sábado, 14 de novembro de 2015

PENTÁGONO: IMPÉRIO DAS LAMÚRIAS

11 novembro 2015, Tlaxcala http://www.tlaxcala-int.org (México)
Tlaxcala, the international network of translators for linguistic diversity




"Para que servem tantos serviços de inteligência, se induzem as próprias autoridades 
a sempre repetir as mesmas sandices? [Ash] Carter que meça suas palavras."
                                                                                              

Donald "sabidos não sabidos" Rumsfeld era osso duro ("cu de ferro", comoPapai Bush diria). O parceiro dele de neoconservadorismo e atual El Supremo do Pentágono Ash Carter – cujo emprego só durará pouco mais de um ano – corre o risco, hoje, de ficar com fama de diva-no-desvio.

Depois de oito dias viajando pela Ásia, Ash atingiu a Biblioteca Presidencial Ronald Reagan em Simi Valley, Califórnia, feito um míssil balístico desgovernado de se-lamentação. E acertou onde mais lhe dói: a parceria estratégica Rússia-China. Como aquela gente se atreve? Qualquer coisa, mas NÃO pisem nos meus sapatos azuis à Pentágono [orig. Don’t you step on my blue [suede] shoes (NTs)].

E a Rússia é culpada por praticar "atividades desafiantes" no mar, no ar, no espaço e no ciberespaço. E isso sem falar de "sacudir sabres nucleares". 

Ash mais uma vez enumerou todos aqueles "pilares da ordem internacional" que Rússia-China, diz ele, estariam violando: resolução pacífica de disputas, liberdade ante a coerção, respeito à soberania do Estado e à liberdade de navegação. Considerando o currículo dos feitos recentes do Excepcionalistão no Afeganistão, Paquistão, Iraque, Líbia, Síria em latitudes sortidas, sempre se pode contar com o Pentágono para enriquecer os anais do hiper-irrealismo.

O
 Dr. Fantástico, digo, aquele Yo, El Supremo[1] da OTAN general Philip Breedlove, já entregou, publicamente, que não tem nem ideia do que Putin está fazendo na Síria. Ash, patrão dele, subiu a aposta: Putin "não pensou com muita atenção sobre" os próprios objetivos na Síria, e essa abordagem é "muito fora de rota". Com certeza, porque um mês de ataques russos fez mais para minar as forças do  ISIS/ISIL/Daesh que mais de um ano da "rota" seguida pela Coalizão dos Oportunistas Finórios (COF) liderada pelos EUA (COFUSA), que conta com
capacitadores salafistas-jihadistas "rebeldes moderados" tipo Turquia e Arábia Saudita.

Ash fez uma pausa nas lamúrias, só para reconhecer que "é possível" que "a Rússia talvez desempenhe papel construtivo na solução da 'guerra civil' na Síria". Não esclareceu o que entende por "construtivo".

E imediatamente voltou à negação afirmativa de antes: "Não queremos guerra fria, muito menos quente, com a Rússia (...). Não queremos fazer da Rússia nossa inimiga." Mesmo assim, já há Guerra Fria 2.0 efetivamente em andamento, desde a praça Maidan em Kiev; e a campanha histérica para demonizar Putin e a Rússia, não dá sinais de amainar.

Antes, semana passada, Ash apareceu a bordo de um porta-aviões norte-americano no Mar do Sul da China, mostrando seu apreço pela "liberdade de navegação", tipo "é do nosso jeitão naval, ou a prancha é serventia do navio." Pequim reagiu mas, muito mais, pôs a flutuar à tona o informe de que marcar bobeira por ali custaria caro. Que tal experimentar o amor do DF-21D míssil balístico matador de porta-aviões, com 2.500 km de alcance?

Para a China, Ash mais uma vez mostrou condescendência orientalista pentagônica semicrua: tudo depende do "comportamento da China" ao demonstrar seus compromissos com a paz e a segurança.

Podem contar com que os mísseis de choradeira de Ash se reduplicarão sem controle. Estão incorporados na nova doutrina militar dos EUA, que define Rússia e China – com o Irã num 3º lugar não distanciado – como grandes ameaças. Os britânicos tanto gostaram, que já macaquearam: "crescente agressão russa" está entre as principais ameaças listadas na próxima estratégia de segurança nacional do Reino Unido a ser desvelada por David Cameron dia 23 de novembro.


