19 outubro
2015, Rede Voltaire http://www.voltairenet.org (França)
Thierry
Meyssan
RETRO-COLONIZAÇÃO
Voltando à
história da colonização francesa da Síria e comparando-a com a ação dos presidentes
Sarkozy e Hollande, Thierry Meyssan põe em evidência a vontade de recolonizar o
país por parte de certos dirigentes franceses actuais. Uma posição anacrónica e
criminosa que faz a França do presente um estado cada vez mais odiado no mundo.
A França é, hoje em
dia, o principal poder apelando ao derrube da República Árabe da Síria. Enquanto
a Casa Branca e o Kremlin negoceiam, em segredo, o modo de se livrarem dos
jiadistas, Paris persiste em acusar o " regime de Bashar" (sic) de
ter criado o Daesh (E. I. -ndT), e em declarar que após a eliminação do Emirado
Islâmico convirá derrubar a «ditadura Alauíta» (re-sic). A França é
publicamente apoiada pela Turquia e Arábia Saudita, e às escondidas por Israel.
Como explicar este
posicionamento de perdedor, quando a França não tem nenhum interesse económico
ou político nesta cruzada, quando os Estados Unidos deixaram de treinar
combatentes contra a República, e quando a Rússia está em vias de reduzir a
cinzas os grupos jiadistas?
A maior parte dos
comentadores sublinharam, com razão, os laços pessoais do presidente Nicolas
Sarkozy com o Catar, patrocinador da Irmandade Muçulmana, e os do presidente
François Hollande igualmente com o Catar, e, também, com a Arábia Saudita. Os
dois presidentes financiaram, ilegalmente, uma parte das suas campanhas
eleitorais com estes estados, e tem
beneficiado de toda a espécie de
facilidades oferecidas por esses mesmos Estados. Além disso, a Arábia Saudita
detêm, agora, uma parte não negligenciável das empresas do CAC40, de modo que o
seu desinvestimento brutal causaria graves prejuízos económicos à França.
Eu gostaria de evocar,
aqui, uma outra hipótese explicativa: os interesses coloniais de certos
dirigentes franceses. Para tal, é necessário um regresso ao passado.
O tratado Sykes-Picot
Durante a Primeira
Guerra Mundial, os Impérios Britânico, Francês e Russo acordaram, secretamente,
em dividir as colónias dos impérios Austro-Húngaro, Alemão e Otomano, assim que
estes fossem derrotados. Na sequência de negociações secretas em Downing
Street, o conselheiro do Ministro da Guerra e superior de «Lawrence da Arábia»,
Sir Mark Sykes, e o enviado especial do Quai d’Orsay, François Georges-Picot,
decidem partilhar a província otomana da Grande Síria entre eles e disso
informam o Czar.
Os Britânicos, cujo
império era comercial, apropriam-se das zonas petrolíferas conhecidas à época,
e da Palestina, para aí instalar uma colónia de povoamento judaico. O seu
território estendia-se por sobre o do Estado da Palestina, de Israel, da
Jordânia, do Iraque e do Koweit actuais. Paris, que estava dividida entre os
partidários e adversários da colonização, admitia, por si, uma colonização ao
mesmo tempo económica, cultural e política. Apropriou-se, pois, dos territórios
do Líbano e da Pequena Síria, actuais, dos quais quase metade da população à
época era cristã, e da qual ela se declarava a «protectora» desde o rei
Francisco Iº. Finalmente, os lugares santos de Jerusalém e de São João de Acre
deviam ser internacionalizados. Mas, na realidade, esses acordos nunca foram
plenamente aplicados, quer porque os Britânicos haviam assumido compromissos
contraditórios como, sobretudo, porque entendiam criar um Estado judeu para
prosseguir a sua expansão colonial.
Jamais as «democracias»
britânica e francesa debateram públicamente estes acordos. Teriam chocado o
Povo britânico, e teriam sido rejeitados pelo Povo francês. O Acordo
Sykes-Picot foi revelado pelos revolucionários bolcheviques que os descobrem
nos arquivos do Czar. Eles provocam a fúria dos Árabes, mas os Britânicos e os
Franceses não reagiram perante as ações dos seus governos.
A ideia colonial francesa
A colonização francesa
começou no reinado de Charles X com a conquista sangrenta da Argélia. Era uma
questão de prestígio, que nunca foi apoiada pelos franceses e levou à revolução
de julho de 1830.
