4 Junho 2016, O País
http://opais.sapo.mz/index.php (Moçambique)
Sérgio Vieira*
Em
sua coluna “Carta a muitos amigos”
A República do Uganda acaba de
agraciar com a sua mais alta ordem, a Estrela de Kagera, os camaradas Ntumuke e
o saudoso Chikuza, que com os nossos voluntários defenderam a agressão de Idi
Amin contra a Tanzânia e apoiaram a libertação do país de um carniceiro que a
tempo e horas se pôs em fuga.
Os nossos entraram em primeiro lugar em Campala
e Nyerere pô-los à frente no desfile celebrando a vitória e a paz. Obrigado
Uganda por se lembrar de quem esteve convosco nas horas difíceis.
Não mencionando a Avenida Samora Machel em
Harare, parece que o Zimbabué se esqueceu de quem apoiou a libertação do país,
os mil voluntários moçambicanos que ali batalharam e até atacaram o aeroporto
militar da então Salisbúria.
A África do Sul parece que também não se lembra
dos vizinhos que muito sofreram para que se libertasse da tirania do apartheid.
Incluindo quando armas nucleares ameaçavam os vizinhos. Pena! Angola e
Moçambique pagaram penas pesadas pela causa da solidariedade.
Samora e vários companheiros, trinta e três no
total, assassinados pelo apartheid através de um
pseudo acidente provocado pelo
apartheid em Mbuzini há trinta anos.
Embora os testemunhos das populações locais e
dos sobreviventes, as informações prestadas pelo então Comandante-Geral da
polícia da África do Sul, recebeu-se até hoje zero de colaboração das
autoridades sul-africanas sobre este crime.
O General Cotzee diante de várias
testemunhas, incluindo o Ministro Lousã, O Ministro Fernando Vaz e o Comandante
da Força Aérea moçambicana João Honwana, categoricamente nos disse para
buscarmos um aparelho naquela zona e apontando para Mbuzini. Não mencionou
nenhum VOR.
Um elemento das forças armadas do apartheid
operando em Mbuzini e detido por outros crimes declarou à Comissão de Verdade e
Reconciliação da África do Sul que testemunhara a operação de um aparelho
estranho, rapidamente retirado do local quando se constatou que o aparelho
caíra em território sul-africano e não embatera como desejado nas montanhas do
lado moçambicano. A Inteligência Militar do apartheid instruíra um delegado da
RENAMO em Lisboa, Paulo Oliveira, para afirmar que haviam abatido o avião de
Samora. Quando constatado que o avião caíra na zona militar de Mbuzini anularam
a ordem.
Angola soube lembrar-se daqueles
que por ela se bateram e apoiar nas horas mais duras, incluindo na batalha de
Kifangondo, a 40km a norte de Luanda. Essa vitória assegurou que Neto tendo ao
seu lado o nosso Marcelino pudesse proclamar a independência no dia seguinte,
como programado. Vários camaradas receberam a Ordem Agostinho Neto. Obrigado
Angola.
Desde a primeira hora a Tanzânia com Nyerere, o
Ghana com Nkrumah apoiaram a formação da FRELIMO, a unidade!
A Suécia, a Dinamarca, a Noruega, a Finlândia
apoiaram-nos nas horas duras e merecidamente uma rua de Maputo ostenta o nome
de Olof Palme. Rebelo, Morais, os camaradas que imprimiam as nossas publicações
e livros escolares ficaram delirantes quando jovens estudantes finlandeses se
quotizaram e ofereceram à FRELIMO uma tipografia. Na Itália distinguiram-se no
apoio Dina Forti, Soncini director do Hospital de Reggio Emília que tratou dos
nossos feridos e amputados de guerra, Ledda das relações internacionais do
Partido Comunista, o saudoso Aldo Moro então Ministro dos Negócios Estrangeiros
e que apoiou a Conferência de Roma em 1970, tristemente assassinado pelas ditas
Brigadas Vermelhas.
A Argélia treinou os primeiros
homens, forneceu as armas para o 25 de Setembro.
Seguiu-se o Egipto e depois massivamente a URSS,
a Bulgária, a China que enviou instrutores para Nachingweia e connosco até ao
fim, mesmo após a declaração da independência.
