12 março 2014, ODiário.info http:
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Marta Rojas
De Atahualpa a Eloy Alfaro, a história do Equador é rica de heróis,
símbolos da luta ainda hoje em curso pela independência e a liberdade. Heróis
cuja história assume em muitos casos contornos de lenda, tal a forma como a sua
acção assume aspectos inauditos de coragem e audácia, expressão cabal das
melhores virtudes do seu povo.
Durante muito tempo fizeram-nos crer, pejorativamente, que o
Equador seria para sempre apenas uma «república das bananas». Da sua riqueza e
dos seus grandes heróis, desde Atahualpa a Eloy Alfaro (1842-1912), «malditos
que mereciam a morte» pouco ou nada se falava. O primeiro foi preso. Os
conquistadores prometeram devolver-lhe a liberdade em troca de uma fabulosa
soma em ouro. Cumpriu-a. Mas depois de dez meses de cativeiro Pizarro ordenou a
sua morte por estrangulamento. Tinha quarenta anos de idade. Na sua língua
indígena conta a história escrita, que repetia um lamento: «Chaupi punchapi
tutacaya, ou o que significa em espanhol «Anoiteceu ao meio dia».
Para o terrível Pizarro o Equador foi uma terra de promissão. Dali
partiu com a sua expedição para o país da Canela que culminou nada menos que
com o descobrimento de um outro mar — um mar doce — o rio Amazonas que encheu
de alegria um dos seus homens, Orellana. Sem se importar que morreriam milhares
e milhares de índios e muitos espanhóis.
O Equador não era pouco, entre Atahualpa e Eloy Alfaro actua o
índio Eugénio de Cruz Espejo, um ser excepcional na Colónia: médico, advogado,
escritor, jornalista, um dos precursores, porque não, da independência
americana, que concebeu de forma radical, mediante a insurreição simultânea da
colónia e a formação de um governo republicano e democrático no século XVIII.
Além disso fundou o primeiro jornal em 1791. Perseguido atrozmente, Espejo
morreu na maior pobreza. Custa imaginar como não foi assassinado.
Mas nenhuma façanha «impossível» foi em vão. Em 1809 a 10 de Agosto
de 1909 Quito inaugurou uma Junta Soberana. Gritou bem alto a independência
latino-americana.
As razões de Eloy Alfaro
No século XIX Alexandre Humbolt afirmou, ao estabelecer o contraste entre a pobreza do povo e as riquezas naturais imensas, que aquele país era «um mendigo sentado em cima de um saco de ouro». E logo esse saco de ouro é repartido pelas oligarquias conservadoras e liberais em luta, e pelo imperialismo ou vice-versa.
No século XIX Alexandre Humbolt afirmou, ao estabelecer o contraste entre a pobreza do povo e as riquezas naturais imensas, que aquele país era «um mendigo sentado em cima de um saco de ouro». E logo esse saco de ouro é repartido pelas oligarquias conservadoras e liberais em luta, e pelo imperialismo ou vice-versa.
Surgiu o grupo rebelde de Eloy Alfaro com um exército de
camponeses, índios e os chamados montúbios: artesãos, trabalhadores e jovens
radicais. Uma geração heróica. Foi sem dúvida a expressão mais cabal do povo
nas suas aspirações, com as suas melhores virtudes.
A etapa heróica e popular que tantas esperanças despertava no
Equador, entre camponeses e gente culta terminaria em 1912 com o massacre de
Eloy Alfaro — a estrela — e os seus seguidores no que foi conhecido como a
«fogueira bárbara» perpetrada em Quito pelas referidas forças da reacção. Os
governos que viveram imediatamente depois do chamado processo autocrático,
entre 1912-1925 mantiveram a obscuridade.
Depois chamaram a Salvador uma república das bananas — no sentido
pejorativo do termo — embora a banana seja um fruto a que nenhum país da
América deve renunciar. Mas ocultaram riquezas que sempre se empenharam em
esconder. A começar pela sua história gloriosa, que Eloy Alfaro sempre defendeu.
