10 julho 2016, Sul 21 http://www.sul21.com.br (Brasil)
por Ignácio Ramonet
Começou a campanha internacional a favor do dissidente
político que desconcerta os EUA. O seu confinamento revela: “democracias”
ocidentais já não toleram jornalismo que revele segredos do poder.
Já se completaram
quatro anos desde que, em 19 de junho de 2012, o ciberativista australiano
Julian Assange, paladino da luta pela liberdade de informação, se viu obrigado
a refugiar-se nas dependências da embaixada do Equador, em Londres. O pequeno
país latino-americano teve a coragem de lhe oferecer asilo diplomático, quando
o fundador do WiliLeaks se encontrava perseguido e acuado pelo governo dos
Estados Unidos e vários de seus aliados (Reino Unido e Suécia, principalmente).
A justiça sueca exige
que Assange se apresente em Estocolmo para testemunhar
pessoalmente sobre as acusações de agressão sexual feitas por duas mulheres a
quem ele haveria mentido sobre o uso de preservativo.
Julian Assange rechaça
essas acusações, sustenta que as relações com essas duas pessoas foram
consentidas e afirma ser vítima de um complot organizado por Washington. O
fundador do WikiLeaks nega-se a ir à Suécia, a menos que a justiça do país lhe
garanta que não será extraditado para os Estados Unidos, onde poderia ser
detido, conduzido a um tribunal e talvez, segundo os seus advogados, condenado
à pena de morte por “crime de espionagem”.
Por diversas vezes,
Assange também se propôs a responder por videoconferência às perguntas dos
encarregados da investigação suecos. Mas estes rejeitaram essa possibilidade,
argumentando que ele fugiu da Suécia, embora soubesse que havia uma
investigação aberta contra ele. O Supremo Tribunal sueco rejeitou novamente, em
11 de maio de 2015, o seu pedido de anulação da ordem de detenção que pesa
sobre ele.
Na verdade, o único
crime de Julian Assange é ter fundado o WiliLeaks. Em vários lugares têm
acontecido debates acalorados sobre se o WikiLeaks fez ou não prosperar a causa
da liberdade de imprensa; se terminou sendo bom ou mau para a democracia; se
essa plataforma deve ou não ser censurada. O que se sabe com certeza é que o
papel do WikiLeaks na difusão de meio milhão de informes secretos sobre abusos cometidos
por militares no Afeganistão e no Iraque, e de uns 250 mil comunicados enviados
pelas embaixadas dos Estados Unidos ao Departamento de Estado, constituem “um
marco na história do jornalismo”, definindo dois períodos – um antes e um
depois deles. O WikiLeaks foi criado em 2006 por um grupo de internautas
anónimos, tendo Julian Assange como porta-voz, e assumiu a missão de receber e
tornar públicas informações filtradas (leaks), garantindo a proteção das fontes1.
Recordemos as três
razões que, segundo Julian Assange, motivaram a sua criação. “A primeira foi a
morte em escala mundial da sociedade civil. Fluxos financeiros via
transferência eletrónica de fundos, que se movem com velocidade maior que a
penalização política ou moral, destroçando a sociedade civil em todo o mundo.
[…] Nesse sentido, a sociedade civil está morta, já não existe; uma ampla
classe de pessoas tem consciência disso e se aproveita para acumular riqueza e
poder. A segunda […] é que há um enorme e crescente Estado de vigilância
disfarçado, que está se expandindo pelo mundo, com base principalmente nos
Estados Unidos. […] A terceira é que os meios de comunicação internacionais são
um desastre, […] o ambiente dos media internacionais é tão mau e deformador que
seria melhor que não houvesse nenhum meio, nenhum”.
Assange traz uma visão
radicalmente crítica do jornalismo. Numa entrevista chega inclusive a afirmar
que, “dado o estado de impotência do jornalismo, me pareceria ofensivo ser
chamado de jornalista. […] O maior abuso foi a guerra [do Iraque e do
Afeganistão] relatada pelos jornalistas. Jornalistas que participam na criação
de guerras por sua falta de questionamento, sua falta de integridade e pelo
covarde bate-bola com fontes governamentais”.
A filosofia da
WikiLeaks baseia-se num princípio fundamental: os segredos existem para ser
descobertos. Toda a informação oculta nasce com a vocação de ser revelada e
colocada à disposição dos cidadãos. As democracias não devem esconder nada;
tampouco os dirigentes políticos. Se as ações públicas destes últimos não são
incompatíveis com a sua atuação pública ou privada, as democracias não deveriam
temer a difusão de “informação divulgada”. Neste caso – e só neste caso –
significaria que são moralmente exemplares e que o modelo político que encarnam
– julgado como “o menos imperfeito de todos”– poderia de facto estender-se, sem
nenhum obstáculo ético, ao conjunto do planeta. Por que os jornalistas teriam
de calar-se numa democracia, quando um político afirma uma coisa em público e a
contraria na esfera privada?
O WikiLeaks oferece aos
internautas a possibilidade de tornar públicos, por meio da sua plataforma,
gravações, vídeos ou textos confidenciais sem indagar como foram obtidos, mas
cuja autenticidade verifica. O WikiLeaks vive de doações dos internautas e de
fundações e não aceita ajudas governamentais nem publicidade. Um bom número de
instâncias públicas reconheceu a utilidade de seu trabalho. Em 2008 recebeu o
Prémio de Índice de Censura, outorgado pelo semanário britânico The
Economist, e em 2009 a Amnistia Internacional concedeu-lhe o prémio
de melhor “novo meio de comunicação” por ter trazido à luz, em novembro de
2008, um documento censurado sobre um caso de malversação de fundos realizado
pelo grupo do antigo presidente do Quénia, Daniel Arap Moi.
