Osvaldo Russo / Correio da Cidadania / 17 janeiro 2008
O governo Lula tem propiciado avanço notável nas políticas sociais, reduzindo a pobreza e as desigualdades. O Bolsa Família, a nova política de assistência social introduzida pelo SUAS, o aumento real do salário mínimo, a geração de mais empregos com carteira assinada, a apoio à agricultura familiar através do Pronaf, a construção de cisternas no semi-árido, o Luz para Todos, a criação do Fundeb (Fundo da Educação Básica), etc., têm merecido aceitação não só da maioria da população brasileira mas reconhecimento dos organismos internacionais, dos movimentos sociais e dos municípios em todo o país, que são parceiros do governo federal na implementação daquelas políticas públicas.
Os programas sociais, no entanto, inclusive os de transferência de renda, não substituem os de geração de trabalho e renda, que se constituem em portas de saída daqueles programas. Na área rural, este objetivo é cumprido pela reforma agrária e pelo desenvolvimento da agricultura de base familiar. Nesse sentido, a prioridade ao agronegócio deveria ser revista, pelo menos como está posta atualmente, pois, apesar de gerar divisas que contribuem para o superávit da balança comercial, tem comprometido o meio ambiente e a soberania alimentar da população brasileira, além de não gerar os empregos necessários ao país. O modo de produção do chamado agronegócio mostra-se, sobretudo, insustentável, segundo estudos que revelam novos padrões de sustentabilidade econômica, social e ambiental.
Em qualquer contexto histórico, aqui e alhures, reforma agrária significa – não só, mas antes de tudo - redistribuir a terra útil, sobretudo a privada, desconcentrando a sua propriedade, a sua posse e o seu uso, ou então não se faz reforma agrária. Como dizia o saudoso José Gomes da Silva (fundador da Abra, ex-presidente do Incra e “ministro” do governo paralelo do Lula, em 1990): “a terra está para a reforma agrária assim como o feijão está para a feijoada – depois vêm os temperos”. Para fazer uma feijoada de primeira, são necessários temperos saborosos e feijão de boa qualidade; na reforma agrária, igualmente, é preciso garantir políticas adequadas e terra de boa qualidade.
Democratizar a vida no campo, proteger o meio ambiente, gerar empregos, promover o ser humano e produzir alimentos saudáveis por si só justificam a importância da reforma agrária hoje. Nas regiões desenvolvidas do país, entretanto, a legislação atual inviabiliza a massividade da reforma agrária, mediante a aplicação de seu principal instrumento - a desapropriação por interesse social com pagamento da terra em títulos da dívida agrária.
É preciso, pois, mobilizar as energias da sociedade e o acúmulo do Estado conseguido até aqui para impulsionar as mudanças normativas que se fazem necessárias, como fortalecer institucionalmente o programa de reforma agrária e atualizar, como reconhece o ministro do Desenvolvimento Agrário, os defasados índices de produtividade, que ainda são da década de 70, exigidos para classificar a grande propriedade rural como “produtiva”, isenta de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, segundo a Constituição.
A reforma agrária precisa, sobretudo, dialogar com os movimentos sociais que organizam os demandantes prioritários – os trabalhadores rurais sem terra. A organização coletiva é necessária para alcançar escala econômica e empoderamento social que, ao lado de infra-estrutura, tecnologias apropriadas de produção, crédito, assistência técnica, educação e formação profissional, possibilitam a viabilidade econômica dos projetos de assentamento e a promoção social das famílias assentadas. Hoje, sem isso, torna-se impossível garantir o desenvolvimento sustentável dos assentamentos da reforma agrária no Brasil.
Osvaldo Russo é diretor da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra). Foi presidente do Incra (1993/94) e secretário nacional de Assistência Social (2005/06).
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