segunda-feira, 3 de março de 2014

Angola/Reforma da Justiça é o grande objectivo

3 março 2014, Jornal de Angola http://jornaldeangola.sapo.ao (Angola)

Yara Simão

O ministro Rui Mangueira considera a reforma da Justiça e a massificação do Registo Civil os maiores desafios deste ano. Em entrevista ao Jornal de Angola, o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos afirmou que até 31 de Dezembro de 2016 o projecto de massificação do Registo Civil abrange oito milhões de pessoas.

A Reforma da Justiça e do Direito e a Massificação do Registo Civil constituem os maiores desafios da Justiça para o ano de 2014. Para o Ministro da Justiça e dos Direitos Humanos é urgente construir uma Justiça mais moderna, mais rápida, mais acessível e de melhor qualidade, para garantir a efectividade dos direitos e dos deveres e tornar o sistema de justiça como um factor de desenvolvimento económico, de promoção da cidadania e de coesão social. O Despacho número 80/13, exarado pelo Presidente da República, José Eduardo dos Santos, isentou o pagamento de emolumentos do Registo Civil e da primeira emissão do Bilhete de Identidade, para que a enorme franja de pessoas por registar possa obter a sua documentação e garantir a sua plena cidadania. “Até 31 de Dezembro de 2016, o projecto de Massificação do Registo Civil pretende inscrever cerca de oito milhões de cidadãos”, disse em entrevista o Ministro da Justiça e Direitos Humanos, Rui Jorge Carneiro Mangueira.

Jornal de Angola - Quais os grandes objectivos do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos para 2014?

Rui Mangueira -
 Os objectivos para o ano de 2014 estão alinhados com os grandes projectos estratégicos para o sector da Justiça, nomeadamente a Reforma da Justiça e do Direito, a promoção da cidadania através da atribuição da documentação básica a todos os cidadãos, a prevenção e o combate à droga, crime organizado e branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo e a reorganização interna das estruturas e serviços da justiça e dos direitos humanos.

JA - O que se está a fazer no âmbito da Reforma da Justiça e do Direito?

RM -
 No âmbito da Reforma da Justiça e do Direito foi
criada uma Comissão, em Novembro de 2012, pelo Presidente da República, para trabalhar no projecto Lei sobre Organização e Funcionamento dos Tribunais e Jurisdição Comum, na revisão dos códigos Civil e Penal, na revisão do Código de Processo Penal e Civil, sobre todas as matérias relativas ao registo e notariado e em toda legislação conexa. O nosso grande objectivo para este ano de 2014 é relançar uma grande consulta pública sobre a questão da Reforma da Justiça e do Direito, para que se faça uma avaliação do nosso primeiro ano de trabalho e para se discutir o plano estratégico da comissão.

JA- Até ao momento qual foi o trabalho da comissão?

RM -
 A comissão está a efectuar um trabalho muito sério e profícuo. Neste momento estão concluídos cerca de 11 diplomas legais, em matérias ligadas a organização e funcionamento dos tribunais de jurisdição comum e em matérias relativas ao Código Penal. Foram aprovadas no passado dia 28 de Janeiro na Assembleia Nacional duas leis muito importantes, nomeadamente a Lei sobre as Revistas, Buscas e Apreensões e também a Lei da criminalização das infracções subjacentes sobre o branqueamento de capitais. Apesar dessas leis fazerem parte de um pacote específico do Branqueamento de Capitais, estão inseridas no âmbito do trabalho da reforma.

JA - Este ano teremos um salto qualitativo em relação à Reforma da Justiça e do Direito?

RM -
 Estamos convictos que neste ano de 2014 verificar-se-á um grande salto qualitativo no programa da Reforma da Justiça e do Direito. Actualmente está em fase de preparação uma análise aprofundada sobre o programa, facto que constitui um grandioso desafio, já que teremos a possibilidade de receber contributos às propostas da Comissão da Reforma da Justiça e do Direito, o que vai permitir que se melhore o trabalho realizado à luz da nossa realidade e dos nossos desafios, porque é urgente garantir uma justiça mais moderna, mais rápida, mais acessível e de melhor qualidade, para garantir a efectividade dos direitos e dos deveres e tornar o sistema de justiça um factor de desenvolvimento económico, de promoção da cidadania e de coesão social.

JA - O que mais está a ser feito?

