pública ocorreu no aeroporto (grupos rivais
se reuniram para insultar uns aos outros) porque o fato de Lula ter sido detido
por um mandado de condução coercitiva havia sido vazado para a mídia pela
equipe da polícia/promotoria.
16.
Em sua decisão na Exceção de Suspeição, a qual buscava sua retirada do caso, o
Juiz Sérgio Moro forneceu uma nova justificativa para suas ações, ou seja, uma
alegação de que teve conhecimento através das interceptações telefônicas de que
Lula tinha ouvido falar do mandado e estava disposto a "ligar para alguns deputados
para surpreendê-los", e que isso poderia ter interferido nas buscas. No
entanto, neste contexto, esta foi apenas uma idéia para que alguns membros do
Ministério Público pudessem estar presentes na qualidade de testemunhas de
qualquer ação policial, o que seria seu direito legítimo. Não se pode
justificar um pedido compulsório de interrogatório, quando o suspeito não tenha
recusado ser interrogado.
17.
O comportamento ilegal do juiz Moro foi objeto de comentários de especialistas,
por exemplo, "mandado de condução coercitiva de Lula foi ilegal e
espetacularizado, dizem advogados" (Conjur,
04 de março de 2016 , Anexo A) e "Foi legal o mandando de condução
coercitiva de Lula?" (Revista Epoca, 08
de março de 2016. Anexo A). Todos ressaltaram que
um mandado de condução coercitiva não pode ser emitido a menos e até que o
suspeito se recuse a depor no inquérito. Não só Lula nunca foi chamado para
depor naquele inquérito, como, nas vezes em que foi intimado para depor, sempre
compareceu e prestou esclarecimentos. A pretensão usada pelo juiz Moro para
"justificar" o mandado de condução coercitiva, ou seja, um medo de
desordem pública, é hipócrita precisamente porque esta é exatamente a
consequência que poderia ser prevista ao utilizar-se de um mandado de condução
coercitiva para forçá-lo a depor, ao invés de permitir que ele testemunhasse
voluntariamente. O fato da ‘detenção’- a detenção compulsória do ex presidente
- foi (como os promotores bem sabiam, porque tinham vazado para a mídia)
calculado para dar a impressão de que ele não cooperava e tinha algo a
esconder, pois estava sendo submetido a um processo compulsório usado apenas
com suspeitos que não cooperam.
18.
Este episódio do mandado de condução coercitiva de Lula destaca-se como uma
ilegalidade descarada, usada para prejudicar sua liberdade e sua segurança
individual e danificar sua reputação e honra pública. Embora o período pelo
qual ele foi compulsoriamente detido tenha sido de apenas 6 horas, o evento (e
as demonstrações provocadas) tiveram um enorme efeito simbólico: manifestantes
anti-Lula no aeroporto carregavam bonecos do requerente com roupa de
presidiário, na expectativa da sua prisão (veja as fotografias no texto do
Anexo B, as quais foram amplamente publicadas em todo o Brasil nos jornais e na
televisão). Essas consequências foram deliberadamente provocadas por um juiz
hostil que abusa de poder judicial para emitir uma ordem ilegal, a qual ele
sabia que resultaria em um degradante espetáculo à honra do ex-presidente, e
contra o qual ele não teria nenhum remédio eficaz.
19.
A emissão do mandado de condução coercitiva foi claramente uma violação do
artigo 9 (1) do ICCPR, a saber:
"1. Toda pessoa tem direito à liberdade e segurança.
Ninguém será submetido à prisão ou detenção arbitrária. Ninguém pode ser
privado da sua liberdade, salvo pelos motivos e de acordo com os procedimentos
que são estabelecidos por lei".
O
mandado de condução coercitiva de Lula o privou de sua liberdade - ele ficou
detido obrigatoriamente por 6 horas, e levado pela polícia para um lugar
impróprio para interrogatório. Ele se ofereceu para responder a perguntas em
sua casa, mas este pedido foi recusado. A detenção foi ilegal (e, assim,
arbitrária) uma vez que a condução coercitiva está disponível apenas para
aqueles que já se recusaram a depor. A justificativa 'ordem pública' para
usá-la de forma ilegal não foi e não pode servir como uma defesa ou como uma
desculpa. Este é um exemplo notório de excesso judicial pela quebra da lei,
neste caso, com o objetivo de envergonhar e demonizar um suspeito contra o qual
não há nenhuma evidência significativa de um crime.
20.
A posição foi descrita de forma precisa pelo Prof. Celso Antônio Bandeira de
Mello, Professor de Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo em uma entrevista publicada:[7]
"Um bruto ato
ilegal foi cometido. Um mandado de condução não pode ser imposto a ninguém, a
menos que essa pessoa se recuse a depor. Se a pessoa em questão nunca se
recusou a depor; tem um lugar fixo, é uma pessoa que todo mundo sabe onde
encontrar; se a pessoa é uma figura pública, como o ex-presidente Lula, que
testemunhou em cada ocasião ele foi chamado a fazê-lo, não há sentido em pedir
um mandado de condução.
Um mandado de condução
é uma ação violenta, literalmente, em um caso como este. Se estivéssemos sob o
Estado de Direito, a pessoa que ordenou tal ato ilegal, obviamente, iria sofrer
uma sanção por ter agido além de sua jurisdição.
Tal sanção deve ser
imposta contra o juiz que ordenou o mandado de condução. E também contra o MPF
(o Ministério Federal), porque ele não deve cumprir uma ordem que é claramente
ilegal. Esta é uma ordem ilegal, portanto, o MPF também deve ser punido.
Eu acho que nada de
relevante vai acontecer. O que deve acontecer é responsabilizar o juiz para o
referido ato ilegal, e o Ministério Federal por ter cumprido a ordem judicial
ilegal. Este deve ser o procedimento de acordo com a lei. Mas a lei espera que
a normalidade, e não estamos vivendo em um ambiente de normalidade, não é? Pelo
menos eu não penso assim."[8]
21.
O Ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal também comentou
no dia da realização da condução coercitiva:
"Eu
não entendo. Um mandado de condução coercitiva só é aplicável quando um
indivíduo apresenta resistência e não aparece para depor. E Lula não recebeu
uma intimação (...) Será que ele (Lula) quer esse tipo de proteção? Eu acredito
que, na verdade, este argumento foi dado para justificar um ato de força. (...)
Este é um revés, e não um progresso. (...) Somos juízes, e não legisladores, ou
vingadores.”[9]
Lula prestou depoimento na sexta-feira,
na 24ª fase da Lava-Jato Foto: Marcos Bizzotto / Raw Image
(Foto: AFP- O Aeroporto de congonhas ficou lotado
de protestantes a favor e contra Lula)
22.
Não há dúvida, com base na jurisprudência do Comitê, que o artigo 9 (1) está
envolvido. Embora a detenção tenha sido por "apenas" 6 horas, as suas
consequências para Lula foram calamitosas, em vista da publicidade e da
insinuação do mandado de condução coercitiva de que ele estava se escondendo da
justiça. A Comissão de Direitos Humanos inclui 'prisão domiciliar' como uma
privação de liberdade: assim também é o transporte obrigatório para
interrogatório (veja Jaona v Madagascar Com 132/1983, (1985), parágrafos
13-14). O mandado de condução coercitiva era manifestamente ilegal e
arbitrário, uma vez que é inadequado e injusto (De Guerroro v Colômbia Com
45/1979, Doc ONU CCPR/C/15/D/45/1979 (1982)). Oito horas de detenção, mesmo
quando lícito, foi considerada desproporcional e, portanto, arbitrária: Spakmo
v Noruega Com 631/1995 (1999) §6.3.
Pedido 2: Artigo 17:
Publicação pelo juiz Moro de interceptações (a) autorizadas e (b) ilegais e não
autorizadas
23.
Em fevereiro de 2016, tendo secretamente solicitado e recebido os registros
bancários e fiscais do requerente e de sua família, o juiz Moro aprovou um
pedido para interceptar os telefones do autor, dos membros da sua família e de
seu advogado (esta última ação será objeto da próxima reclamação). A própria
Constituição Federal prevê o sigilo das chamadas telefônicas no artigo 5º,
inciso XII:
“É inviolável o sigilo da
correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações
telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na
forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução
processual penal”
24. A lei brasileira sobre escuta
telefônica, Lei 9.296/96, estabelece em seu artigo 2º, que esta não deve ser
permitida quando:
(i)
Não há indicações razoáveis de que um indivíduo cometeu ou participou de um
crime, ou
(ii)
A prova pode ser produzida por outros meios.
25.