Mas, a idéia colonial
apareceu em França após a queda do Segundo Império e a perda da Alsácia-Mosela.
Dois homens de esquerda, Gambetta e Jules Ferry, propõem a conquista de novos
territórios em África e na Ásia na impossibilidade de poder libertar a Alsácia
e a Mosela, ocupadas pelo Reich alemão. Eles juntaram-se aos interesses
económicos da direita ligados à exploração da Argélia.
Como a motivação pela
derivação, em relação à libertação do território nacional, não é muito
gloriosa, os amigos de Gambetta e de Ferry vão embrulhá-la num discurso
mobilizador. Não se trata de satisfazer apetites expansionistas ou económicos,
mas, sim, de «libertar povos oprimidos» (sic) e de os «emancipar» de culturas
«inferiores» (re-sic). O que era muito mais nobre.
Na Assembleia Nacional
e no Senado, os partidários da colonização tinham criado um lóbi para defender
os seus apetites: o «Partido Colonial». O termo «partido» não deve aqui induzir
em erro, ele não designava uma formação política, mas, antes, uma corrente de
pensamento trans-partidário, reunindo uma centena de parlamentares de direita e
de esquerda. Eles juntaram-se a poderosos homens de negócios, militares,
geógrafos e altos-funcionários, como François Georges-Picot. Se muito poucos
Franceses se interessavam pela colonização, antes da Primeira Guerra Mundial,
já eram muito mais numerosos no período Entre-as-duas-Guerras... quer dizer,
após a restituição da Alsácia e da Mosela. O Partido Colonial, que já não era
mais, agora, senão o do capitalismo cego, enroupado de direitos-do-homem,
tentou convencer a população através de grandes eventos como a sinistra
Exposição Colonial de 1931, e atingiu o seu apogeu com a Frente Popular de Léon
Blum, em 1936.
A colonização da Pequena Síria
Na sequência da Guerra
e da queda do Império Otomano, o Sherife Hussein das duas mesquitas de Meca e
de Medina proclamou a independência dos Árabes. Em conformidade com as
promessas de «Lawrence da Arábia» ele proclamou-se «rei dos Árabes», mas é
chamado à ordem pela «pérfida Albion».
Em 1918, o seu filho, o
Emir Faisal, proclama um governo árabe provisório em Damasco, enquanto os
britânicos ocupam a Palestina e os Franceses a costa Mediterrânica. Os Árabes
tentam criar um Estado unitário, multiconfessional, democrático e independente.
O presidente dos E.U.A,
Woodrow Wilson, reconciliou o seu país com o Reino Unido em torno do projecto
comum de criação de um Estado judeu, mas, ele opõe-se à ideia de colonizar o
resto da região. Retirando-se da conferência de Versalhes, a França faz-se
atribuir um mandato, pelo Conselho Supremo Inter-aliados, para administrar a
sua zona de influência, aquando da conferência de San Remo. A colonização tinha
encontrado um álibi legal: era preciso ajudar os Levantinos a organizarem-se
após a queda dos otomanos.
As primeiras eleições
democráticas são organizadas na Síria pelo governo árabe provisório. Elas dão a
maioria, do Congresso Geral sírio, a caciques sem verdadeira cor política, mas
a assembleia é dominada pelas figuras da minoria nacionalista. Ela adopta uma
Constituição monárquica e bi-camarária (cameral-br). Ao anúncio do mandato
francês, o Povo revolta-se contra o Emir Faisal, que havia decidido colaborar
com os Franceses e os Maronitas do Líbano, que o apoiam. Paris envia a tropa
sob o comando do General Gouraud, um dos membros do «Partido Colonial». Os
nacionalistas sírios dão-lhe combate em Marjayoun, onde eles são esmagados.
Começa a colonização.
O General Gouraud
separa primeiro o Líbano --- onde ele dispõe do apoio dos Maronitas --- do
resto da Síria, que ele se esforça por governar dividindo, e opondo entre si,
os grupos religiosos.
A capital da «Síria» é
transferida para Homs, uma pequena cidade sunita, antes de regressar a Damasco,
mas o poder colonial permanece baseado no Líbano, em Beirute. É conferida uma
bandeira à colônia, em 1932, que é composta por três bandas horizontais
representando as dinastias Fatímidas (verde), Omíadas (branca) e Abássidas
(preta), símbolo para os muçulmanos xiitas quanto à primeira, e para os sunitas
quanto às duas seguintes. As três estrelas vermelhas representando as três
minorias, cristã, drusa e alauíta.