RM -
 O Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos está também a analisar de forma bastante analítica o processo de Massificação do Registo Civil. Como todos sabemos, o Presidente da República, engenheiro José Eduardo dos Santos, isentou no Decreto Presidencial 80/13 de 5 Setembro do ano passado, o pagamento de emolumentos para o registo de nascimento e emissão do primeiro Bilhete de Identidade para facilitar o registo de cerca de oito milhões de cidadãos que se encontram sem registo em todo o território nacional. Para resolver este problema é fundamental que se avance com um conjunto de medidas e metodologias, para que até 31 de Dezembro de 2016, todos os cidadãos adultos em todo o território nacional estejam registados e para que possamos ficar apenas com a preocupação do registo das crianças.

JA - Gostaríamos de saber quando é que se vai dar fim aos problemas verificados nas conservatórias e postos de identificação?

RM -
 Para acompanhar o rápido desenvolvimento social e económico do nosso país, resultante da estabilidade política, das transformações do tecido económico, da modernização da estrutura empresarial e das novas tecnologias de informação e comunicação, é necessário que os nossos serviços de registos, identificação e notariado respondam de forma cada vez mais pronta, célere, capaz, eficaz e segura, em todos os momentos da vida do cidadão e das empresas.
Para tal, estão a ser desenvolvidos os instrumentos dessa mudança de paradigma, principalmente por serem dentro do sistema de justiça as áreas com mais contacto com o cidadão. Estamos presentes desde o nascimento, a identificação, a formação, o casamento, o divórcio, até ao óbito, no registo dos bens e também na constituição de empresas, ou seja, em todos os momentos da vida do cidadão.

JA - Quer dizer que a existência de infra-estruturas só por si não é condição de boa prestação de serviços…

RM -
 É por este motivo que é fundamental melhorar estes serviços, e este trabalho não passa só pela criação de infra-estruturas, mas essencialmente pela simplificação e desburocratização dos procedimentos, para que o cidadão possa de forma simples garantir o cumprimento de formalidades essenciais à salvaguarda dos seus direitos fundamentais e em especial os de cidadania. Nesta senda, para garantirmos com sucesso a massificação do registo civil, além das infra-estruturas existentes e das infra-estruturas em construção, vamos trabalhar com brigadas móveis, onde funcionários do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos vão continuar a registar cidadãos com o rigor que se exige.

JA - O Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos já tem uma base de dados para o registo de adultos?

RM -
 É urgente que haja uma estatística a nível da justiça sobre o registo de adultos que nos permita também resolver outros problemas que até agora subsistem e que têm estado a ser aproveitados para fins criminosos. Falo especificamente da questão da imigração ilegal e de um aproveitamento criminoso onde se utilizam muitas vezes documentos falsos.

JA - O que está a ser feito para se enfrentar este desafio?

RM -
 Desde Setembro de 2013, temos estado a realizar encontros permanentes com os mais variados agentes da Justiça pertencentes à Direcção Nacional do Arquivo de Identificação Civil e Criminal e a Direcção Nacional dos Registos e do Notariado, os maiores operadores da Massificação do Registo Civil, onde tem estado em permanente análise a questão da competência territorial, para que seja possível ao registo civil caminhar de mãos dadas com a emissão do Bilhete de Identidade, e garantir toda a segurança da nossa documentação.

JA - Já se pode fazer um balanço da emissão de documentos em no ano passado?

RM -
 No ano de 2013, foram emitidos 1.191.248 Bilhetes de Identidade, onde ultrapassámos a meta estabelecida pelo Plano Nacional de Desenvolvimento de 1.069.212. E já no âmbito da isenção do pagamento de emolumentos emitimos, de Setembro a Dezembro do ano passado, 524.997 novos bilhetes de identidade em todo o país. Isto só foi possível graças ao abnegado empenho e esforço dos nossos funcionários que, apesar das dificuldades que enfrentam no dia-a-dia, têm assegurado que os nossos serviços atendam ao público das 07h30 até às 17h00.

JA - Os postos existentes no país são suficientes para toda população?

RM -
 Está previsto para o ano de 2014 a abertura de mais de 30 Lojas de Registo em todo o país, para que os nossos serviços estejam cada vez mais integrados e sejam menos onerosos ao cidadão. É nosso objectivo maximizar, descentralizar e desburocratizar os nossos serviços, para que possamos responder à demanda da população e cumprir com alguns dos pressupostos do Plano Nacional de Desenvolvimento da Juventude. Vão também entrar em funcionamento mais de 45 postos de identificação em diversos municípios do país.

