segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Moçambique/Empoderamento da mulher: Ajustar os bancos ao sector informal

16 Novembro 2015, Jornal Notícias http://www.jornalnoticias.co.mz (Moçambique)

Os bancos comerciais têm de ajustar as suas políticas à realidade do país de modo a permitir maior acesso aos seus serviços, nomeadamente ao crédito para as mulheres do sector informal, que enfrentam dificuldades para beneficiar das oportunidades que a banca disponibiliza. Este é o pensamento de Eulália Nhatitima, falando em entrevista ao “Notícias”.

Na sua opinião, esta medida pode contribuir para o empoderamento da mulher.

Presidente da Associação Rede de Pequenas e Médias Empresas (PME), agremiação que há dias organizou o Primeiro Fórum Empresarial Mulher (PME), Eulália defende ainda que já é altura de Moçambique começar a pensar em definir uma percentagem nos negócios e oportunidades gerados por multinacionais para as micro, pequenas e médias empresas, em particular as que são geridas por mulheres.

Durante a conversa, a empresária, que se considera uma mulher de causas, falou do impacto do Fórum na vida das mulheres, uma vez que as participantes tiveram a oportunidade de expor as suas preocupações, trocar ideias, partilhar experiências e interagir com
o Governo, sociedade civil, representantes das multinacionais na busca de soluções para os problemas e desafios que interferem nas suas actividades empresarial e de negócios. A seguir, transcrevemos partes significativas da entrevista.

NOTÍCIAS (Not.): Como é que começa a história da criação da Associação Rede de Pequenas e Médias Empresas (PEM)?
Eulália Nhantitima (EN): A Rede de Pequenas e Médias Empresas (PME) é um projecto que surge em2012 das dificuldades enfrentadas pelas PME. Eu, fazendo parte desse grupo de empresas, com outras pessoas decidimos instituir uma associação que pudesse velar pelos interesses deste seguimento de empresas. Inicialmente, a ideia eram trocas comerciais. Contudo, apercebemo-nos que mais do que acesso a oportunidades de negócios, as PME têm problemas estruturais que afectam a sua competitividade no mercado, pelo que elas devem-se organizar; por outro lado, como um movimento associativista, entendemos que podemos fazer a nossa parte, influenciando as políticas e estratégias desenhadas pelo Governo para as PME, de modo a salvaguardar os interesses das PME.

Not.:Há dias, a rede organizou o Primeiro Fórum Empresarial Mulher PME. O que motivou a realização do evento?
EN: Uma das condições necessárias para que a mulher prospere e contribua de forma efectiva na criação de empregos e melhoria da qualidade de vida dos moçambicanos é o seu empoderamento. Sabemos que, apesar de marcadamente reconhecido o papel activo da mulher no desenvolvimento económico do país e, por conseguinte, na geração de renda para as famílias moçambicanas, ela  continua commenosoportunidades.  Entre outros, apontam-se como entraves para o seu crescimento o fraco acesso aos mercados, as excessivas barreiras reguladoras, elevados custos de finaciamento e limitação de recursos. É neste contexto que a Rede PME,em parceria com outras associações femininas como a Organização da Mulher Moçambicana, FEMME, AWAB MOZAMBIQUE, INTAMO, EMPREMA, ASSEMO, AMUDEIA, WLM,  organizou este Primeiro Fórum Empresarial Mulher PME, que decorreu sob o lema “Empoderar Economicamente a Mulher”. Pretendíamos discutir os principais desafios da mulher, tendo, por isso, trazido temas de destaque como o papel da mulher na estabilidade e desenvolvimento da economia moçambicana, tema proferido por Sua Excelência o Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi. Discutiu-se ainda o acesso ao crédito e serviços financeiros; a geração de cadeia de valores económicos para a mulher, assim como a necessidade de as instituições apostarem em lideranças corporativas femininas. Por outro lado, o fórum pretendia dar visibilidade às acções destas mulheres quer no sector informal, quer no sector formal, bem como criar aproximação entre as entidades que tomam a decisão, neste caso o Governo, e estas mulheres e, finalmente, criar um cenário em que as mulheres empresárias e empreendedoras pudessem viabilizar parcerias dentro do próprio Fórum.
  