A França pensa fazer do
Líbano um Estado maronita, já que os Maronitas são cristãos que reconhecem a
autoridade do papa, e da Síria um Estado muçulmano. Ela não parará de combater
os cristãos da Síria Pequena já que eles são maioritáriamente ortodoxos.
Em 1936, a esquerda
acede ao poder em França, com o governo da Frente Popular. Ele aceita negociar
com os nacionalistas árabes e promete-lhes a independência. O sub-secretário de
Estado para os protectorados do Magrebe e dos mandatos do Médio-Oriente, Pierre
Viénot, negoceia a independência do Líbano e da Síria (tal como ele havia
tentado fazer para a Tunísia). O Tratado é ratificado, por unanimidade, pelo
Parlamento sírio, mas, jamais será apresentado por Léon Blum --- membro do
«Partido Colonial» --- ao Senado.
No mesmo período, o
governo da Frente Popular decide separar a cidade de Antioquia da Pequena Síria
e propõe juntá-la à Turquia, o que será feito em 1939. Desta forma, Léon Blum entende
livrar-se dos cristãos ortodoxos, cujo patriarca é o titular do Patriarcado de
Antioquia, e que os Turcos não deixarão de reprimir.
Por fim, é a divisão da
França durante a Segunda Guerra Mundial, que porá termo à colonização. O
governo legal de Philippe Pétain tenta manter o mandato, enquanto o governo
legítimo de Charles de Gaulle proclama a independência do Líbano e da Síria, em
1941.
No fim da II Guerra
Mundial, o Governo Provisório da República põe em acção o programa do Conselho
Nacional de Resistência. No entanto, o «Partido Colonial» opõe-se às
independências dos povos colonizados. A 8 de maio de 1945 dá-se o massacre de
Setif (Argélia), sob o comando do general Raymond Duval, a 29 de maio o de
Damasco sob o comando do general Fernand Olive. A cidade é bombardeada pela
Força Aérea Francesa durante dois dias. Uma grande parte do "souk"
histórico é destruído. A Assembleia do Congresso do Povo Sírio é, ela própria,
bombardeada.
Roland Dumas atira uma
pedrada ao charco em directo na TV, e rebenta assim o discurso oficialista de
François Hollande : «os Ingleses preparavam a guerra na Síria dois anos antes
das manifestações de 2011». Ora, isto não estava previsto no programa!
Obrigado, Sr. Dumas!
As ambições coloniais da França na Síria desde 2011
Enquanto o presidente
Nicolas Sarkozy convidava o seu homólogo sírio, Bashar al-Assad, para as
cerimónias do "14 de julho", de 2008, nos Campos Elísios, celebrando
com isso os seus avanços democráticos, ele negoceia com os E.U. e o Reino Unido
a remodelagem do «Médio-Oriente Alargado», em 2009-10. A Secretária de Estado,
Hillary Clinton, convence-o a relançar o projecto colonial franco-britânico sob
orientação norte-americana, ou seja a teoria da «liderança nos bastidores».
A 2 de novembro de 2010
–- isto é, antes da «Primavera Árabe»---, a França e o Reino Unido assinam uma
série de documentos conhecidos como os acordos de Lancaster House. Se a parte
pública indica que os dois Estados juntarão as suas forças de projeção (quer
dizer, as suas forças coloniais), a parte conservada secreta previa atacar a
Líbia e a Síria, a 21 de março de 2011. Sabe-se que a Líbia será atacada dois
dias mais cedo pela França, provocando a cólera do Reino Unido que foi assim
ultrapassado pelo seu aliado. O ataque contra a Síria, pelo contrário, jamais
terá lugar porque o comanditário, os Estados Unidos, mudarão de opinião.
Os Acordos de Lancaster
House foram negociados, por parte da França, por Alain Juppé e pelo general
Benoît Puga, um partidário ferrenho(fanático-br) da colonização.
Em 29 de julho de 2011,
a França criou o Exército Sírio Livre (os «moderados»). Contráriamente à
propaganda oficial sobre o seu chefe, o coronel Riyadh al-Asaad, os seus
primeiros elementos não são sírios, mas, sim, Líbios da al-Qaida. Riyadh al-Asaad
não é mais que uma cobertura destinada a dar o verniz sírio. Ele foi escolhido
por causa da sua homonímia com o presidente Bashar al-Assad, com o qual não tem
nenhum laço de parentesco. No entanto, ignorando que os dois nomes não se
escrevem da mesma maneira em árabe, a imprensa atlantista vê nele o sinal da
«primeira defecção no seio do regime».
