Os desencantos
de hoje e respectivas frustrações nada têm a ver com o 25 de Abril. São fruto
duma coligação de interesses e conjugação de factores internos e externos a
jusante da essência e natureza dum sistema predador responsável pela miséria,
pela fome e pela doença de milhões de seres humanos. Chama-se capitalismo. O
mesmo sistema que, com a mentira, a ganância e o vírus mortal da austeridade
está hoje a destruir as Liberdades e as Democracias e perigosamente a lançar as
bases do recrudescimento duma extrema – direita fascista por diversos locais da
Europa e do planeta.
1.-Deixai que
me dirija em primeiro lugar à Direcção e restantes membros dos órgãos sociais
desta casa para lhes dar os parabéns pelos 131 anos de vida da Voz do Operário.
Cento e trinta
e um anos de sucesso ao serviço da educação e da cultura, do movimento
associativo e do desporto, pugnando pela dignificação e elevação dos
trabalhadores e dos seus associados.
É com grande
satisfação, estamos certos, que aqui juntos – militantes da liberdade, da
solidariedade e do progresso
– comemoramos esta efeméride e o seu digno e
elevado significado.
A propósito da
homenagem.
Fiquei inquieto
(e ainda estou) mas como poderia furtar-me a tão delicada honra quando outros
valores se erguem em seu redor. Muito obrigado.
Confesso que
sobre o meu papel, no arranque para o 25 de Abril e no desenvolvimento da
revolução, até hoje, tem-me norteado a coerência irrequieta e a recordação,
sempre presente, das minhas origens e da formação adquirida para uma permanente
luta por uma sociedade mais livre e igualitária, justa e solidária.
Mas por não
estar sozinho nessa peleja, não posso deixar de vos dizer, que se aqui sou
homenageado recebo a vossa decisão sem hipocrisia e falsa modéstia, porque
aceito convosco e vos agradeço representar tantos mil - de Abril - que muitas
lutas travaram e que em luta continuam.
Tantos mil do
Abril que vencerá, porque Abril é o futuro.
Só assim me
sentirei bem comigo e convosco. Convosco comungando memórias e tradições e
reflectindo sobre os tão inquietantes momentos da Democracia Portuguesa e do
Povo Português! Do desconserto da humanidade, enfim do mundo!
2.- Aos
presentes militantes de Abril e antifascistas, à minha companheira e filhos,
familiares, amigos e camaradas, militares de Abril e outros militares
igualmente lutadores, antigos camaradas autarcas, antigos companheiros dos
Pupilos do Exército/”Querer é Poder” e companheiros da Associação Conquistas da
Revolução…o nosso abraço e o nosso bem-haja pelo prazer e significado em
ter-vos aqui.
3.- Mas se me
permitem a “personalidade de mérito reconhecido” indubitavelmente merecedora de
homenagem, e este ano ainda mais que nunca, só pode chamar-se “25 de Abril e o
acto de libertação do heróico povo português” - encarnada num dos seus, de
muitos fautores - dos quais me apetece salientar, de entre os militares
coerentes, já falecidos, Vasco Gonçalves (o nosso Primeiro-Ministro da
Revolução e o mais insigne capitão de Abril), Rosa Coutinho, Costa Martins,
Salgueiro Maia, Ramiro Correia, Nápoles Guerra, Rosário Dias, Bouzas Serrano ….
e ainda, dos vivos, Varela Gomes, V. Costa Santos, José Emílio da Silva,
Vicente da Silva e outros militares de Abril da minha geração – praças, cabos,
sargentos e oficiais (e também milicianos).Nós comandámos mas sem estes nada se
faria. E dos antifascistas civis, lutadores, perseguidos, presos torturados,
persistentes combatentes como esquecer e não nomear Álvaro Cunhal e o seu
partido, na luta de décadas rumo à vitória da liberdade e da dignidade do Povo
Português e bem assim outros compatriotas, de vários quadrantes políticos,
levantados do chão, lutando e resistindo? Por isso e acedendo ao pedido não
posso deixar de evocar “o 25 de Abril”, a revolução, os seus quarenta anos e a
actual situação. Não vou maçar-vos com longa dissertação. Todos aqui temos
memória e consciência.
Houve 25 de
Abril porque havendo ditadura, colonização, opressão, isolamento,
obscurantismo, demagogia, um pesado policiamento das consciências, queríamos
ser Livres, ter Paz, contribuir, com plena cidadania, para a construção do
nosso futuro.
Os capitães, os
militares, anos após anos, foram descobrindo que o inimigo não estava na mata
tropical mas no Terreiro do Paço. Altas patentes militares e Governantes
mentiam sem pudor. Paradoxalmente foi com a experiência da guerra, que souberam
preparar com profissionalismo e competência a tomada do poder.
Há 40 anos
Portugal redimiu-se numa noite e fez surpreendentemente, dum conjunto de jovens
militares, emergirem capitães, timoneiros do povo armado e sob a égide dum povo
unido erguer a mais bela das alvoradas, ponto de partida para a Revolução, para
um processo revolucionário que, na base da aliança Povo/MFA, viria a produzir
as profundas transformações económicas, sociais, políticas e culturais que
dariam origem à Democracia de Abril, consagrada na Constituição da República
Portuguesa de 2 de Abril de 1976.