Formação é importante para inclusão financeira 
Not.:Como é que pensam intervir na componente formação e acesso ao crédito?
EN: A formação deve ser realmente uma ferramenta importante para a inclusão social. Devemos olhar para ela como um elemento-chave para permitir o acesso às oportunidades aos mais desfavorecidos. Mais do que isso deve-se olhar para a formação como um processo contínuo e não para uma situação pontual. A mulher, na sua maioria, tem dificuldades de aceder ao crédito e aos serviços financeiros porque a sua formação é limitada e sabemos que grande parte delas encontra-se no sector informal e a maior parte também tem um baixo nível de formação, deficiente informação e poucos conhecimentosdos produtos e serviços financeiros. Repare-se, por exemplo, que durante muito tempo à mulher foi atribuído negativamente o papel de dona de casa, dona da machamba, menos dona de empresa ou líder de uma organização empresarial, o que fez com que ela estivesse por muito tempo menos activa no sistema financeiro. Actualmente assistimos uma mudança positiva da participação da mulher, que é cada vez mais economicamente activa, numa sociedade em desenvolvimento como a nossa.

Not.:Como é que os bancos comerciais podem garantir o acesso ao crédito a mulheres do sector informal?
EN: No Primeiro Fórum Empresarial Mulher PME discutimos o acesso ao crédito e inclusão financeira como mecanismo de empoderamento da mulher, tendo havido o entendimento de que, para além de as mulheres terem este défice de informação devido à sua limitação académica e convívio social, os bancos comerciais, em particular, e as instituições financeiras, em geral, ainda não começaram a criar políticas mais realísticas àquilo que é o mercado moçambicano, com baixo nível deliteracia e inclusão financeira. A inclusão financeira da mulher quer ela esteja no campo ou na cidade, quer tenha estudado ou não, seja ela empresária ou camponesa, não deve estar limitada e simplificada ao acesso ao crédito bancária ou fundos do Governo. Queremos que a mulher possa usufruir de todos os serviços e produtos que hoje o nosso mercado financeiro oferece. Ela deve-se beneficiar também de programas de formação, programas de informação, serviços de seguro de saúde para a sua família, fundos de garantias para os seus investimentos, depósito de poupança para si e para os seus dependentes, porque a inclusão financeira da mulher é inclusão financeira da família.

Not.: Pode-se explicar melhor?
EN: Gostaríamos que as políticas fossem realmente ajustadas para a mulher. Eu até costumo dizer que os bancos comerciais têm de “amarrar a capulana” e sentar-se com as mulheres, sobretudo, do sector informal de forma a compreendê-las melhor. Penso que vale a pena sim, os bancos comerciais e todas outras instituições financeiras aproximarem-se um pouco mais destas senhoras, no caso concreto do sector informal que tem muitas dificuldades de se aproximar ao banco. Se a questão é falar a língua local, então vale a pena admitir colaboradores que possam falar a língua local e interagir mais com estas mulheres. Se a questão é o plano de negócio, vale a pena aproximar-se junto destas senhoras e tentar perceber como é que planificam as suas actividades, como é que elas gerem o seu dinheiro, como é que elas conseguem produzir o lucro e onde elas guardam o dinheiro, para depois estruturar um empréstimo ou tipo de depósito para estas senhoras. Então, quando digo que devem amarrar a capulana é estarmos mais próximos deste público-alvo.

Defender comissão dos negócios gerados por multinacionais
Not.:Haverá alguma atenção especial à mulher rural que tem dificuldades de aceder ao mercado, às novas tecnologias de produção, comunicação e informação?
EN: Estamos a pensar num pacote integrado que possa abranger a mulher em todos os sectores, seja a mulher rural, a agricultora, porque, de facto, a mulher faz-se presente em todas as áreas da actividade económica e as suas necessidades vão para além do acesso ao crédito. É por isso que neste Fórum Empresarial Mulher PME levámos para lá cerca de oito temas e um dos temas que nós levámos, por exemplo, é como é que as multinacionais podem gerar valores económicos para a mulher empreendedora ou empresária. Também levámos temas de natureza social, por exemplo, como tornar as medidas de protecção social mais efectivas. Portanto, está tudo interligado e não podemos olhar só para um tema, devemos aglutinar para satisfazer todas as necessidades. Pensamos que o primeiro passo é a aproximação constante e efectiva entre a mulher rural e os agentes que possuem a informação ou os recursos financeiros e outros, o associativismo empresarial para a partilha de recursos e custos dos mesmos. É preciso melhorar o processo de divulgação das oportunidades existentes para que a mulher e o homem possam ter benefícios iguais.

