terça-feira, 12 de julho de 2016

Moçambique/SOBRE MOÇAMBIQUE E O INTERNACIONALISMO



4 Junho 2016,  O País http://opais.sapo.mz/index.php (Moçambique)

Sérgio Vieira*
Em sua coluna “Carta a muitos amigos”

A República do Uganda acaba de agraciar com a sua mais alta ordem, a Estrela de Kagera, os camaradas Ntumuke e o saudoso Chikuza, que com os nossos voluntários defenderam a agressão de Idi Amin contra a Tanzânia e apoiaram a libertação do país de um carniceiro que a tempo e horas se pôs em fuga.

Os nossos entraram em primeiro lugar em Campala e Nyerere pô-los à frente no desfile celebrando a vitória e a paz. Obrigado Uganda por se lembrar de quem esteve convosco nas horas difíceis.
 
Não mencionando a Avenida Samora Machel em Harare, parece que o Zimbabué se esqueceu de quem apoiou a libertação do país, os mil voluntários moçambicanos que ali batalharam e até atacaram o aeroporto militar da então Salisbúria.

A África do Sul parece que também não se lembra dos vizinhos que muito sofreram para que se libertasse da tirania do apartheid. Incluindo quando armas nucleares ameaçavam os vizinhos. Pena! Angola e Moçambique pagaram penas pesadas pela causa da solidariedade.

Samora e vários companheiros, trinta e três no total, assassinados pelo apartheid através de um
pseudo acidente provocado pelo apartheid em Mbuzini há trinta anos.

Embora os testemunhos das populações locais e dos sobreviventes, as informações prestadas pelo então Comandante-Geral da polícia da África do Sul, recebeu-se até hoje zero de colaboração das autoridades sul-africanas sobre este crime.

O General Cotzee diante de várias testemunhas, incluindo o Ministro Lousã, O Ministro Fernando Vaz e o Comandante da Força Aérea moçambicana João Honwana, categoricamente nos disse para buscarmos um aparelho naquela zona e apontando para Mbuzini. Não mencionou nenhum VOR.

Um elemento das forças armadas do apartheid operando em Mbuzini e detido por outros crimes declarou à Comissão de Verdade e Reconciliação da África do Sul que testemunhara a operação de um aparelho estranho, rapidamente retirado do local quando se constatou que o aparelho caíra em território sul-africano e não embatera como desejado nas montanhas do lado moçambicano. A Inteligência Militar do apartheid instruíra um delegado da RENAMO em Lisboa, Paulo Oliveira, para afirmar que haviam abatido o avião de Samora. Quando constatado que o avião caíra na zona militar de Mbuzini anularam a ordem.

Angola soube lembrar-se daqueles que por ela se bateram e apoiar nas horas mais duras, incluindo na batalha de Kifangondo, a 40km a norte de Luanda. Essa vitória assegurou que Neto tendo ao seu lado o nosso Marcelino pudesse proclamar a independência no dia seguinte, como programado. Vários camaradas receberam a Ordem Agostinho Neto. Obrigado Angola.

Desde a primeira hora a Tanzânia com Nyerere, o Ghana com Nkrumah apoiaram a formação da FRELIMO, a unidade!

A Suécia, a Dinamarca, a Noruega, a Finlândia apoiaram-nos nas horas duras e merecidamente uma rua de Maputo ostenta o nome de Olof Palme. Rebelo, Morais, os camaradas que imprimiam as nossas publicações e livros escolares ficaram delirantes quando jovens estudantes finlandeses se quotizaram e ofereceram à FRELIMO uma tipografia. Na Itália distinguiram-se no apoio Dina Forti, Soncini director do Hospital de Reggio Emília que tratou dos nossos feridos e amputados de guerra, Ledda das relações internacionais do Partido Comunista, o saudoso Aldo Moro então Ministro dos Negócios Estrangeiros e que apoiou a Conferência de Roma em 1970, tristemente assassinado pelas ditas Brigadas Vermelhas.

A Argélia treinou os primeiros homens, forneceu as armas para o 25 de Setembro.
Seguiu-se o Egipto e depois massivamente a URSS, a Bulgária, a China que enviou instrutores para Nachingweia e connosco até ao fim, mesmo após a declaração da independência.