As dez mil toneladas de armas e munições
enviadas em Setembro de 1973 por decisão de Chou en Lai representaram a nossa
capacitação para a ofensiva generalizada em todas frentes decretada pelo CC na
sessão de Dezembro de 1973.
Um ano depois ruía o sistema
colonial-fascista. Em Setembro nos Acordos de Lusaca fixou-se para o 25 de
Junho de 1975 a proclamação da independência e já com a evacuação total das
forças portuguesas, com excepção do pelotão de honra que devia arriar a
bandeira portuguesa na Machava às zero horas do dia 25.
Depois da libertação nacional a URSS, Bulgária,
Roménia, Hungria, China e Índia continuaram a apoiar-nos em armamento. A URSS,
China e Cuba com instrutores.
No nosso país apenas houve forças
combatentes estrangeiras em dois momentos e muito temporariamente:
1. Forças zimbabueanas ao longo
do corredor da Beira para protegerem o oleoduto e a via-férrea vitais para o
país, libertando as nossas para outras tarefas combativas.
2. Forças de artilharia
tanzanianas para apoio na Zambézia.
Claro que apoiamos política e
diplomaticamente outras diversas causas de libertação, do Vietname ao Saará
Ocidental, da Namíbia à Nicarágua. Aqui recebemos e tratamos com carinho
refugiados da Argentina, Brasil, Chile.
Fomos solidários com os anti-franquistas e os
gregos tiranizados por uma ditadura militar e cruel. Claro que sempre apoiamos
os anti-fascistas e anti-colonialistas portugueses.
A causa de Timor-Leste esteve
sempre na nossa agenda. Financeiramente, diplomaticamente Moçambique e Angola
apoiaram a FRETILIN, em armas quase impossível devido ao facto da Austrália
colaborar com o ocupante indonésio tendo em vista o negócio do petróleo no Mar
de Timor, assunto até hoje ainda não totalmente resolvido.
Fornecemos com Angola asilo, passaportes, apoio
financeiro para a missão em Nova York junto às Nações Unidas. Nesse tempo
Portugal só declarava oficialmente que em Timor-Leste só havia uma questão de
direitos humanos e recusou até bem tarde apoiar a causa da independência.
O princípio da solidariedade internacional, do
internacionalismo sempre fez parte do ideário da FRELIMO desde a sua criação.
Com Angola através da Zâmbia tantas vezes
mandávamos armas para o MPLA, como este para nós, em função das possibilidades
e disponibilidades.
Treinamos quadros da África do Sul e do Zimbabué,
ajudamos e treinamos os primeiros elementos do Destacamento Feminino da ZANU,
recebemos jovens do Uganda incluindo o actual Chefe do Estado, para treino e
lutarem contra o facínora que ocupava o país.
Fizemos isso com Mondlane e com
Samora ainda durante a luta de libertação nacional, com Chissano no referente à
Namíbia e África do Sul, sempre e até hoje há continuidade no apoio ao Saará
Ocidental. Nunca mudamos a nossa tradição de internacionalismo.
A defesa e solidariedade com quem sofre devido à
sua crença, ideais, cor da pele, etnia faz parte da essência dos princípios de
gentes de bem, dos que sempre combateram pela liberdade e dignidade dos seres
humanos. A FRELIMO sempre o fez. Um abraço à solidariedade!
*Sérgio Vieira: É membro fundador da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). Integrou a representação desta organização
na Argélia (1964/1967) e no Egipto (1969/1970). Actuou como secretário das presidências
de Eduardo Mondlane (1967/1969) e de Samora Machel (1970/1975). Após a
proclamação da independência de Moçambique, entre outros cargos, desempenhou os
seguintes: director do Gabinete do Presidente da República (1975/1977), governador
do Banco de Moçambique (1978/1981), ministro da Agricultura (1981/1983) vice-ministro
da Defesa (1983/1984), ministro da Segurança (1984/1987). Foi eleito deputado
da Assembleia da República da I até a V legislaturas, onde exerceu
diversos. Coronel na reserva, é autor do livro de memórias “Participei, por
isso testemunho”.
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