O Exército Sírio Livre
(ESL) é enquadrado por legionários franceses, destacados das suas unidades e
colocados à disposição do Eliseu e do general Benoît Puga, o chefe do
Estado-maior privativo do presidente Sarkozy. O ESL recebe como estandarte a
bandeira da colonização francesa.
Actualmente, o ESL não
constitui mais um exército permanente. Mas, a sua marca é usada, pontualmente,
para operações imaginadas pelo Eliseu e realizadas por mercenários de outros
grupos armados. A França persiste em distinguir jiadistas em «moderados» e, outros,
«extremistas». Não existe, no entanto, diferença em termos de pessoal ou de
comportamento entre os dois grupos. Foi o ESL que começou as execuções de
homossexuais, precipitando-os do alto a partir dos telhados dos edifícios. Foi
igualmente o ESL que difundiu um vídeo de um de seus dirigentes, canibal,
comendo o coração e o fígado de um soldado sírio. A única diferença, entre
moderados e extremistas, é a sua bandeira : ou, a da colonização francesa, ou a
da jiade.
No início de 2012, os
legionários franceses escoltam 3.000 combatentes do ESL para Homs, a antiga
capital da colonização francesa, para fazer dela a «capital da revolução». Eles
entricheiram-se no quarteirão novo de Baba Amr e proclamam um Emirado Islâmico.
Um tribunal revolucionário condena à morte mais de 150 moradores que
permaneceram no quarteirão e fá-los degolar em público. O ESL aguentou um cerco
de um mês protegido por posições de tiro com mísseis anti-tanque Milan,
colocados à disposição pela França.
Quando o presidente
François Hollande relança a guerra contra a Síria, em julho de 2012, ele
conserva –—facto único na história da França--- o chefe de Estado-maior privado
do seu antecessor, o general Benoît Puga. Este retoma a retórica e a pose
colonial. Assim, ele declara que a República Árabe Síria é uma «ditadura
sanguinária» (é preciso, pois, «libertar um povo oprimido»), e que o poder é
confiscado pela minoria Alauíta (é preciso, pois, «emancipar» os sírios desta
seita horrível). Ele consegue interditar a participação nas eleições, que se
realizam no seu próprio país, aos refugiados sírios na Europa, e decide em seu
lugar que o Conselho Nacional Sírio –-não eleito–- é o seu legítimo
representante. O seu ministro dos Negócios Estrangeiros (Relações
Exteriores-br), Laurent Fabius, declara que o presidente democraticamente
eleito, Bashar al-Assad «não merece estar sobre a Terra».
As declarações de Valéry Giscard d’Estaing
A 27 de setembro
passado, o antigo Presidente Valéry Giscard d’Estaing deu uma entrevista, de
uma página, ao diário «Le Parisien / Aujourd’hui en France» a propósito
dos refugiados e da intervenção russa contra os terroristas na Síria. Ele
declarou : «Eu interrogo-me quanto à possibilidade de criar um mandato da ONU
sobre a Síria, por um período de cinco anos».
Jamais, desde a sua
criação, a Onu concedeu "mandato". Esta simples palavra reenvia-nos
para os horrores da colonização. Nunca, jamais, havia um líder francês evocado
assim, publicamente, as ambições coloniais francesas desde a independência da
Argélia, há 53 anos.
Importa aqui lembrar
que Geneviève, a irmã de François Georges-Picot (o do Acordo Sykes-Picot), se
casou com o senador Jacques Bardoux ---membro do «Partido Colonial»---. A sua
filha, May Bardoux, desposou, por sua vez, o presidente da Sociedade Financeira
Francesa e Colonial, Edmond Giscard d’Estaing, o pai do antigo presidente
francês (Valéry Giscard d’Estaing- ndT).
Assim, a solução do
problema sírio, segundo o sobrinho-neto do homem que negociou com os Britânicos
o mandato francês sobre a Síria, é recolonizar o país.
O Presidente Chávez tinha também, quanto a ele, compreendido, e muito antes da sua morte, o que se passava na Síria.
*Thierry Meyssan: Intelectual francês, presidente-fundador da
Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política
externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em
francês: L’Effroyable imposture: Tome 2,
Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada
em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de
comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).
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