Desde a sua criação, a
WikiLeaks tem sido um banquete permanente de segredos, uma verdadeira fábrica
de novidades. Difundiu bem mais revelações do que muitos meios de comunicação
de prestígio em décadas… Entre os maiores escândalos que trouxe à tona
destacam-se:
– Os documentos que
denunciavam as técnicas usadas pelo banco suíço Julius Baer Group para
facilitar a evasão fiscal;
– O manual de comportamento
penal do Exército norte-americano na base de Guantánamo;
– A lista de nomes,
endereços, números de telefone e profissão dos membros do Partido Nacional
Britânico (BNP, de extrema direita), na qual figuravam polícias;
– A lista pormenorizada
de mensagens de email trocadas com o exterior pelas vítimas dos atentados do
World Trade Center, em 11 de setembro de 2001;
– Os documentos que
provavam o caráter fraudulento da falência do banco islandês The New Kaupthing;
– Os protocolos
secretos da Igreja da Cientologia;
– O histórico dos
e-mails pessoais enviados durante a campanha eleitoral por Sarah Palin,
candidata republicana à vice-presidência dos Estados Unidos, a John McCain, do
seu computador profissional (o que é proibido pela legislação norte-americana);
– Os expedientes do
julgamento do assassino Marc Dutroux, inclusive a lista com números de
telefone, contas bancárias e endereços de todas as pessoas investigadas neste
célebre caso de pedofilia.
Por tudo isso, assim
como Edward Snowden e Chelsea Manning, Julian Assange é parte de um novo grupo
de dissidentes políticos que lutam por um modo diferente de emancipação e são
rastreados, perseguidos e assediados, não por regimes autoritários mas por
Estados que pretendem ser “democracias exemplares”…
Em fevereiro passado, o
Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária da Organização das Nações Unidas
(ONU), um braço do Comité de Direitos Humanos da ONU, declarou que Julian
Assange se encontra “detido arbitrariamente” tanto pelo Reino Unido como pela Suécia.
Os especialistas internacionais independentes também afirmaram que tanto as
autoridades suecas como as britânicas deveriam “pôr fim a sua prisão” e
“respeitar o seu direito a receber uma justa compensação”. Conforme esse
veredito internacional, Julian Assange foi submetido a diferentes formas de
privação de liberdade: “detenção inicial na prisão de Wandsworth em Londres” em
regime de isolamento, “seguida de prisão domiciliar e, depois, do confinamento
na Embaixada do Equador”.
Embora o pronunciamento
do Grupo de Especialistas Internacionais da ONU não seja vinculante, supõe uma
grande vitória moral para Julian Assange no campo das relações públicas, ao
dar-lhe razão na sua longa luta contra as arbitrariedades das autoridades
suecas e britânicas.
A esse respeito, o
presidente equatoriano Rafael Correa informou que seu governo oferece asilo e
proteção ao fundador do WikiLeaks porque “Assange não tem garantias de respeito
a seus direitos humanos e a seus direitos em matéria de justiça”. De sua parte,
o chanceler equatoriano, Guillaume Long, declarou que o Equador “mantém
preocupações legítimas sobre os direitos humanos de Assange” e que Quito
considera haver, contra ele, algum tipo de “perseguição política”, motivos
pelos quais o Equador continua oferecendo asilo.
Para pedir a liberdade
de Julian Assange, os seus amigos de todo o mundo organizaram, entre os dias 19
e 24 de junho passado, em várias capitais do planeta (2)2 (Atenas, Belgrado,
Berlim, Bruxelas, Buenos Aires, Madri, Milão, Montevidéo, Nápoles, Nova Iorque,
Quito, Paris, Sarajevo) uma série de atos e conferências com a participação de
importantes personalidades e grandes intelectuais (Noam Chomsky, Edgar Morin,
Slavoj Zizek, Arundhati Roy, Ken Loach, Yanis Varoufakis, Baltasar Garzón, Amy
Goodman, Ignacio Escolar, Emir Sader, Eva Golinger, Evgeny Morozov).
Em Quito (Equador), o
simpósio foi organizado pelo Centro Internacional de Estudos Superiores de
Comunicação para a América Latina (Ciespal) e contou com uma intervenção do
próprio Julian Assange por meio de videoconferência. Por cinco dias
debateram-se temas como: O caso Assange à luz do Direito Internacional e dos
Direitos Humanos, Geopolítica e Lutas no Sul, Tecnopolítica e Ciberguerra e Dos
Pentágono Papers aos Panamá Papers.
O académico espanhol
Francisco Serra, diretor do Ciespal, declarou: “Cremos que, na verdade, o
problema de Julian Assange é esse: a liberdade de informação. Quando não há
liberdade de informação, de movimento nem de reunião, não há direitos humanos.
E portanto, o primeiro direito é o direito à comunicação, e é preciso colocar
em evidência que o caso Assange é um problema grave de direito à comunicação”3.
Esses eventos
solidários, ocorridos em todos os quadrantes da geografia mundial, definiram
dois objetivos. Em primeiro lugar: reivindicar os direitos que foram negados a Julian
Assange, como a presunção de inocência ou a liberdade de movimento. E em
segundo lugar: recordar o que representa o WikiLeaks, quer dizer, o desafio tão
atual da liberdade de informação e de comunicação num mundo permanentemente
vigiado.
Ignacio Ramonet é Jornalista. Diretor da
edição espanhola do Le Monde Diplomatique. Foi diretor da edição francesa entre
1990 e 2008.
Notas
1 Ver Ignacio Ramonet, La
Explosión del periodismo, Clave Intelectual, Madrid, 2011.
3 http://www.andes.info.ec/es/noticias/cuatro-anos-libertad-negada-julian-assange-seran-tratados-evento-academico-ciespal.html
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