Alfaro foi a expressão mais cabal das aspirações populares nessa
etapa de formação da nacionalidade equatoriana. «A sua personalidade — segundo
os seus biógrafos — reunia as maiores virtudes da nossa mestiçagem: valor,
inconformidade e intrepidez. Ressurgia das suas derrotas, os seus inimigos
chamavam-lhe O General da Derrota, mas com um novo ímpeto, para novas lutas
pela liberdade, numa longa epopeia, renovada a cada dia».
O jovem Alfaro
Eloy Alfaro tinha 22 anos quando chefiou a revolta contra Garcia Moreno.
Havia escrito num panfleto: «Garcia Moreno dividiu o povo equatoriano em três
partes iguais: uma dedicou-a à morte, a outra ao desterro, a última à
servidão.»
Foi extraditado do seu país. Mas Eloy Alfaro desembarcou nas costas
de Esmeralda três vezes em três anos consecutivos; libertou povoados do litoral
e estes proclamaram-no Chefe Supremo. Os restauradores do regime opressor
ignoraram o triunfo de Alfaro, mas anos depois, em 1884, estalou de novo a
insurreição da Costa inspirada como sempre por Eloy Alfaro a partir do Panamá.
Quantos feitos heróicos dos nossos heróis da América parecem
fantasia. Um realizador de audiovisuais pouco esforço teria de despender para
montar uma história mágica mas coerente. Porque neste guião real, Eloy Alfaro,
com forças inferiores, perante o fracasso iminente incendiou a sua embarcação e
arremeteu de novo contra o inimigo. O seu corpo oculto num barril tinha sido
atirado pelas ondas para uma praia próxima. «Assim surgiu mais uma vez das
chamas e do mar, pronto a novas aventuras pela liberdade. Escapou pela selva,
mas muitos dos seus companheiros caíram vítimas do terror pelo governo (…)”
escreveu o historiador Patrício Cuevas numa monografia que a nossa Casa das
Américas publicou há muitos anos.
Obviamente com mais de quarenta anos e vinte de luta imparável Eloy
Alfaro era já uma figura de lenda.
«União igual — era o seu lema — que deve surgir mais ao Sul sobre o
sol da Grande Colômbia», a Grande Colômbia de Bolívar, a Nossa América de
Marti.
Na Nicarágua nomearam-no General de Divisão do Exército. Quando os
marines ianques intervieram em 1885 no Panamá, Eloy Alfaro alistou-se para os
combater. Caracas recebeu-o como o Nereu que era. Depois, na Costa Rica, Alfaro
tornou-se amigo de António Maceo de quem receberia ajuda e, conheceu também
José Marti em Nova Iorque e escreveu-se até que Eloy Alfaro propôs um plano aos
dois para libertar Cuba.
A luta de Alfaro foi imparável. Em 1895 o povo de Guayaquil
assaltou os quartéis e proclamou Eloy Alfaro Chefe Supremo da I República e
General em Chefe do Exército. Tinha então 55 anos. A reacção chamou-lhe o
anticristo.
Impôs-se o real maravilhoso. Alfaro saiu a combate. Trepou a
cordilheira; os índios aguardavam-no. Perto de Riobamba, diante nas neves de
Chimborazo, deu-se a batalha e venceu. Vinte dias depois entrou triunfante em
Quito. As suas reformas tiveram início a partir da sua tenda de campanha,
suprimiu o pagamento dos dízimos e aboliu os impostos sobre as propriedades
miseráveis dos indígenas. Separou a Igreja do Estado (1906) mas declarou a
liberdade de culto e de consciência. Implantou a educação laica, o casamento
civil e até o divórcio. Nacionalizou mais de sessenta latifúndios. Fez
construir o caminho-de-ferro transandino Guayaquil. Restaurou a GranColômbia.
Mas o tempo e as forças faltaram-lhe. A estrutura feudal ficara
quase intacta. No seu segundo período do governo tinha diante de si uma
convenção de elementos hostis e teve de resignar. Aí estalou a guerra civil,
correu sangue em Quito. Mais de mil mortos.
Atacaram-no. Foi assassinado, segundo parece dentro de uma cela, por sicários contratados e o cadáver atirado por cima de um muro. Mas nenhuma força criminosa pôde, nem poderá, apagar o seu exemplo e a sua acção patriótica americana. O Equador de hoje mereceu o seu sacrifício.
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