É a afirmação do requerente de que nenhuma das condições foi cumprida. Embora a
lei não conceda a Lula nenhum remédio eficaz, o fato de que algumas
intercepções de suas chamadas foram para a Presidente, permitiu que esta
buscasse um remédio diretamente no Supremo Tribunal Federal. Na denúncia da
presidente Dilma Rousseff No. 23.457/PR, o Ministro Teori Zavascki determinou
(em 22 de março) que as razões dadas pelo juiz Moro eram insuficientes para
justificar essas medidas excepcionais, que foram tomadas por razões
"meramente abusivas"(Anexo C). Não obstante esta ilegalidade, o juiz
Moro recebeu muitas transcrições de conversas entre o autor, sua família, seus
advogados e outras pessoas, que foram autorizadas sem motivo legal, mas, na
sequencia, ele autorizou o levantamento do sigilo das conversas interceptadas.
Isto foi um ato reprovável e ilegal (o artigo 17 da jurisprudência do Comitê
concorda com esta posição, ou seja, que o Estado deve tomar medidas para
garantir que a coleta, armazenamento e utilização de dados pessoais não sejam
sujeitos a abusos, ou sejam utilizados para fins contrários ao artigo 17 do
Pacto[10]),
26. O artigo 8º da Lei n° 9.296/96:
"Chamadas de
telefone grampeadas, de qualquer natureza, deverão ser depositados em registros
separados, anexados aos autos da investigação policial ou do processo criminal,
preservando o sigilo de procedimentos, gravações e respectivas
transcrições".
27.
Segue-se que um juiz não tem o direito, poder ou critério para liberar as
transcrições dos grampos telefônicos para a mídia. Com efeito, nos termos do
artigo 10 da mesma lei:
"É um crime
grampear dados de telefone e comunicações telemáticas ou quebrar segredo de
Justiça, sem autorização judicial ou com fins não autorizados por lei."
28.
Não obstante o seu conhecimento de que o que estava fazendo, equivaleria a uma
infração penal, o juiz Sérgio Moro, em 16 de março de 2016, liberou para a
mídia várias transcrições de interceptações telefônicas entre Lula, sua esposa,
seus advogados, sua família (incluindo as esposas de seus filhos) e terceiros.
Ele divulgou não só as transcrições, mas as versões em áudio dos diálogos
interceptados, para que eles pudessem realmente ser divulgados nas rádios e na
televisão e baixados em sites por curiosos do público. Esta foi uma violação
escandalosa do direito do requerente à privacidade, sem justificativa
concebível. Isso foi projetado para gerar a máxima humilhação pública e
embaraço para Lula e sua família. A malícia do Juiz Moro é demonstrada pela sua
decisão de liberar as transcrições de uma discussão robusta entre a esposa de
Lula e seu filho sobre os manifestantes, e de uma discussão entre sua nora e parceiro
de negócios de seu marido que deu origem a fofocas. A divulgação desse material
para a imprensa não tinha interesse público concebível e foi feita por maldade,
com o objetivo de publicamente humilhar e intimidar o suspeito contra quem seus
procedimentos invasivos não haviam produzido nenhuma evidência de crime.
29.
O comportamento do juiz Moro ficou ainda mais sem respaldo legal. Ele havia
ordenado o fim da intercepção às 11:12hs em 16 de março de 2016, quando enviou
um aviso urgente para o Ministério Público Federal solicitando a descontinuação
das escutas telefônicas de Lula. Às 11:44hs, registros confirmam que o Chefe da
Polícia Federal foi notificado. Mas, ao contrário, e em desobediência à ordem
do juiz, a interceptação ainda estava ativa às 13:32hs, quando Lula ligou para
o escritório pessoal da presidente Dilma Rousseff e discutiu aspectos
relacionados à sua nomeação como ministro da Casa Civil. Embora essa conversa
tenha sido interceptada contrariamente à sua ordem, o juiz Moro decidiu
liberá-la para a mídia naquela mesma tarde. Essa conversa, contudo, não só foi
ilegalmente gravada, como ele bem sabia, mas era irrelevante para qualquer
assunto da "Operação Lava Jato". No entanto, continha informações
sensacionalistas (isto é, o iminente retorno de Lula ao governo) e Moro sabia
que isso iria causar agitação política. A nomeação de Lula também teria o efeito
de levar o seu caso para fora da jurisdição do juiz Moro, remetendo-o para a
jurisdição do Supremo Tribunal (a partir da nomeação, a acusação teria de
proceder contra Lula diante de um ministro do Supremo Tribunal, porque ele passaria
a ser um ministro do governo),
consequência que Moro estava desesperado para evitar. Tão desesperado que ele,
deliberadamente, violou a lei que exigia que ele enviasse as transcrições
relativas à Presidente imediatamente para o Supremo Tribunal.
30.
Além disso, as revelações sobre a transcrição ilegalmente obtidas eram, como
Moro bem sabia, para causar uma sensação de caos político, o que, é claro,
ocorreu.
31.
Em 29 de março de 2016, o juiz Sérgio Moro prestou informações ao Supremo
Tribunal Federal, nas quais reconheceu que o levantamento do sigilo causou
“constrangimentos desnecessários”, além de pedir “respeitosas escusas” à
Suprema Corte - mas não a Lula, que foi o maior prejudicado (Anexo D). No mesmo
ofício enviado à Suprema Corte Brasileira, o juiz fez diversas acusações contra
o ex-Presidente, inclusive acusações de que ele tinha a intenção de praticar o
ato de obstrução da Justiça, o que é crime no Brasil. Além disso, chegou a
fazer comentários danosos sobre questões que são objeto de investigações que estavam
em trâmite perante o STF, por exemplo, a acusação de que o ex-Presidente é o
real proprietário de um sítio em Atibaia, cuja titularidade ele nega. Isso é
objeto da denúncia que Moro poderá agora levar a julgamento, e os comentários
revelaram sua parcialidade. Por não menos de doze vezes, Moro fez acusações criminais
contra Lula - uma questão que será examinada sob o Pedido 4, o direito a um
juiz imparcial.
32.
Moro justificou a divulgação das transcrições das fitas ilegais para os meios
de comunicação sustentado no interesse público, apesar disso não ser defensável.
Foi uma desculpa rejeitada pelo Ministro Zavascki quando ele analisou a ação
trazida pela presidente:
"A divulgação pública das conversas é inaceitável...
Contra uma regra constitucional expressa (ver parágrafo 22 acima), não é
razoável dizer que o interesse público justifica a divulgação ou que as partes
afetadas são figuras públicas (como se eles não tivessem direito à
privacidade)... é preciso reconhecer a irreversibilidade dos efeitos práticos
decorrentes da divulgação indevida das conversas telefônicas" (Anexo
E).
33.
Por que o juiz Moro desobedeceu a lei e achou (corretamente) que ele poderia
escapar? Porque ele percebeu que tinha (embora de forma ilegítima) gravado a
Presidente (cujo recurso estava sob a jurisdição do Supremo Tribunal Federal, e
não do juiz Moro) e que Lula, tendo sido nomeado Ministro Chefe da Casa Civil,
também estaria fora de seu alcance, uma vez que ele também passaria a ser de
responsabilidade do Supremo Tribunal. Portanto, a liberação ilegal das
gravações na tarde daquela quarta-feira de 16 de março foi projetada para criar
um clamor público político e exercer uma forte pressão para reverter a nomeação
de Lula. A liberação das transcrições por Moro levou a protestos contra o
governo em todo o país e a manifestações exigindo que Lula fosse demitido e
preso: fotografias anexas mostram manifestantes com grandes bonecos de Lula
vestido de presidiário (Anexo F). Os manifestantes adotaram a versão fornecida
pelo Ministério Público, ou seja, de que a nomeação de Lula não foi uma decisão
feita com base no interesse público, mas sim uma tentativa de protegê-lo da
jurisdição investigativa de Moro. O próprio Moro justificou sua violação à lei
por razões de interesse nacional. Essa não é uma defesa válida. Além disso, o
interesse nacional que invocou foi de fato seu próprio interesse egoísta em
manter o poder através de sua capacidade de indiciar um ex-presidente.
34.
Além disso, o fato da nomeação de Lula como Chefe da Casa Civil seria, de
qualquer modo, anunciado ao público pelo Gabinete da Presidência na manhã de 16
de março, e que não era necessário informar a população por meio da divulgação
de interceptações telefônicas que isso teria como consequência a remoção de
Lula da jurisdição de Moro - isso era óbvio desde sua nomeação. A decisão de
Moro para revelar as transcrições confidenciais deu à nomeação um tom sinistro
(assim como sensacionalista) e foi usada para dar a impressão de que Lula
estava ansioso para escapar da prisão porque ele era culpado.
35.