Contenção ou morte!
A coisa fica cada vez mais e mais estranha – ou, no mínimo, mais suja-lamacenta –, quando se considera que, há pouco mais de um mês, o mesmo Ash andava ameaçando, em reunião de ministros da Defesa da OTAN em Bruxelas, que a Rússia "em breve" começaria a pagar o preço pela sua "escalação" [orig. "escalation"] na Síria.

O preço pode ter sido cobrado em vidas, na catástrofe do avião da Metrojet. Nada, claro, conecta Ash e o Pentágono à catástrofe: no máximo, um pensamento desejante. Mesmo assim, a possibilidade de ter havido uma bomba posta no avião pelo ramo do Daesh no Sinai foi aventada pelo Quartel-General de Comunicações [orig.
 GCHQ] de Londres, aproveitando-se de sua vasta rede "nós espiamos todo o mundo" feita à imagem da Agência Nacional de Segurança dos EUA. James Bond in Spectre – da boa velha inteligência em campo – jamais teria esse tipo de informação.

Aquela mesma reunião em Bruxelas também decidiu ampliar a chamada "força ponta-de-lança" [orig.
 "spearhead force"] da OTAN para "fornecer contenção" [orig. "deliver deterrence,"] nas palavras do secretário-geral da OTAN, o norueguês testa-de-lança Jens Stoltenberg. Stoltenberg até se vangloriou de que a mera existência dessa força já fazia estremecer de medo a Rússia – além do Exército Árabe Sírio – por causa de supostas "incursões em território turco". Mas fato é que nenhuma força da OTAN foi mandada para a Turquia. Afinal, a OTAN estava ocupadíssima invadindo a Espanha.

Bem que podemos, nós também indulgir num momento "estou sentindo você" à moda do Clinton-marido, para considerar a infindável lamentação de Ash. São tantos e tais os pontos sobre os quais o Pentágono "não-tem-nem-a-mais-pálida-ideia", que Ash de modo algum poderia reconhecê-los publicamente.

Por exemplo, o desempenho dos mísseis russos Kalibr, na comparação com os Tomahawks. Lançados da frota no Mar Cáspio, voaram por 1.500 km antes de acertar seus alvos no ISIS/ISIL/Daesh, o que implica que o alcance máximo dos Kalibr, segundo fontes russas, é de cerca de 1.800 km – muito maior que o dos Tomahawks. Como se não bastasse, cada alvo foi atingido por dois mísseis, e em alguns casos, três. Isso sugere altíssima precisão e confiabilidade, considerando que os EUA usualmente têm de disparar quatro mísseis quando atacam centros de comando e depósitos.

A Rússia também já instalou sistemas ultrassofisticados de guerra eletrônica na Síria, como o Krasukha-4, capaz de facilmente interferir em sistemas de comunicação
 AWACS e satélites. Ash de modo algum poderia admitir publicamente que a Rússia já controla de facto os céus sírios. O sultão Erdogan, pelo menos, foi esperto o bastante para compreender que a zona aérea de exclusão com que ele tanto sonhara, sobre a fronteira turco-sírio, não decolaria.

O que resta é, ora... um
 remix pós-moderno do Vietnam: mandar mais soldados. Ash está entusiasmadíssimo, desde que os EUA encontrem forças locais mais "capazes" para parceria.

Assim sendo, examinemos rapidamente o cenário local das "capacidades".

ISIS/ISIL/Daesh é ativo na Síria central, ao lado de Jaysh al-Fatah, coalizão islamista com uns poucos membros associada à Frente al-Nusra, também conhecida com al-Qaeda na Síria. Nas linhas de frente em Hama, o falso "Califato" e al-Nusra são aliados
 de facto. Ash de jeito nenhum encontrará aí aliados "capazes".

Mas há enorme porta dos fundos. Al-Nusra camuflou-se, metendo-se no uniforme de Ahrar al-Sham, que Washington chama de "rebeldes moderados". Ahrar al-Sham é de fato um ramo da Fraternidade Muçulmana, plenamente apoiado pela Turquia.

Assim sendo, não surpreende que todos queiram saltar para dentro do vagão dos "rebeldes moderados", na esperança de serem condecorados com mísseis TOW antitanques fabricados nos EUA. 'Todos' inclui grupamentos como a brigada Tawhid Al Asimah em Damasco, a brigada Wa Atasimu também em Damasco, o batalhão Abu Amarah em Aleppo, a brigada mártir Ahmad Al-Omar e o movimento Binaa Umma ativo em Deraa e Quneitra. Trabalhar com essas gangues pode ser uma saída para Ash. Mas, isso, só se Obama despachar
 mais soldados norte-americanos para cobrir todo o território sírio.