A Revolução de
Abril, ao pôr fim à ditadura fascista, abriu o caminho à participação dos
cidadãos na vida pública, ao desenvolvimento económico, social e cultural
dizendo não ao oportunismo, à corrupção, aos interesses ilegítimos dos grupos
financeiros e sim à justiça social, ao direito ao trabalho, ao emprego, à
saúde, à educação, à habitação, à paz, a mais futuro.
O processo
revolucionário foi um dos períodos mais belos e criativos da nossa história. As
conquistas de Abril, entre o democratizar, descolonizar e desenvolver,
preconizadas pelo Programa do MFA e aprofundadas pela aliança Povo-MFA, foram
formalizadas por mais de duzentos diplomas legais, entre 1974 e 1976.
No entanto e na
sequência do gravoso ataque a essas mesmas conquistas da “Revolução dos
Cravos”, um ataque com décadas de existência, após o 25 de Novembro do nosso
descontentamento, e agravado nos últimos três anos com a invasão da “troika”,
Portugal e os portugueses vivem hoje a pior situação política, económica,
social e cultural após o 25 de Abril.
Os desencantos
de hoje e respectivas frustrações nada têm a ver com o 25 de Abril. Os
desencantos de hoje e respectivas frustrações são fruto duma coligação de
interesses e conjugação de factores internos e externos a jusante da essência e
natureza dum sistema predador responsável pela miséria, pela fome e pela doença
de milhões de seres humanos. Chama-se: “capitalismo”, neoliberalismo,
ultraliberalismo ou simplesmente “mercado”. O mesmo sistema que, com a mentira,
a ganância e o vírus mortal da austeridade, está hoje a destruir as Liberdades
e as Democracias e perigosamente a lançar as bases do recrudescimento duma
extrema – direita fascista por diversos locais da Europa e do planeta.
Quem deixou,
quem permitiu (como e quando?) que seja o “mercado” e seus tiranetes a mandar
em nós? Há anos que vimos afirmando que o sistema gera desumanas situações
socioeconómicas, com uma aparente e ilusória contrapartida de progresso
económico, onde os ricos têm ficado cada vez mais ricos e os pobres, cada vez,
mais pobres.
A economia
social foi estrangulada e a vertente financeira (especulação) sobrepõe-se à
vertente produtiva (economia real).Esta é a essência da crise: A banca e a alta
finança a comandar a política como antigamente, na ditadura derrubada. Só que
agora com novos trunfos.
Foi assim, com
este mando do “mercado”, a subserviência e trapaça destes governantes,
nacionais e europeus, que se chegou a esta situação de crise nacional, europeia
e internacional pretendendo, os mandantes, curar as doenças com “remédios
falsos” e insistindo na receita: *completa e cega submissão aos números,
*desprezo pela pessoa e famílias, *austeridade geradora de recessão da
economia, * as mais altas taxas de desemprego e pobreza, *jovens empurrados
para a emigração, *generalização da precariedade, *quebra dos salários e
redução das pensões dos reformados, *despudorada e injusta carga fiscal, *feroz
ataque ao direito ao trabalho, *grave contenção dos legítimos direitos na
saúde, na segurança social, na educação e na justiça. Enfim, firme ensejo de
destruir por completo o Estado-Social construído à custa de intensas lutas de
tantos anos.
Os diplomas dos
governos revolucionários de Vasco Gonçalves defendiam e consolidavam os
direitos básicos dos cidadãos. Hoje, ao invés, as leis do mercado e as leis dos
mandantes subvertem e matam os direitos básicos dos trabalhadores e do povo.
Mas está na
natureza destes governantes e na sandice da sua demagogia oficial, sem
vergonha, declarar: “a vida das pessoas não está melhor mas o país está
melhor”. Até onde pode ir o desprezo pelas pessoas e o desconhecimento do país
real? Até onde vamos deixar ir esta afronta, esta violência?
Impõe-se
derrubar este governo e suas políticas e recuperar a esperança que a madrugada
libertadora nos trouxe retomando os seus valores.
Queremos uma
política que defenda o regime democrático, que edifique um Estado onde o
trabalho, a solidariedade, a justiça e a cultura sejam pilares fundamentais,
que coloque o desenvolvimento da economia ao serviço das pessoas, das novas
gerações e do futuro do País.
Assim como a
descolonização, foi obra da luta de libertação dos povos, teremos de invocar
novamente esse terceiro “D” para nos descolonizarmos da troika e do
neoliberalismo com a bravura e luta dum povo soberano de há quase 900 anos.
No 40º
aniversário desta data especial estamos certos que lá estaremos – muitos, mas
muitos mil - participando numa grande e calorosa festa de confraternização
comemorativa e que será também forte protesto e a exigência da mudança
necessária. O Povo Português não pode resignar-se e não se deixará vencer.
Estamos certos,
o nosso 25 de Abril vencerá. Porque Abril é o Futuro.
25 de Abril, sempre!
25 de Abril, sempre!
*Intervenção
deste militar de Abril na Sessão de Homenagem que lhe foi prestada na Voz do
Operário em 22.02.2014
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