Em 13 de junho de 2016, o Ministro Zavascki proferiu a decisão final sobre a
"violação dos dados e confidencialidade telefônica" por Moro no caso
trazido pela presidente (Anexo E, acima). Ele afirmou que Moro apresentou
comportamento ilegal por dois motivos - (1) a sua recusa em obedecer à lei que
exigia que ele encaminhasse as interceptações de conversas da Presidente para o
Supremo Tribunal Federal (cometendo “usurpação de competência”), e (2) a sua
decisão ilegal de divulgar conversas privadas da Presidente para a mídia. (Ver
acórdão, Anexo E, parágrafos 7, 9 e 11). Em sua segunda constatação, o Ministro
Zavascki rejeita totalmente a defesa do Moro de "interesse nacional",
que não era uma defesa, mas sim uma violação deliberada da lei. O Supremo
Tribunal rejeitou o uso que Moro fez de US v Nixon como "como um exemplo a
ser seguido", porque "precedentes judiciais deste tribunal são
categóricos quanto à inviabilidade do uso de provas recolhidas sem o devido
respeito aos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente." Moro
pediu desculpas, mas com má vontade e em termos limitados ("Eu entendo que
[meu] raciocínio pode ser considerado incorreto ou se correto poderia trazer
polêmicas desnecessárias ou constrangimento"). A decisão de Moro,
efetivamente entregue em 17 de março de 2016, foi "cancelada
imediatamente" pelo Supremo Tribunal, mas o dano já havia sido feito para
Lula e Moro não sofrerá nenhuma consequência por suas ações ilegais.
36.
O Supremo Tribunal Federal deveria, ao se deparar com ato que pode configurar
crime, ter encaminhado cópia do processo ao Ministério Público para
providências legais, conforme prevê o art. 40, do Código de Processo Penal.
Art. 40. Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os
juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública,
remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao
oferecimento da denúncia
Mas
isso não ocorreu, tendo o ato ficado impune. O órgão externo de controle da
magistratura, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), arquivou diversas
representações que foram a ele dirigidas por cidadãos que ficaram aterrorizados
com o ato do juiz Moro.
37
Além disso, o caso se relaciona apenas às liberações das conversas entre Lula e
a Presidente, e não sobre as outras interceptações. Estas permanecem válidas e
o próprio Moro, ao receber de volta do STF os processos, determinou que
referidas intercepções sejam usadas nas investigações e nas eventuais ações
penais.
38
O juiz Moro estava agindo ilegalmente, não só por divulgar a transcrição das
conversas interceptadas ilegalmente com a Presidente, mas também através da
divulgação aos meios de comunicação das outras conversas interceptadas. Não só
a lei é clara, mas o Brasil foi recentemente condenado pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos por permitir a divulgação de gravações
secretas de natureza pessoal: ver Escher v Brasil.[11]
Este caso tem paralelos diretos com o presente, e a decisão do Tribunal
enfatiza a regra de que um juiz que autoriza a intercepção secreta do telefone
de um indivíduo não pode, para fins políticos ou qualquer outros, “auto
autorizar” a divulgação das transcrições para a mídia. É extraordinário que
nenhuma ação tenha sido tomada contra o juiz Moro por essas ações: parece que
gostam de impunidade. Seria possível para o Governo do próprio Brasil ajuizar
ação de regresso para remover o juiz Moro em qualquer caso envolvendo Lula e
sua má conduta comprovada exige que seja feito. No entanto, a campanha de
publicidade de Moro e o suporte de mídia parecem ter intimidado os órgãos
responsáveis do Estado de cumprir o seu dever de proteger aqueles na mesma
posição do requerente, ou seja, como um suspeito de uma investigação aberta
formalmente, de sofrer ataques ilegais à sua honra e reputação, como um
prelúdio para a sua decisão de prendê-los e condená-los.
Pedido 3: Artigo 17:
Interceptação telefônica do advogado do requerente
38.
O juiz Moro tem ido a extremos para perseguir e constranger o requerente, e
isso inclui grampear o telefone do seu advogado e liberar as transcrições e
versões de áudio para a mídia. Como juiz, Moro sabe da confidencialidade que a
lei atribui às comunicações entre um cliente e seu advogado. Como o juiz de
instrução de Lula, Moro saberia que o distinto advogado Roberto Teixeira (e o
escritório Teixeira, Martins & Advogados, do qual é sócio) é advogado
pessoal de Lula há mais de 30 anos. Deve-se supor que, como um juiz, Moro tenha
conhecimento da legislação relativa à intercepção telefônica, que só pode ser
ordenada "no caso de provas em uma investigação criminal" se "há
indícios razoáveis de que a parte tenha cometido crime ou participou de uma
violação criminal” e de não ser possível "produzir provas por outros
meios" em relação a um crime suscetível de pena de prisão (ver artigo 2º,
da Lei nº 9.296/96).
40.
Apesar desse conhecimento, Moro aprovou a intercepção de várias conversas entre
Lula e Roberto Teixeira. Em 26 de fevereiro de 2016, ele expressamente
autorizou uma interceptação na extensão central do escritório de advocacia de
Teixeira (afetando 25 advogados e 300 clientes). Quando esta ordem foi
divulgada em março, Moro tentou desculpar sua autorização:
"Apesar dele
(Teixeira) ser um advogado, eu não identifico com clareza a relação
advogado/cliente para ser preservada com ex-presidente"
porque o nome de Teixeira não estava em uma das petições opondo um mandado de
busca. Isto é falso - (a) porque seu nome estava em todas as outras petições e
(b) porque o advogado que foi nomeado na petição era o sócio de Teixeira.
41.
A outra única base sobre a qual ele justificou sua decisão de aprovar a
interceptação telefônica do advogado e seu escritório era que havia provas do
envolvimento de Teixeira na compra de um imóvel em Atibaia, onde Lula era
suspeito de ser o real proprietário e ter obtido alguns favores feitos por
membros do cartel, “então ele é uma pessoa investigada e não propriamente o seu
advogado." Isso é uma falsa distinção. Teixeira em todos os momentos
permaneceu advogado de Lula. A única situação em que ele poderia perder seu
privilégio legal para aconselhar o seu cliente é se este estivesse
razoavelmente envolvido em um crime grave. Não poderia haver tal suspeita
decorrente do envolvimento como um advogado em uma compra da propriedade, a
menos que a própria operação fosse fraudulenta ou ilegal, e tal prova não
existe e não emergiu das conversas grampeadas. No entanto, Moro autorizou a
liberação seletiva para a mídia das conversas entre Lula e Teixeira, sobre os
conselhos do advogado ao seu cliente e sobre vários aspectos dos problemas
deste com Moro. Em outras palavras, este juiz que abriu uma investigação sobre
o requerente, em seguida, autorizou a intercepção de chamadas telefônicas com o
seu advogado a respeito de conselhos sobre ele mesmo e sobre a investigação: a
mais clara violação do sigilo advogado-cliente.
42.
O comportamento do juiz Moro foi condenado pela Ordem dos Advogados do Brasil.
O Conselho Federal da OAB apresentou uma petição ao Supremo Tribunal Federal
registrando que Moro mentiu ao dizer que não sabia que estava grampeando
advogados, pois ele tinha em mãos os documentos da operadora de telefonia que
atestavam que os telefones grampeados eram o celular pessoal do advogado
Roberto Teixeira e o ramal-tronco do escritório Teixeira, Martins &
Advogados. Diz ainda o Conselho Federal da OAB naquela petição: “Não é possível admitir a interceptação dos
telefones dos advogados para se descobrir se os clientes estão ou não envolvidos
em crimes. Isso porque, em nenhum momento, restou demonstrada a presença de
elementos concretos aptos a ensejarem a decretação da quebra de sigilo
telefônico dos advogados, ressaltando-se que o art. 5º, XII, da CR e a L.
9.296/06 tratam como exceção a interceptação telefônica, ao tempo que a lei
federal prevê a possibilidade de inutilizar gravação que não interessar ao
processo”. A Seccional do Rio de Janeiro descreveu como "um ato típico
de estados policiais" e um ataque à democracia ("Os fins não
justificam os meios").
43.