Not.:Chegaram a alguma conclusão sobre, por exemplo, como é que as mulheres empresárias ou empreendedoras podem beneficiar de oportunidades geradas por multinacionais?
EN: Este foi o tema que não conseguimos esgotar e ficámos de agendar outros encontros para conversar com as multinacionais, porque, de facto, eu penso que as multinacionais não estavam preparadas, não sabiam o que é que iam encontrar junto das mulheres. Há a tendência de se menosprezar a mulher, o que deve rapidamente mudar. Infelizmente, o que fomos ouvir não era o que estávamos à espera de ouvir concretamente. Obviamente que não se pode esgotar este tema em um único fórum, mas foi um passo significativo que demos e conseguimos que as partes se compreendessem e procurassem caminho para diálogos para busca de soluções efectivas.

Not.:Na sua opinião, como é que as mulheres podem beneficiar das oportunidades geradas por multinacionais?
EN: Penso que já é a altura de defendermos uma percentagem dos negócios que são gerados nestes megaprojectos para a mulher. Não faz sentido que hoje importemos alguns serviços de fora enquanto temos mulheres preparadas para executar certos serviços, como é, por exemplo, a criação de frangos, de ovos, de serviços de catering. É verdade sim que muitas destas multinacionais encontram dificuldades porque estas mesmas empresárias, empreendedoras, têm algumas limitações de formação como nos referimos. Há que apostar muito na formação destas empresárias ou empreendedoras, mas também é importante que as multinacionais tenham sensibilidade e dentro das suas estratégias de engajamento dos diversos públicos também possam engajar as mulheres na sua cadeia de negócios beneficiando-lhes até de programas de formação para que elas possam responder à demanda com eficiência e eficácia.

A mulher deve acreditar que é capaz
Not.:Que responsabilidade a empresária ou empreendedora pode ter para contribuir ainda mais no desenvolvimento e estabilidade económica do país?
EN: A mulher, de facto, já tem um papel importante no nosso tecido económico. Se formos a ver, só o sector informal já mexe com a economia moçambicana e é um sector dominado pela mulher. O nosso desejo é de que as mulheres deixem de ser passivas, nós não queremos que a mulher trabalhe apenas para comprar pão. Nós gostaríamos de ter uma mulher empresária ou empreendedora com capacidade de amanhã poder empregar mais pessoas, de poder gerar mais empregos. É o que nós queremos. Ela, de facto, envolve-se sim senhora, mas é preciso que a mulher comece a pensar numa perspectiva de que a sua actividade possa gerar um impacto social muito forte na sociedade. Isto passa necessariamente por a mulher acreditar que realmente é capaz. Contudo, é preciso que também não deixemos apenas de dizer que a mulher tem um papel significativo, mas é preciso que passemos a criar acções concretas para empoderar a mulher para que ela possa responder aos desafios do país.

Not.:Diz-se que a mulher já nasce líder. Quer comentar?
EN: A mulher por si só já é líder por natureza. De casa ela já começa a liderar os processos, embora se calhar de um jeito informal. Felizmente há espaço para a mulher brilhar e demonstrar a sua liderança, por isso um dos temas que levámos ao fórum foi a liderança cooperativa feminina e o impacto desta liderança para a mulher e para a sociedade em geral. Entendemos, pois, que quanto mais mulheres estiverem em posições de liderança, maior será o entendimento sobre os seus problemas, pois é mais fácil uma mulher perceber a outra. Ainda neste campo das lideranças femininas gostaria que se divulgasse mais o protocolo da SADC sobre a igualdade de género e que, sem dúvida, permitiu uma maior representatividade das mulheres em cargos de liderança. Moçambique é um bom exemplo a avaliarmos a percentagem de mulheres que hoje ocupam posições de liderança, sobretudo, no sector público. Vale a pena incentivar as instituições privadas a atraírem e manterem profissionais do sexo feminino altamente qualificados nas suas lideranças porque elas só saem a ganhar.

Nunca desistir e ter disciplina 
Not.:Algumas pessoas quando tencionam criar algum negócio pensam nos riscos, no fracasso. Como lidar com estas questões?
EN: Penso que as mulheres ou qualquer empresário deve lidar com isso com alguma naturalidade porque a vida não é um mar de rosas. Se hoje as coisas não correram bem, amanhã nós temos de acordar e ir a luta para que as coisas corram bem. Não são todos os dias que a vida nos sorri, mas o importante é que nós tenhamos força e estejamos motivados para prosseguir com os nossos desafios e objectivos. Eu penso que desistir não é solução, é para os fracos. O que as mulheres devem fazer é serem persistentes. Noto no dia-a-dia é que a mulher moçambicana é persistente. Todos os dias quando nós saímos à rua a mulher está lá a fazer a diferença.