As dez mil toneladas de armas e munições enviadas em Setembro de 1973 por decisão de Chou en Lai representaram a nossa capacitação para a ofensiva generalizada em todas frentes decretada pelo CC na sessão de Dezembro de 1973.

Um ano depois ruía o sistema colonial-fascista. Em Setembro nos Acordos de Lusaca fixou-se para o 25 de Junho de 1975 a proclamação da independência e já com a evacuação total das forças portuguesas, com excepção do pelotão de honra que devia arriar a bandeira portuguesa na Machava às zero horas do dia 25.

Depois da libertação nacional a URSS, Bulgária, Roménia, Hungria, China e Índia continuaram a apoiar-nos em armamento. A URSS, China e Cuba com instrutores.

No nosso país apenas houve forças combatentes estrangeiras em dois momentos e muito temporariamente:

1. Forças zimbabueanas ao longo do corredor da Beira para protegerem o oleoduto e a via-férrea vitais para o país, libertando as nossas para outras tarefas combativas.
2. Forças de artilharia tanzanianas para apoio na Zambézia.
   
Claro que apoiamos política e diplomaticamente outras diversas causas de libertação, do Vietname ao Saará Ocidental, da Namíbia à Nicarágua. Aqui recebemos e tratamos com carinho refugiados da Argentina, Brasil, Chile.

Fomos solidários com os anti-franquistas e os gregos tiranizados por uma ditadura militar e cruel. Claro que sempre apoiamos os anti-fascistas e anti-colonialistas portugueses.

A causa de Timor-Leste esteve sempre na nossa agenda. Financeiramente, diplomaticamente Moçambique e Angola apoiaram a FRETILIN, em armas quase impossível devido ao facto da Austrália colaborar com o ocupante indonésio tendo em vista o negócio do petróleo no Mar de Timor, assunto até hoje ainda não totalmente resolvido.

Fornecemos com Angola asilo, passaportes, apoio financeiro para a missão em Nova York junto às Nações Unidas. Nesse tempo Portugal só declarava oficialmente que em Timor-Leste só havia uma questão de direitos humanos e recusou até bem tarde apoiar a causa da independência.

O princípio da solidariedade internacional, do internacionalismo sempre fez parte do ideário da FRELIMO desde a sua criação.

Com Angola através da Zâmbia tantas vezes mandávamos armas para o MPLA, como este para nós, em função das possibilidades e disponibilidades.

Treinamos quadros da África do Sul e do Zimbabué, ajudamos e treinamos os primeiros elementos do Destacamento Feminino da ZANU, recebemos jovens do Uganda incluindo o actual Chefe do Estado, para treino e lutarem contra o facínora que ocupava o país.

Fizemos isso com Mondlane e com Samora ainda durante a luta de libertação nacional, com Chissano no referente à Namíbia e África do Sul, sempre e até hoje há continuidade no apoio ao Saará Ocidental. Nunca mudamos a nossa tradição de internacionalismo.

A defesa e solidariedade com quem sofre devido à sua crença, ideais, cor da pele, etnia faz parte da essência dos princípios de gentes de bem, dos que sempre combateram pela liberdade e dignidade dos seres humanos. A FRELIMO sempre o fez. Um abraço à solidariedade!

*Sérgio Vieira: É membro fundador da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). Integrou a representação desta organização na Argélia (1964/1967) e no Egipto (1969/1970). Actuou como secretário das presidências de Eduardo Mondlane (1967/1969) e de Samora Machel (1970/1975). Após a proclamação da independência de Moçambique, entre outros cargos, desempenhou os seguintes: director do Gabinete do Presidente da República (1975/1977), governador do Banco de Moçambique (1978/1981), ministro da Agricultura (1981/1983) vice-ministro da Defesa (1983/1984), ministro da Segurança (1984/1987). Foi eleito deputado da  Assembleia da República da I até a V legislaturas, onde exerceu diversos. Coronel na reserva, é autor do livro de memórias “Participei, por isso testemunho”.

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