Aquele Conselho solicitou a repreensão de Moro, pela autorização das escutas e
liberação das transcrições, mas isso não aconteceu porque nem o advogado, nem o
cliente detêm um remédio eficaz. Duas vezes antes, Moro foi censurado pelo
Supremo Tribunal Federal por violação ao privilégio da relação
advogado-cliente, autorizando tais interceptações, mas o corpo disciplinar, o
Conselho Nacional de Justiça, como já dito, não tomou nenhuma medida, tampouco
o Ministério Público Como o HRC disse, em Pratt e Morgan v Jamaica;
"Que a regra de remédios jurídicos não exige
utilizar-se de recursos que objetivamente não têm nenhuma perspectiva de
sucesso, é um princípio bem estabelecido do direito internacional e da
jurisprudência do Comitê."[12]
O
HRC observou que a relação advogado/cliente é protegida por uma prerrogativa
que "pertence aos princípios da
maioria dos sistemas jurídicos... com o objetivo de proteger o cliente.”[13]
44. Houve muitas conversas entre Lula (LILS nas
transcrições) e seu advogado Roberto Teixeira e várias delas foram divulgadas
para a mídia. Apresenta-se um exemplo: o cliente pede ao seu advogado um
conselho sobre o Ministério Público do Estado de São Paulo ter apresentado uma
denúncia contra ele e o advogado lhe dá um conselho consistente. A conversa
interceptada não tem nenhuma referência à ‘Operação Lava Jato’, mas o despacho
de Moro exigiu tal interceptação e ordenou a sua divulgação, tanto na forma de
transcrição quanto na forma de áudio.(Anexo G). Em sua decisão da Exceção de
Suspeição Moro busca eximir a interceptação do telefone do escritório de
advocacia usando como argumento que as conversas foram transcritas porque não
eram relevantes. Este fato não o exime de ter interceptado o escritório. Moro
repete suas acusações contra o advogado de Lula, as quais foram respondidas por
Roberto Teixeira (Anexo H).
Pedido 4:Artigo
14(1) – O Direito a um Tribunal Imparcial
45.
O direito a um juiz imparcial é fundamental para o direito de julgamento justo,
enumerado no artigo 14 do ICCPR. É um direito do indivíduo "na decisão sobre qualquer acusação penal
contra ele", bem como na decisão "sobre seus direitos e obrigações em uma ação judicial." Já foi
observado que o processo penal no Brasil não diferencia efetivamente as fases
de investigação e julgamento: uma vez que um juiz tem jurisdição sobre um caso
e abre um processo de inquérito referente a um alegado suspeito em relação a um
crime específico, esse juiz é responsável por autorizar pedidos de acusação
para medidas extraordinárias (tais como busca e apreensão, condução coercitiva,
intercepção telefônica e outras medidas similares); para a aprovação de
acusações penais e o subsequente julgamento do caso sem um júri (exceto em
julgamentos de crimes dolosos contra a vida) e sem outros juízes ou
assistentes. Este procedimento não é, em si, uma violação do artigo 14, mas
conforme decidido pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos no precedente
paradigma Hauschildt v Dinamarca, [14]
as decisões que antecedem a fase do julgamento, tomadas por um juiz nesta
posição, podem indicar visão parcial contra o réu ou gerar razoável apreensão
de parcialidade e, portanto, exigem que o juiz se declare suspeito antes da
fase de decisão de culpa ou inocência.
46.
Na sua decisão da Exceção de Suspeição, o juiz Moro baseia-se no procedimento
normal, o qual permite ao juiz que toma decisões na fase de investigação, atuar
como um juiz de primeira instância. Mas isso não pode, naturalmente, ser
permitido se essas decisões anteriores tenham dado a impressão ou a percepção
de que ele não é imparcial em relação ao réu. A auto-avaliação da imparcialidade
de Moro não pode prevalecer: tal avaliação é objetiva e não subjetiva, depende
da percepção da parcialidade, e não da parcialidade concreta. Nesta medida, é
relevante que a percepção pública é a de que Moro vai prender e condenar Lula.
Ele pode, se suas provas permitirem, prender Lula, mas ele é manifestamente
desclassificado para julgá-lo e condená-lo.
47.
A falta de imparcialidade pode ser detectada de muitas maneiras. A regra parte
do princípio de que a justiça deve ser vista para ser feita, ou seja, um
observador leigo razoável não deve perceber que juiz apresenta uma opinião
preconcebida sobre a culpa do réu. No caso Hauschildt,
o juiz tinha, numa fase inicial, negado fiança ao réu, alegando que havia
fortes indícios de sua culpa. Neste caso, os indícios de parcialidade por parte
do juiz Moro contra Lula são muito mais fortes e maiores. Muitos desses
indícios foram destacados pelas reclamações anteriores, a saber:
(1) A
emissão deliberada de um mandado de condução coercitiva ilegal para detê-lo
publicamente e de forma desnecessária;
(2) A
intercepção de seu telefone e dos telefones de seus familiares, e a divulgação
ilegal e mal-intencionada das transcrições para a mídia, mais especificamente
divulgando as chamadas interceptadas mantidas com a Presidente;
(3) A intercepção e a divulgação para a
mídia das chamadas confidenciais com seu advogado, e fazendo alegações criminais
contra este.
Fica
bastante claro para um observador sensato dessas ações que o Juiz Moro criou
uma animosidade contra Lula e tem uma opinião formada sobre sua culpabilidade,
e está se esforçando - a ponto de agir ilegalmente - para obter provas que
justifiquem tal opinião. Muito mais ações houve por parte do juiz Moro, durante
o ano passado, que serviram para reforçar esta percepção.
48.
Em seu julgamento na Exceção de Suspeição, o juiz Moro afasta as conclusões do
juiz Zavascki contra ele como meramente "parte do sistema judicial dos
erros e acertos." Mas seu erro identificado - na liberação para deleite do
público das chamadas interceptadas, incluindo intercepções que eram ilegais,
eram tão graves, especialmente em suas consequências previsíveis para Lula,
que, obviamente, chamou atenção para sua parcialidade. Algumas indicações dos
danos causados podem ser verificados pelos exemplos de artigos publicados
(Anexo I).
49.
Para efeitos da presente reclamação, faz-se referência à aceitação contínua de
Moro aos convites para participar e falar em eventos dirigidos por grupos
politicamente hostis a Lula, que pedem publicamente pela sua prisão e
condenação. Assim, ele participa de eventos realizados por ou em nome de
membros do Partido da Social Democracia Brasileira (o principal oponente de
Lula e do Partido dos Trabalhadores), eventos organizados pela Editora Abril,
que vem repetidamente chamando Lula de corrupto e exigiu sua prisão e
condenação, e especialmente um evento patrocinado pela revista Veja, tão hostil
a Lula que publicou uma montagem de foto de capa na qual ele está vestido com
um uniforme de presidiário. Ao se encontrar repetidamente em eventos com os
inimigos de Lula, Moro sinaliza publicamente quais são suas simpatias - ou
seja, contra Lula e o Partido dos Trabalhadores. Em seu julgamento sobre a
Exceção de Suspeição, o juiz Moro nega ter participado de "eventos
políticos", mas se são eventos "políticos", este não é o ponto -
o fato é que são eventos promovidos por inimigos de Lula, incluindo a
organização LIDE, de João Doria Junior, o qual se declarou candidato às
eleições municipais (ao contrário da alegação do juiz Moro), na cidade de São
Paulo contra o PT, antes de participar do evento.
50.
Um exemplo escandaloso de parcialidade foi a presença do juiz Moro, como convidado
de honra, em uma festa de lançamento de um livro sobre sua investigação Lava
Jato, que retrata sua biografia de maneira ilusória e difama Lula, afirmando
que ele é culpado de corrupção. O juiz Moro - juiz em qualquer julgamento -
posou para fotos, posteriormente publicadas (Anexo J) com o autor do livro - um
jornalista da Globo, e da mãe do autor, que é conhecida por reprovar Lula. Por
essas ações, ele endossou publicamente um livro que defendia a culpa de um
homem que ele tem o poder de prender e, nesse caso, pretende julgar. Como
resultado dessas ações, não pode haver outra conclusão a não ser sua
parcialidade. Ele não deve, enquanto ele está julgando Lula, se associar a
pessoas que incitam sua acusação, especialmente se estas estão homenageando ou elogiando
uma investigação na qual ele fez Lula um suspeito. O juiz Moro em várias
ocasiões viajou aos Estados Unidos para receber prêmios - mais recentemente, da
Universidade de Washington. É errado para ele fazer isto enquanto ainda defende
seu direito de atuar como juiz na prisão de Lula, decidindo sobre sua culpa ou
inocência.
51.
É impossível separar a percepção das ações de Moro contra Lula da sua teoria
amplamente divulgada do "juiz de
ataque" pró-ativo em uma cruzada que ele promove em suas palestras
públicas (Anexo K). Em poucas palavras, ele identifica a corrupção no Brasil
com a corrupção na política italiana no início da década de 90, e clama por uma
operação mani pulite para atacá-la.