E agora, os 50 imortais
Mas, primeiro, as forças de Operações Especiais enviadas para o norte da Síria – os 50 imortais de Obama – têm de dar conta da tarefa que lhes coube. Pronuncie o nome Kuweyres [também grafado Kwairis, na imprensa iraniana]. Tudo depende do que aconteça na base militar em Kuweyres. 

Eis os fatos em solo. O Exército Árabe Síria, pelo menos por enquanto, desimpediu e está mantendo aberta sua importantíssima rota de suprimentos para Aleppo. O próximo objetivo – com apoio da aviação russa – é muito mais difícil: cortar as vias de reabastecimento que vêm da Turquia para a gangue dos salafistas/jihadistas/degoladores "rebeldes moderados".

Pode-se argumentar que a única força local "capaz" para esse missão é
 YPG dos curdos sírios. Mas para firmar sua posição, o YPG tem de construir ligação forte entre Kobani e o enclave curdo de Afrin.

E querem saber por que não podem fazer isso? Porque o Pentágono ordena que ataquem para o sul, na direção de Raqqa, 'capital' do ISIS/ISIL/Daesh. E a inteligência turca – que controla o corredor de reabastecimento – avisou ao
 YPG que serão bombardeados até virarem pó, se tentarem expandir sua base no norte da Síria.
Assim sendo, o
 YPG precisa de cobertura, para continuar a mover-se. O pessoal de Ash não cobrirá ninguém. E os russos estão longe, sem coturnos no solo do norte da Síria.

Mas o Exército Árabe Sírio está a apenas poucos quilômetros da base aérea de Kuweyres. Será batalha feroz. Mas se conseguirem reocupar a base aérea militar, terão obtido base perfeita para os jatos sírios e russos, que dali poderão dar cobertura ao
 YPG para fazerem sua ponte entre Kobani e Afrin.[2]

O Pentágono bem sabe que os russos têm um acordo com os curdos sírios: o Exército Árabe Sírio, com todo o apoio possível dos russos, toma Kuweyres; o
 YPG avança para Afrin; e os russos 'contêm' os turcos na fronteira. Sem essa cadeia de eventos cruciais, será virtualmente impossível para os "4+1" – Rússia, Síria, Irã, Iraque +Hezbollah – cortar o corredor de reabastecimento que a Turquia implantou para todas aquelas gangues de salafistas-jihadistas-degoladores "rebeldes moderados".

É onde entram os 50 imortais de Obama. Foram mandados para o comando dos curdos do
 YPG para "ajudá-los" a não cumprir sua parte no acordo com a Rússia. Sim, mas... onde está a novidade? Faz perfeito sentido que os rapazes de Ash trabalhem ombro a ombro com os bandidos de Ayman al-Zawahiri. É o Pentágono & al-CIA-Qaeda. O que poderia algum dia dar errado? É preciso manter a Guerra Global ao Terror (GGaT) para sempre, guerra sem fim (remember Rumsfeld?), pelo maior tempo possível. Pronto. Aí está um bom motivo para NUNCA pararem de se lamuriar.

NTs
* Epígrafe acrescentada pelos tradutores.

[1] É título de magnífico romance do paraguaio Augusto Roa Bastos [1917-2005], de 1974, narrado em primeira pessoa pelo ditador Gaspar Rodríguez de França, que governou o Paraguai com mão de ferro, durante 25 anos, desde a independência em 1811. O romance é ficção, mas o Supremo ditador existiu. Pepe Escobar repete com frequência a expressão "El Supremo", em q parece haver alguma referência àquele romance. Corremos o risco de trazer um pouco mais à tona a (talvez) mesma referência.

[2] ATUALIZAÇÃO: PressTV, Teerã 10/11/2015, 03h05 PM [hor. local]:http://www.presstv.com/Detail/2015/11/10/437093/Syria-Daesh-Takfiri-Kweires-Aleppo.

*Pepe Escobar (1954) é jornalista brasileiro, vive em São Paulo, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (“The Roving Eye”) em Asia Times Online e é analista e correspondente da rede de televisão The Real News Network. Seu artigo “Get Osama! Now! Or else...” foi publicado em Asia Times Online (e, traduzido, aqui), duas semanas antes dos ataques terroristas de 11/9/2001. Seus artigos podem ser lidos, em tradução para o português, em inúmeros blogs brasileiros (http://redecastorphoto.blogspot.com/, http://www.viomundo.com.br/ e muitos outros). 

Livros
Obama does Globalistan (Nimble Books, 2009)

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