JA - O que dizer sobre a defesa e garantia dos direitos humanos?

RM -
 O Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos está atento e tem levado a cabo medidas para divulgação, promoção, defesa e garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana, integrando e assinando protocolos e convenções para a efectivação destes direitos consagrados constitucionalmente. Estamos a desenvolver programas de educação e sensibilização para o respeito dos direitos humanos e observância dos deveres de cidadania dirigidos às organizações públicas, organizações da sociedade civil e escolas.

JA – Quer dizer que já existem regulamentos internos.

RM -
 Vamos igualmente dinamizar os Comités Provinciais dos Direitos Humanos, tão logo sejam aprovados e publicados os respectivos regulamentos internos. Cremos que este mecanismo vai permitir um grande avanço no fortalecimento dos instrumentos de interacção democrática para a promoção e garantia dos Direitos Humanos.

JA - Que passos foram alcançados no que tange a reforma da Justiça e do Direito?

RM -
 Foram dados importantes passos no que concerne à criação de infraestruturas, de equipamentos e meios, desenvolvimento de recursos humanos e reforma de legislação. Na estratégia de preparação de quadros foi realizado um amplo trabalho de formação dos operadores de justiça, de modo a garantir respostas céleres e correctas aos cidadãos. Apesar dos avanços registados temos plena consciência que ainda há muito trabalho por realizar. O crescimento da economia angolana e o desenvolvimento do nosso país pedem uma acção rápida e o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos vai cumprir com esse desiderato.

JA – Quantos Tribunais municipais e provinciais existem no país?

RM -
 Se em 2004 apenas havia 15 Tribunais Municipais, hoje o país conta com mais de 25 Tribunais Municipais e 19 provinciais. Foram adquiridos, recentemente, 22 edifícios da seguradora AAA em todo o território nacional, onde estamos a fazer as devidas adaptações, para que possam albergar os Tribunais Provinciais.

JA – E no que diz respeito aos recursos humanos?

RM -
 O funcionamento dos tribunais não se cinge às infraestruturas, é necessário desenvolver os recursos humanos de modo a que tenham uma plena percepção da importância das instituições judiciais na sua relação com os cidadãos. Assim sendo, pretendemos estimular, através da formação profissional, o espírito crítico, a actividade criadora, o sentido de liberdade e de responsabilidade para que o exercício da actividade judicial possa corresponder às necessidades e expectativas dos cidadãos e da colectividade, difundindo sempre uma cultura forte de aplicação do direito e de deontologia e ética profissional.

JA - O que fazer para assegurar o direito e a justiça a todos os cidadãos independentemente das suas condições económicas?

RM -
 Temos estado a promover cada vez mais meios para o acesso efectivo e ágil à justiça por parte de todos os cidadãos, independentemente das suas condições económicas. O Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos promove e vai disponibilizar em 2015 mecanismos alternativos para a Resolução Extrajudicial de Conflitos tanto de interesse público, como privado, bem como a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, desenvolvimento de um sistema integrado de acesso dos cidadãos ao direito e à justiça, através da instauração da defesa pública ao lado do sistema de patrocínio e assistência judiciária a exercer pelos advogados, bem como a intervenção de entidades públicas e privadas que actuam fora do sistema judicial.

JA - Existem outros projectos para este fim?

RM -
 Temos constatado que as instituições que administram a justiça encontram novos e renovados meios para levar os serviços e Tribunais às populações do mundo rural. As famílias angolanas sentem no quotidiano que estão garantidos os seus direitos, o que constitui um motivo de regozijo para qualquer cidadão nacional. Hoje os nossos cidadãos sabem como exercer os seus direitos, razão pela qual notamos uma grande afluência às instituições ligadas à justiça.

JA - Espera-se uma resposta abrangente?

RM -
 Para dar uma resposta mais abrangente a esta problemática, pretendemos também implementar a Justiça de base Municipal assente em estruturas não judiciais, tais como Julgados de Paz, Centros de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, Centros de Arbitragem de Conflitos ou Tribunais Comunitários, para que a justiça e os direitos humanos residam nos nossos municípios e nas nossas comunas, fazendo renascer nos cidadãos a crença nos princípios da certeza e segurança jurídicas.


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