Fundamental à sua tese - que ele se vê implementando - é que a repressão eficaz
da corrupção política requer a violação de determinados direitos humanos
fundamentais, a saber, a prisão preventiva de suspeitos até que confessem; a oferta
de "delação premiada" em
termos de obtenção de penas leves, se eles confessarem; a manipulação da
opinião pública por meio de vazamentos de provas à mídia tendenciosa para que
manifestações raivosas dissuadam políticos a aprovar leis que coíbam abusos do
Ministério Público. Suas palestras associam Lula ao Primeiro-Ministro italiano
Bettino Craxi (um dos alvos da Mani
Pulite), e ele apóia manifestações públicas contra líderes políticos
suspeitos (citando com aprovação como uma multidão "se reuniu em frente à residência de Craxi, atirando pedras e moedas
para ele quando ele saiu para uma dar uma entrevista à televisão")
(Anexo L). Moro diz que é ingênuo acreditar que ações penais contra figuras
públicas possam ser realizadas "normalmente"
(ou seja, respeitando os direitos de tais figuras públicas), porque elas exigem
"juízes de ataque” preparados para pressionar suspeitos, por exemplo, ao
colocá-los na prisão até que confessem. Ele afirma que não há "nenhum obstáculo moral" para juízes
e procuradores no uso de tais técnicas, inclusive o vazamento de provas à
mídia, embora ele admita que “há sempre
um risco de danos indevidos à honra de uma pessoa investigada”. Na verdade,
ele admite que, por ser difícil a condenação de agentes corruptos, “a opinião pública pode ser um substituto
saudável” em vez da condenação de políticos suspeitos, ao "condená-los ao ostracismo". Ele
condena, ainda, a presunção de inocência, princípio que em sua opinião não é
vinculativo.
52.
Essa rejeição dos direitos humanos fundamentais na investigação da corrupção
política, não pode ser adotada como filosofia pública de juízes envolvidos em
investigações e julgamentos por corrupção, vinculados a uma constituição e a
uma lei internacional de direitos humanos que os obrigam a respeitar esses
direitos fundamentais. Não há reclamação contra Moro referente à sua cruzada
contra a corrupção: a reclamação feita é que, ao fazer isso indo contra
direitos fundamentais, ele não pode ser visto como imparcial, quando exerce a
função de juiz e viola esses direitos. Quando ele fala de Craxi e depois das
mesmas condições no Brasil, esta analogia implica a culpa de Lula. O mero fato
de seu próprio gabinete “vazar como uma
peneira” para a mídia, da mesma forma que o Ministério Público, é prova de
que ele quer destruir a honra e a reputação de Lula: os vazamentos incentivaram
manifestações contra Lula similares àquelas que ele aplaude contra Craxi. Se
ele fosse um cidadão comum, ele teria direito a desenvolver estes argumentos
(embora outros países combatam de forma eficaz a corrupção política sem
destruir os direitos fundamentais), mas como ele usa seu gabinete neste
sentido, isso o desqualifica como juiz.
53.
O reclamante apresentou um pedido de exceção por suspeição contra Moro, mas
este não tinha perspectiva de êxito, uma vez que foi decidido pelo próprio Moro
(veja a seguir). Parece que não há perspectiva de que o Tribunal Regional
Federal da 4ª. Região, ao qual Moro está vinculado, vá agir para afastá-lo do
caso de Lula, ou que o Conselho Nacional de Justiça irá fazê-lo. Qualquer
consideração do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região será adiada para além
do prazo no qual ele pode, agindo como juiz parcial, ordenar a prisão de Lula
e, posteriormente, presidir seu julgamento, condenando-o e decidindo sua pena.
Contra tal perspectiva, não há solução oportuna ou efetiva.
54.
Como argumento final e conclusivo sobre a visão parcial de Moro, houve inúmeros
artigos de jornal nos últimos meses (e até mesmo uma pesquisa de intenção de
voto feita diante desse cenário) (Anexo K), que têm a expectativa ou incentivam
o juiz Moro a concorrer à eleição para a Presidência do Brasil em 2018, uma
eleição em que Lula poderá voltar a concorrer, desde que ele não tenha sido
condenado - pelo juiz Moro. O juiz não descartou a ambição imputada a ele por
estes (e muitos outros) artigos, devendo, portanto, ser objetivamente
considerado um possível candidato. Dificilmente há exemplo mais forte de
parcialidade que este, um possível candidato presidencial atuar como juiz no
caso de um candidato rival, com forte interesse na condenação (e, portanto, desqualificação)
do candidato. O juiz Moro decidiu que tal acusação contra ele “carece de
seriedade” porque ele não é responsável por atos de terceiros. Mas se ele atuar
como juiz de primeira instância, ele deve deixar claro para opinião pública que
ele não irá ser candidato à presidência, o que ele notadamente tem feito ao
contrário, ao negar essas informações divulgadas pela mídia.
55.
O precedente do HRC defende o princípio de que a justiça deve ser vista por ser
feita por um juiz a quem um cidadão comum reconhece ser imparcial. O
envolvimento de juízes em processos de instrução no qual formem uma opinião
sobre um réu é incompatível com a exigência de imparcialidade do artigo 14: Larranga v Phillipines 1421/05,
parágrafo 7.9. Juízes devem ser mais do que imparciais: fatos objetivos que
acarretam na percepção de parcialidade exigem a sua desqualificação: Lagunas Castedo v Spain (1122/02),
parágrafo 9.7. As decisões de Moro de emitir um mandado de condução coercitiva
e divulgar à mídia as respectivas transcrições o tornam incompetente para atuar
sobre os casos envolvendo Lula.
Pedido 5: Artigo 9:
Suscetibilidade à Prisão Preventiva por Tempo Indeterminado
56.
Conforme explicado acima, o Juiz Moro é um forte defensor de se colocar
suspeitos em detenção até que estes confessem ou façam uma delação premiada. Na
‘Operação Lava Jato”, ele colocou em prática o que prega, colocando muitos
suspeitos na prisão até que aceitassem fazer a delação premiada, após a qual
são soltos e posteriormente condenados, mas com penas leves. Esta prática é
contrária ao artigo 9º. Embora tenha havido tentativas legislativas de
aprimorar as disposições referentes ao habeas
corpus, elas vêm sendo combatidas publicamente pelo Juiz Moro, ainda não tendo passado no Congresso. Embora
o artigo 9º (3) do ICCPR estabeleça que “não
deve ser regra geral que pessoas aguardando julgamento sejam mantidas em
detenção...”, esta tem sido aplicada como regra geral pelo juiz Moro para
réus da ‘Operação Lava Jato’.
57.
Esta reclamação é feita de bene esse,
no sentido de que no momento da redação da reclamação, o reclamante não foi
detido e preso. No entanto, sendo ele o alvo das investigações, ele está
sujeito a ser detido, assim que o juiz Moro ordenar sua prisão. Em outras
palavras, ele foi formalmente identificado como suspeito (em cinco
investigações) e atualmente está sendo submetido a um processo (que inclui, até
o momento, buscas e apreensões, interrogatórios e intercepções telefônicas) que
provavelmente o levará à prisão e à detenção por tempo indefinido, sem qualquer
recurso efetivo. Com base nisso, alega-se que ele tem o direito de reclamar de
violação iminente de seus direitos. Ele é uma ‘vítima’ de acordo com os
precedentes do Comitê, porque há o risco real de violação dos seus direitos nos
termos do ICCPR pelo Estado: Kindler v
Canada (470/91) (470/91) parágrafo 13.2.
58.
A prisão preventiva, conforme exemplificado pelas práticas brasileiras de “delação premiada” e “colaboração premiada”, é estritamente
circunscrita pelo direito internacional, porque é uma forma de punição que,
quando combinada com o confinamento solitário, pode resultar em um tratamento
cruel. O Comitê contra a Tortura manifestou sua preocupação sobre a prisão
preventiva prolongada do tipo que está sendo ordenada pelo Juiz Moro, [15] e
em 2007 o Alto Comissariado das Nações Unidas observou que a alta proporção de
população carcerária do Brasil mantida em prisão preventiva era bastante
preocupante. [16]
Em 2013, a Corte Interamericana de Direitos Humanos divulgou um relatório
contrário à prisão preventiva na região, apontando que nos termos do artigo 7o(5)
da Convenção Americana sobre Direitos Humanos ‘os únicos motivos legítimos para a prisão preventiva (são) o risco de o
acusado tentar escapar da justiça ou por dificultar a investigação judicial’. [17] E
apontou também:
“[Os Estados deveriam] usar a prisão
preventiva somente quando não há outros meios para assegurar o comparecimento
do acusado ao julgamento e para evitar adulteração de provas; interpretar de
forma restritiva as circunstâncias em que a prisão preventiva pode ser ordenada
de forma legal; analisar as leis e práticas judiciais para garantir que a
medida seja usada apenas em casos excepcionais e pelo menor tempo possível;
implementar outras medidas preventivas, tais como fiança, prisões domiciliares,
ou pulseiras eletrônicas...”
Em
consonância com esta abordagem, a IACHR determinou que a presunção de inocência
exige que o Estado suporte o ônus de provar que as pré-condições para a prisão
preventiva existam, [18] e que seja estritamente necessário restringir
a liberdade “para garantir que (o réu)
não impeça o desenvolvimento eficiente de uma investigação e que ele não vá
escapar da justiça”.[19]
59.
