12 agosto 2010/Vermelho EDITORIAL http://www.vermelho.org.br
Qual é a abrangência de uma anistia política? Ela se limita ao "esquecimento" de acontecimentos que, na ditadura, foram considerados criminais por representarem a resistência contra o arbítrio, ou envolve também a reparação material de prejuízos causados pela perseguição política?
Estas são questões que voltam à pauta após a decisão do Tribunal de Contas da União de revisar pagamentos feitos a perseguidos políticos pela ditadura de 1964. A decisão envolve 9.371 benefícios já concedidos, com indenizações que atingem cerca de 4 bilhões de reais já pagos ou aprovados, entre eles a anistia a Carlos Lamarca e a reparação a seus familiares.
A decisão do TCU significa uma reinterpretação da lei que determina aquelas reparações. Ela não revê a condição de anistiado, mas os valores pagos, decisão que a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça considera anticonstitucional, chegando inclusive a encará-la como uma ameaça à Carta Magna. É uma tentativa de colocar limites - no caso, financeiros - à aplicação da lei que define a responsabilidade do Estado pelas violações de direitos humanos ocorridas sob sua égide.
As reparações são reguladas pelas leis 9140/95, que determina o reconhecimento pelo Estado por mortos e desaparecidos políticos, e 10559/02, que abrange todos os atos ditatoriais, incluindo tortura, prisão arbitrária, demissão e transferência por motivo político, sequestro, compelimento à clandestinidade e ao exílio, banimento, expurgos estudantis e vigia ilegal de adversários políticos. No caso de perseguidos políticos que perderam o emprego, a lei manda pagar os vencimentos retroativos a 1988, data em que a Constituição foi promulgada e considerada, assim, o marco final da ditadura militar de 1964.
A legislação brasileira que determina as reparações representa um avanço em uma área ainda marcada por limitações importantes, como a imunidade dos torturadores e agentes da repressão da ditadura militar, e a falta de acesso a informações completas sobre o destino de muitos que, em mais de vinte anos da Constituição de 1988, ainda são dados como desaparecidos.
Mas há um espírito democrático que orienta a legislação brasileira que obriga ao reconhecimento da responsabilidade do Estado e determina reparações simbólicas e materiais para as vítimas. Elas representam o ônus dos crimes cometidos por agentes da repressão e envolvem - diz o advogado Paulo Abrão, presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça - um processo pedagógico de reconhecimento daquelas violações e também do direito aos povos de resistir contra a opressão, sendo por isso essencial para a democracia e sua consolidação.
Nesse sentido, qualquer restrição aos direitos dos anistiados a qualquer dessas reparações (simbólica e material) só pode ser avaliada como um atentado à democracia. A questão não é financeira, mesmo porque o volume dos valores envolvidos é proporcional ao número de pessoas anistiadas e à dimensão dos crimes cometidos pela repressão política da ditadura. A questão é política e diz respeito à responsabilização do Estado e seus agentes pelos danos causados pelos crimes da repressão. É uma questão de justiça.
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