Not.:O que diria a uma jovem mulher que pretende iniciar um negócio?
EN: Diria que o sol nasce todos os dias e para todos e que por isso ela deve procurar realizar os seus sonhos dentro das suas capacidades. Nada é fácil, durante este percurso ela vai encontrar obstáculos, e deve transformá-los em desafios. Os obstáculos devem ser a razão do nosso dia-a-dia de trabalho. A persistência e determinação devem ser uma fonte de inspiração para a prossecução dos nossos sonhos.

Projectada criação do Fórum Económico
Not.:Que ilações tiraram do Fórum Empresarial Mulher PME?
EN: O Fórum Empresarial Mulher PME foi uma experiência ímpar e única. Não tínhamos a dimensão da aceitabilidade que este fórum iria ter e para nós, os organizadores, foi gratificante perceber que as mulheres e homens acolheram esta iniciativa não só em massa mas em qualidade. Tivemos a mulher executiva, a mulher rural, mulheres e homens que vieram não só dacidade Maputo como também de alguns distritos por iniciativa própria. Felizmente, todos sabiam da importância que cada um desempenha para a sociedade e, por isso, puderam contribuir de igual forma sem complexos, independentemente das suas capacidades financeiras, grau de formação, entre outros. Pudemos perceber que, realmente, a mulher precisa de um espaço onde possa expor as suas preocupações e encontrar soluções para os desafios que lhe são colocados no seu dia-a-dia de trabalho empresarial e de negócios. Mas também percebemos que a mulher de hoje tornou-se mais forte, ela tem um peso social muito forte, em termos de desafios hoje ela não quer apenas trabalhar para o sustento dos seus filhos mas quer trabalhar para transformar vidas e para que ela se prepare para esse desafio. Entendemos que os próximos passos devem ser no sentido de institucionalizar este fórum em fórum económico da mulher,para que possamos, de facto, discutir os seus desafios e fazer o acompanhamento das decisões saídas do próprio fórum. Dizer ainda que o grande ganho deste fórum foi produzir uma declaração que é a declaração de Maputo, que já está em processo de divulgação.

Not.: Quando é que pensam em formalizar o Fórum Económico?
EN: Estamos a finalizar o relatório do recente fórum e vamos juntar os demais grupos de mulheres para discutir a institucionalização do fórum e ver como é que podemos salvaguardar os interesses de todas as partes interessadas, sejam as mulheres do sector informal, seja a mulher empreendedora que não é empresária que quer ser empresária, seja a mulher executiva. Este fórum é para todas as mulheres deste país. Gostaríamos de trazer um fórum económico em que toda a mulher se reveja nele, quer na perspectiva económica, empresarial e social.

Adaptei-me ao mercado
Not.:Quem é Eulália Nhatitima?
EN: Eulália Nhatitima é a segunda e única menina no meio de quatro rapazes do casal Delfina e Sinai Nhatitima. Nasci numa família de fortes princípios e valores morais. Para além dos meus avós, tenho como referência os meus pais que me fizeram crescer com muito amor, carinho e, acima de tudo, firmeza. Os que me conhecem chamam-me de mulher guerreira e persistente. Pessoalmente considero-me uma mulher de causas, pois todas as acções que desenvolvo são sempre na perspectiva de transformar vidas e realizar sonhos de pessoas, por isso junto-me sempre a movimentos de causas. De todas as causas que tenho abraçado a do empoderamento é que me fascina porque acredito que é uma das formas de garantirmos um desenvolvimento económico estável para o país.

Not.:Qual é a sua especialidade?
EN: Como empreendedora desenvolvi sempre projectos virados para a área social, tendo em 2007 lançado uma das empresas pioneiras em consultoria em responsabilidade social corporativa. Recentemente percebi que também podia dar o meu contributo às pequenas e médias empresas. Faço consultoria para pequenas e médias empresas.

Not.:Passou por alguma crise que depois superou?
EN: Passei e tenho passado por crises. Penso que as crises nos fazem crescer e ver o mundo de outra forma e felizmente devo dizer que as tenho superado. Lembro-me que quando decidi que queria ser dona de uma empresa sempre saía de uma reunião convicta de que no dia seguinte tudo iria acontecer porque de facto as pessoas eram motivadoras, mas já para a materialização dos projectos as dificuldades começavam e deparava-me com uma realidade completamente diferente mas nada melhor do que um novo dia para recarregar as forças.

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