O Tribunal de Justiça sublinhou que “as
características pessoais do suposto autor e a gravidade do crime do qual ele é
acusado não constituem, em si, justificativa suficiente para a prisão
preventiva”.[20]
Verifica-se, portanto, que não é suficiente demonstrar que um determinado
acusado é rico, ou tem apoiadores ricos, ou é acusado de corrupção grave.
Certamente não pode ser relevante para um juiz de instrução usá-la como “forma de enfatizar a gravidade do crime e
demonstrar a eficácia da ação judicial especialmente em sistemas judiciais
longos” – todas as razões que o juiz Moro tem dado para usá-lo. [21]
Essa abordagem não se concentra nos fatos do caso, mas usa a detenção como um
dispositivo para demonizar o réu perante a opinião pública. A abordagem do juiz
Moro em outros casos foi a imposição da prisão preventiva porque o réu não
reconheceu que é culpado, e no caso da falta de tal reconhecimento, existe o
perigo de o réu em liberdade continuar com as atividades corruptas. [22]
Em outras palavras, Moro se recusa a adotar a presunção de inocência, porque
ele pressupõe que os fatos que ele tem de comprovar por meio de provas são comprovados
simplesmente pela sua crença na verdade dessas premissas factuais.
60.
É bastante claro que o direito internacional proíbe a detenção quando o
objetivo é pressionar o réu ou a testemunha a confessar. No entanto, o
procurador da Lava Jato, Manoel Pastana, afirmou que “para o pássaro cantar, ele tem que ser enjaulado” e que a prisão
preventiva tem “a importante função de
convencer os criminosos a cooperar com a revelação de atos ilícitos penais,
obtendo a possibilidade de influenciá-los para que cooperem de forma útil na
determinação da responsabilidade”[23]. Isso
equivale a uma admissão, por um membro do mecanismo da "Lava Jato",
de que a verdadeira razão para a prisão preventiva é extrair uma confissão. É
evidente – trata-se de experiência forense em nível global - que confissões
obtidas nestas circunstâncias provavelmente são pouco confiáveis e não deveriam
ser usadas como base para constatação de culpa. A ‘estratégia’ usada pelo Juiz
Moro viola, dessa forma, a regra contra a auto-incriminação, sub-regra da
presunção de inocência.
61.
O artigo 312 do Código de Processo Penal do Brasil determina que a prisão
preventiva pode ser ordenada “para manter
a ordem pública, a ordem econômica, para a conveniência de uma investigação
penal, ou para assegurar a aplicabilidade da lei penal, sempre que existam
provas de um crime e indicação suficiente de quem o cometeu”.
62.
Estas disposições, em sua generalidade, são mais amplas do que permitido pela
lei internacional e devem ser interpretadas de forma restritiva e consistente
com os tratados de Direitos Humanos. O ICCPR requer a prisão preventiva para
atender uma série de objetivos específicos: para evitar a fuga ou a
interferência em provas ou a prática de outros crimes. O HRC, portanto, condena
os Estados que detêm determinado réu para fazê-lo cooperar. [24] A
“manutenção da ordem pública” – a
exceção nos termos da qual a maioria dos suspeitos da ‘Lava Jato” foi detida
sob ordem judicial- é vaga, devendo estar limitada a situações de emergência.
Da mesma forma, a ‘conveniência’ de uma investigação penal deve ser
interpretada como uma situação em que o detido, se liberado, provavelmente
frustrará a investigação ao fugir ou interferir junto às testemunhas, ou (com
base em sua ficha criminal ou suas intenções mais recentes) cometerá crimes
ainda mais graves. Alega-se que o artigo 312 não está em conformidade com o
artigo 9o: ele não apresenta ‘critérios rigorosos’ para a regulamentação
da detenção com o intuito de obter depoimento, sendo esta uma medida
excepcional que deve ser cuidadosa e precisamente regulamentada.[25]
Pedido 6: Artigo
14(2): Violação de Direito de Presunção de Inocência
63.
É bem aceito no direito internacional que uma campanha de imprensa virulenta
pode causar um impacto sobre a presunção de inocência (Ver Ninn-Hansen v Denmark;[26]
Beggs v UK).[27] O
fato de que funcionários públicos pré-julgam a culpa do réu, seja por
declarações públicas ou por ‘vazamentos’ para a imprensa, também é capaz de
violar a presunção (por exemplo, Allenet
de Ribemont v France).[28]
64.
A polícia suspeita que Lula possa possuir um apartamento e um sítio que foram
reformados por empreiteiras como um favor a ele pelos serviços prestados. Lula
nega qualquer direito de propriedade sobre qualquer uma dessas propriedades e,
de qualquer forma, as obras contestadas teriam sido supostamente realizadas
anos depois de ele ter deixado a presidência. A polícia também suspeita de
corrupção pelo fato de que várias grandes empreiteiras lhe pagaram por
palestras, mas também o pagaram a Microsoft e muitas outras empresas, até mesmo
o grupo midiático Globo, que tem sido o seu principal acusador na mídia.
Novamente, as palestras foram ministradas anos depois de ele ter deixado a
presidência. A polícia e os procuradores, mesmo assim, ‘vazaram’ suas suspeitas
e suas hipóteses à mídia, que as publicaram como verdade e sem análise crítica,
a fim de criar uma expectativa junto ao público de que Lula será preso e
considerado culpado.
65.
Muitos suspeitos da Operação Lava Jato foram mantidos em detenção, até que
concordassem em fazer uma delação premiada, sendo que os detalhes da delação
premiada sempre que mencionam Lula ou seus associados são vazados à mídia, que
usa a informação vazada, independentemente de sua confiabilidade, para aumentar
a demonização pública de Lula e a expectativa de que ele seja considerado
culpado.
66.
Os principais meios de comunicação brasileiros - jornais, revistas e a
televisão - são todos hostis a Lula. Eles tomam por base o grupo de mídia
Globo, sendo este o mais poderoso e mais hostil ao Partido dos Trabalhadores.
Embora Lula seja formalmente objeto de investigação, a lei brasileira não
garante nenhuma proteção à sua honra e reputação neste período, por exemplo,
pelo desdém das leis judiciais em evitar que a mídia faça um pré-julgamento de
sua culpa.
67.
O juiz Moro não fez nada para desencorajar a calúnia, devido a afirmação de que
a ‘opinião pública’ deve demonstrar seu apoio às acusações, (ao ponto de
apedrejar suspeitos e suas casas – veja o exemplo de Craxi). É por isso que ele
está preparado para destruir reputações e invadir a privacidade. Conforme ele
disse ao público no final de uma recente coletiva de imprensa:
“Estes
casos envolvendo graves crises de corrupção, figuras públicas poderosas, têm
continuidade apenas se apoiados pela opinião pública e pela sociedade civil
organizada. E este é o seu papel. Obrigado![29]”
68. Tendo, ao seu modo,
incentivado manifestações contra Lula e outros suspeitos, o juiz Moro em um
evento público achou por bem agradecer e parabenizar os manifestantes que
estavam exaltando ele como um herói:
“Hoje,
13 de março, o povo brasileiro tomou as ruas. Entre as muitas razões, para
protestar contra a corrupção que penetrou muitas das nossas instituições e o
mercado. Fiquei comovido com o apoio à investigação da chamada Operação Lava
Jato.
Apesar das referências
ao meu nome, atribuo à bondade do povo brasileiro o êxito atual de um sólido
trabalho institucional envolvendo a Polícia Federal, o Ministério Público
Federal e todos os órgãos do Poder Judiciário. É importante que as autoridades
eleitas e os partidos ouçam a voz das ruas e também se comprometam com a luta
contra a corrupção, fortalecendo as nossas instituições e eliminando por
completo as maçãs podres ...”[30]
69. O desejo de Moro de
incentivar a opinião pública para que as pessoas que acreditam na culpa de Lula
gritem nas ruas tal convicção, é compartilhada pela ‘máquina’ da Operação Lava
Jato, a saber, os procuradores federais e a polícia federal. Fica evidente, a
partir dos precedentes do Comitê e do Comentário
Geral 32 sobre a Presunção de Inocência, que “é um dever de todas as autoridades públicas se abster de pré-julgar o
resultado de um julgamento, por exemplo, abstendo-se de fazer declarações
públicas afirmando a culpa do acusado.”[31]
Este princípio foi adotado em Gridin v
Russian Federation, no qual a afirmação pública de culpa feita por
procurador do alto escalão em uma reunião pública, juntamente com vazamentos da
acusação para uma mídia hostil violaram o artigo 14 (2). [32]
Este mesmo caso estabelece que comentários da mídia podem prejudicar um
julgamento justo, se o Estado falhar em usar seus poderes para controlá-los. Da
mesma forma, em Saidov v Uzbekistan,[33] o
artigo 14(2) foi violado por meio de comentários extensos e negativos feitos
antes do julgamento pela mídia controlada pelo Estado. É significativo quando
há uma ligação entre a cobertura negativa da mídia e o Estado: neste caso, a
ligação está no fato de que a cobertura se refere à matéria ‘vazada’ da
procuradoria - agentes do Estado, que fornecem informações à imprensa, a fim de
contribuir com ela para difamar o réu. Os advogados de Lula solicitaram tanto
da procuradoria, quanto do juiz parar que parassem com estes ‘vazamentos’, mas
não obtiveram êxito. Eles não têm nenhum remédio eficaz e, de fato, nenhuma
solução.
70. O reclamante
envidou todos os esforços possíveis a fim de acabar com os vazamentos e impedir
que Procuradores da República continuassem a emitir declarações públicas
afirmando a culpa de Lula. Mas tais esforços têm sido em vão. A única medida
possível contra este abuso é uma representação junto ao Conselho Nacional do
Ministério Público. Este Conselho foi interpelado pelos advogados do reclamante
em 31 de maio de 2016. Eles apontaram que Lula estava sendo formalmente
investigado em segredo de justiça, mas um dos responsáveis pela investigação,
Carlos Fernando dos Santos Lima, havia se dirigido aos órgãos de imprensa para
afirmar a culpa de Lula. Por exemplo, ele disse à Rádio Jovem Pan em 27 de
março:
“Vemos claramente pagamentos realizados por
empreiteiras beneficiando o ex-presidente e sua família... outros que
cooperaram (ou seja, por meio de delação premiada) confirmam que o
ex-presidente já sabia sobre o esquema e o havia aprovado... E ele também sabia
de tudo, ele tinha o poder e a capacidade de prejudicar o resultado... então,
nesse sentido, ele não fazia parte do esquema apenas, sendo correto afirmar que
ele comandava tal esquema. Ele é o autor do crime”
71. Estas declarações textuais
de um dos Procuradores que atuam na Lava Jato pressupõem e promovem a culpa do
reclamante de forma contrária à Declaração Geral 32 do HRC e a uma série de
decisões do HRC levantadas junto ao Conselho Nacional do Ministério Público.
Mas tal Conselho não adotou nenhuma medida sob o fundamento de que não poderia
censurar um membro do Ministério Público. O Conselho remeteu o assunto para
“investigação interna” - um processo longo, meramente disciplinar, e que não
irá coibir a conduta. Aliás, até mesmo o Procurador Geral da República, Rodrigo
Janot, que também atua na Operação Lava Jato, concedeu uma entrevista em 22 de
junho, ao ‘Washington Post’,
aparentemente concordando que ele (Janot) era o homem que fazia o Brasil
estremecer, sugerindo que Lula estava no topo da pirâmide de uma organização
criminosa e que a investigação havia atingido ‘o pico’.
72. Em relação à
presente reclamação, solicita-se que o Comitê de Direitos Humanos adote uma
abordagem ‘horizontal’ ou Drittwirkung,
exigindo que o Estado ofereça proteção contra a violação dos direitos por lei
de um suspeito (como por exemplo o princípio do contempt of court), impedindo que terceiros, como a mídia, mostrem
um suspeito como sendo culpado e, assim, prejudiquem seu julgamento. Aqui,
temos um caso em que informações confidenciais são fornecidas ou ‘vazadas’ por
órgãos do Estado para a mídia, para que esta possa usar tais informações com o
intuito de demonizar um suspeito e criar a expectativa de que ele será
considerado culpado - o que tornará mais fácil para o público aceitar a decisão
do juiz Moro de considerar Lula culpado.
73. Isso não
aconteceria se o Brasil adotasse uma lei para impedir campanhas de difamação
contra suspeitos antes de seu julgamento; uma lei que impedisse que
procuradores insistissem publicamente na culpa de pessoas ainda em fase de
acusação; e uma disposição que excluísse procuradores de um caso se estes
presumissem publicamente a culpa de um suspeito ou réu. Isso decorre do Comentário Geral 16, no qual o HRC
decidiu que a proteção deve ser garantida contra todas as interferências ou
ataques arbitrários ou ilegais, independentemente de eles advirem de
autoridades estatais ou de pessoas físicas ou jurídicas (ou seja, grupos de
mídia). O artigo 17(2) obriga os Estados a proteger aqueles dentro de sua
jurisdição, assegurando que todos sejam protegidos pela lei contra ataques
arbitrários em sua residência ou a sua reputação. O comportamento do Procurador
Federal e do Juiz Federal, ao ‘vazar’ à mídia fatos confidenciais descobertos
no curso da investigação, constitui uma violação da presunção de inocência. Não
há nenhuma medida a ser tomada, uma vez que os pedidos (mesmo de Juízes do STF)
para investigar e punir os vazamentos não obtiveram qualquer resposta das
autoridades competentes[34],
isso porque as autoridades competentes são o Ministério Público Federal e o
Juiz Moro.
74.
Exibe-se uma planilha cronológica de capas de revistas de grande circulação,
com matérias baseadas em tais vazamentos, a partir das quais é possível
observar que, em 2015-2016, o reclamante sofreu uma campanha de difamação e
presunção de culpa (Anexo M). Também anexado (Anexo N) consta uma declaração do
Professor Luiz Moreira Gomes Junior explicando como a agressiva campanha da
imprensa contra Lula colocou pressão sobre os juízes, negando ao Lula um
julgamento justo
PARTE
IV
EXAUSTÃO
DE MEDIDAS NACIONAIS
1.
A detenção arbitrária em 4 de
março
75.
Lula foi preso às 6h por meio de um mandado de condução coercitiva que o juiz
emissor deveria saber que era ilegal. Ele foi levado para interrogatório
obrigatório a uma unidade policial em um aeroporto. Os procuradores vazaram a
prisão à imprensa antes de ela de fato acontecer, para que a mídia chegasse em
sua residência e, em seguida, ao aeroporto, promovendo o sensacionalismo da
história. Ele foi solto após 6 horas de detenção policial, sem nenhuma opção a
não ser cumprir com o interrogatório. Não foi dada a ele a oportunidade de
contestar o mandado de condução coercitiva no momento de sua ocorrência e o
dano causado a ele devido à publicidade do evento foi irreversível. Qualquer
reclamação contra o juiz Moro, no entanto, seria meramente enviada para
"investigação interna" por um conselho de juízes, não resultando em
nenhuma medida efetiva. Qualquer ação constitucional subsequente teria o
contra-argumento de que o litígio era “brutum
fulmen”, isto é, apresentava motivo fútil, uma vez que o caso já havia
ocorrido e o dano era irreversível. Lula poderá mover uma ação por perdas e
danos, mas o julgamento seria demorado. Esta ilegalidade perpetrada por um juiz
de investigação, por meio da emissão de um mandado de condução coercitiva
ilegal, não apresenta nenhuma medida cautelar satisfatória no direito
brasileiro. Em outra jurisdição, seria objeto de uma declaração judicial de
ilegalidade, e de ordem de reparação de custos e indenização, conforme
requerido pelo artigo 9o do ICCPR. Em qualquer outra jurisdição,
determinar-se-ia a incompetência de Moro para atuar como juiz do caso, mas um
pedido neste sentido deve te sido decidido pelo próprio Moro, e um recurso poderia
ser adiado para até ele decretar a prisão de Lula ou condená-lo
2 & 3. As intercepções telefônicas e sua
divulgação ilegal, 13 de maio de 2016
76.
Além das provas para a realização dessas intercepções (inclusive a intercepção
do advogado de Lula) terem sido insuficientes, as transcrições foram
ilegalmente divulgadas para a mídia pelo Juiz Moro, prejudicando enormemente o
reclamante e seus familiares. Algumas das transcrições eram gravações feitas
após o próprio juiz ter ordenado o fim das intercepções: ele sabia que elas
eram ilegais, mas mesmo assim divulgou seu conteúdo, sabendo que elas iriam
despertar a hostilidade pública contra o reclamante. Não houve outra medida
possível para o reclamante e seus familiares, a não ser a ação civil que levará
anos para ser julgada. Havia transcrições de chamadas telefônicas entre o
reclamante e a presidente (Dilma Rousseff) e apenas por esta razão, o Supremo
Tribunal Federal tinha jurisdição para acolher uma reclamação feita por ela. Em
22 de março, Ministro Teori Zavascki decidiu que a divulgação dessas
transcrições foi ilegal e que não havia qualquer justificativa para a
intercepção, mas, no entanto, “devemos
reconhecer a irreversibilidade dos efeitos práticos decorrentes da divulgação
indevida das conversas telefônicas interceptadas”. No dia 13 de junho, ele
também decidiu (1) que Moro havia ilegalmente se recusado a submeter as
conversas interceptadas ao Supremo Tribunal e (2) que Moro havia ilegalmente
quebrado o sigilo das conversas interceptadas com a Presidente. Estas decisões
não apresentaram nenhuma indenização ou reparação a Lula, uma vez que abrangem
apenas a divulgação da conversa interceptada com a Presidente, aceitando que os
efeitos da ilegalidade eram “irreversíveis”.
Nenhuma medida foi tomada pelas autoridades judiciais ou governamentais para
recusar ou remover o juiz Moro, apesar da ilegalidade de suas ações, e
(conforme mencionado acima), o único recurso a ser apresentado é para o próprio
Moro. Em qualquer país que se propõe a respeitar o Estado de Direito, o juiz
que violar a lei desta forma é afastado do cargo, e certamente declarado
incompetente para julgar o caso de sua vítima. Não há nenhuma maneira eficaz de
o reclamante poder requerer uma ação por parte do governo ou do Judiciário.
(veja parágrafo 35-37 acima)
4.
Falta de imparcialidade do Juiz Moro
77.
Não há nenhuma maneira eficaz ou rápida de se declarar este juiz suspeito
devido a sua evidente parcialidade (veja parágrafo 49 acima), uma vez que o
pedido adequado para declaração de suspeição só pode ser protocolado junto a
esse mesmo juiz (que é, obviamente, parte interessada) ou por meio de petição
de reclamação dirigida ao Procurador-Geral (Rodrigo Janot), que tem ele
próprio, em seu papel como Procurador Federal, acusado Lula de ser culpado. De
qualquer forma, o Procurador-Geral tem apenas poder discricionário para iniciar
uma ação do governo, não constituindo medida eficiente para o reclamante.
Devido à evidente violação do princípio do juiz imparcial, uma Exceção de
Incompetência do Juízo da Comarca de Curitiba (ou seja, o Juiz Moro) foi
protolocada e rejeitada pelo juiz Moro. Esse “remédio” é absolutamente
ineficiente para garantir um julgamento com um juiz imparcial, uma vez que
depende da decisão do próprio juiz a quem se opõe.
5.
Detenção sem julgamento
78. O reclamante está sob investigação formal na
qualidade de réu: ele está, portanto, suscetível a qualquer momento ser detido
e preso por ordem do juiz Moro, sendo que esta ação por parte do juiz é
razoavelmente previsível. Esse juiz é conhecido por manter suspeitos da
Operação Lava Jato presos por tempo indeterminado, em detenção, até que eles
façam delação premiada. Eles não têm direito a habeas corpus, ou a acesso a um tribunal que decida pela sua
soltura, a não ser um ‘tribunal’ composto pelo próprio juiz Moro. Embora o
reclamante ainda não tenha sido preso, na qualidade de suspeito declarado ele
está vulnerável a ser preso a qualquer momento, sendo, portanto, uma pessoa
suscetível à detenção arbitrária. A lei e a jurisprudência no Brasil não
apresentam medidas possíveis ao reclamante, uma vez que a lei é tão ampla a
ponto de não estar em conformidade com o artigo 9o. Ela não
restringe a prisão preventiva a casos em que exista a probabilidade de fuga ou
de interferência em provas: os motivos para a detenção preventiva são tão
amplos que comportam a interpretação na qual há permissão para tal detenção a
fim de se obter uma confissão (isto é, uma delação premiada).
6.
O direito de presunção de inocência
79.
Este Direito é colocado em risco pelo vazamento persistente, por parte da
acusação, à imprensa de teorias investigatórias, documentos apreendidos,
transcrições de entrevistas e delações premiadas, com a intenção ou pelo menos
a conseqüência de criar uma expectativa junto ao público sobre a culpa de Lula
e incentivar o ódio público contra ele. Não houve nenhuma tentativa pelas
autoridades de parar esses vazamentos, que foram aprovados pelo juiz e pelo
procurador, sendo que a lei brasileira não contém qualquer disposição contra o
princípio de contempt of court ou
outro similar para impedir que a mídia emita um pré-julgamento de culpa. As
reclamações foram apresentadas em nome de Lula ao Conselho Nacional do
Ministério Público sobre o comportamento do Procurador Federal, ao alegar
publicamente que Lula era culpado, mas tal reclamação não foi aceita (veja
acima). O Conselho se limitou a enviá-la para uma “investigação interna”: um
longo processo de reclamação meramente administrativo e que não resulta na
apresentação de uma medida eficaz, por ser um processo disciplinar
discricionário; ver Coronel et al v
Colombia, Comunicação 778/1997, UN Doc CCPR/C/76/D/778/1997 (2002). Além
disso, não apresenta perspectiva razoável de êxito (ver Patiño v Panama, Comunicação 437/1990, UN Doc CCPR/C/52/D/437/1990
(1994)).
7. Posição Atual
80.
Por decisão do Supremo Tribunal Federal em 13 de junho de 2016, todas as
investigações de Lula (no total 13) foram devolvidas ao juiz Moro que, em 24 de
junho, ordenou sua descontinuidade. A Exceção de Suspeição de Lula (Anexo O) para
que Moro se abstenha foi rejeitada por ele em 22 de julho de 2016 (Anexo P).
[1] L Pagotto & A Teixeira,
‘The Brazilian Anti-Corruption Policy in
Motion’ (2016) 17(2) Business Law International 103
[2] Dentre as medidas
contra a corrupção tomadas durante o governo de Lula estão: (i) a efetiva
criação da Controladoria Geral da União, um órgão de combate à corrupção; (b)
criação do Portal da Transparência e do Cadastro de Pessoas Inidôneas, que
lista as empresas punidas e proibidas de contratar com a Administração Pública;
(c) Ampliação e vasta qualificação de membros do Ministério Público Federal, da
Polícia Federal e do Conselho de Controle de Operações Financeiras (COAF);
(d) Eleição do Chefe Máximo do
Ministério Público (o Procurador Geral da República) por meio de votos diretos
dos membros do Ministério Público; (e)
Ratificação da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Transnacional
(Decreto nº 5.015/2004); (f) Ratificação da Convenção das Nações Unidas contra
a Corrupção (Decreto nº 5.687/2006); (g) Promulgação da Lei nº.10.763 de 2003,
que aumentou as penas para a corrupção.
[3] O relatório final da
Comissão Parlamentar de Inquérito considerou o conhecimento de Lula do delito e
concluiu que "não há fatos ou provas" para implicá-lo. "A
autoridade máxima do país não pode ser imputada com responsabilidade estrita só
porque coordena o executivo - isso significaria que ele seria responsável,
quando ele não tinha conhecimento dos fatos ... No entanto, não há nenhuma
evidência de que ele omitiu a agir quando deveria ter."
[6] Ver Carta Aberta à
Comunidade Internacional de professores e pesquisadores de universidades
brasileiras, 26 de março de 2016.
[7] http://brasildefato.com/br/node/34318
[8] http://brasildefato.com.br/node/34318
[9] http://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2016/03/1746433-ministro-do-stf-diz-que-decisao-de-moro-foi-ato-de-forca-que-atropela-regras.shtml
[11] Escher v Brazil, 6th July 2009, Corte Interamericana de
Direitos Humanos
[12] 210/86, 225/87, parágrafo 12.3
[13] Van Alphen v Netherlands, 305/88,
parágrafo 5.7
[14] Hauschildt v Denmark (1988)
[15] Ver as observações conclusivas, Registros
oficiais da Assembleia gera, 56a Sessão, Suplemento no. 44
(A/56/44) parágrafo 119(c)
[23] Afirmação dado pelo referido procurador em seu parecer no Habeas
Corpus C 5029050-46.2014.404.0000. item 2 da ementa da referida manifestação do
Ministério Público Federal.
[26] Decisão no
28971/95 ECHR 1999
[27] Decisão no
15499/10, 16 de outubro de 2012
[28] 10 de fevereiro
de 1995, parágrafo 39-31, Series A no 308
[29] Tal declaração foi dada em palestra realizada em São Paulo, que
contou com a presença de diversos empresários e autoridades, conforme o link
abaixo:
https://www.youtube.com/watch?v=hYlKkjAOv-g
[31] Comunicado no 770/1997, Repetido em Kozulia v Belarus no
1773/2008 e Zinsou v Benin no
2055/2011
[32] 770/97, parágrafo 8.3
[33] 964/01, parágrafo 6.06
[34] PET 6171, atualmente
em trâmite no STF, que versa de pedido de investigação acerca dos vazamentos de
informações sigilosas. Embora todo o conteúdo estivesse sob sigilo, o “Estadão”
publicou notícia com o seguinte título “Denúncia do Sítio em Atibaia será
primeira acusação contra Lula na Lava Jato”. Curiosamente, na reportagem ora
mencionada são trazidos trechos de uma suposta denúncia e de laudos que em tese
só os órgãos envolvidos nas investigações tem acesso, em mais um atentado
temerário ao princípio da não culpabilidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário