19 agosto 2010/ODiário.info http://www.odiario.info
Eugénio Rosa*
Depois da fusão ideológica do PS com a direita e da sua rendição incondicional ao neoliberalismo, todo o dinheiro é pouco para ajudar o grande capital: para que a banca pague 4,3% de IRC (como sucedeu em 2009) é preciso retirar direitos e subsídios aos que deles precisam. Qualquer pessoa percebe isto, que o dinheiro não é elástico, não é senhores economistas do sistema?
Com o pretexto de que a economia portuguesa está a recuperar, mas fundamentalmente com o objectivo de reduzir o défice orçamental de 9,3% para apenas 2% do PIB entre 2009 e 2013, o que corresponde a uma redução da despesa publica de 12.234,8 milhões € em 4 anos, que significa um corte muito grande, o governo, através do Decreto-Lei 77/2010, eliminou as medidas extraordinárias de apoio aos desempregados que eram para vigorar durante a crise, e que foram as seguintes:
(a) Eliminação da prorrogação por mais 6 meses do subsídio social de desemprego inicial e subsequente;
(b) Eliminação da redução do prazo de garantia (número de dias de descontos para a Segurança Social) para se ter acesso ao subsídio de desemprego que era de 365 dias e que agora passou para 450 dias;
(c) Eliminação da majoração de 10% do subsídio de desemprego para os desempregados com dependentes a seu cargo. Portanto, medidas que vão atingir profundamente todos os portugueses que não têm trabalho, reduzindo ainda mais os que têm direito a receber o subsídio de desemprego. E isto quando o número de desempregados a receber subsídio de desemprego não para de diminuir. De acordo com o Ministério do Trabalho, em Fevereiro de 2010 eram 370.658, mas em Junho de 2010 já apenas 352.846, ou seja, menos 17.812.
Para além destas medidas extraordinárias que o governo tinha aprovado no inicio do ano para vigorarem até ao fim de 2010, mas que eliminou em Junho deste ano, este governo aproveitou a “embalagem” e eliminou também uma medida que não era extraordinária, que tinha sido implementada através do Decreto-Lei 245/2008, portanto muito antes das chamadas medidas extraordinárias, que era a seguinte: “Os titulares do direito a abono de família para crianças e jovens, de idade compreendida entre 6 e 16 anos durante o ano civil que estiver em curso, têm direito a receber, no mês de Setembro, além do subsídio que lhes corresponde, um montante adicional de igual quantitativo que visa compensar as despesas com encargos escolares, desde que matriculados em estabelecimento de ensino”. Após a publicação do Decreto-Lei 77/2010, passaram a ter direito, não todas as famílias que recebiam abono como acontecia, mas apenas as beneficiários pertencentes ao 1º escalão do abono de família, ou seja, passaram a ter direito a este adicional de abono a receber em Setembro de cada ano apenas as famílias cujo rendimento familiar a dividir pelo número de filhos com idade entre os 6 e 16 anos seja inferior a 209,61€/mês, o que reduziu drasticamente o número de famílias com direito ao adicional do abono de família.
E como tudo isto já não fosse suficiente, este governo aprovou dois outros decretos – o Decreto-Lei 70/2010 e 72/2010 – que entram em vigor dois meses após a sua publicação, ou seja, em 1 de Agosto de 2010, que reduzem o apoio aos portugueses com rendimentos insuficientes, portanto próximos ou mesmo no limiar da pobreza, e aos desempregados. E são esses dois decretos que entrarão em vigor no inicio de Agosto, que revelam um profunda insensibilidade social, que vamos analisar seguidamente procurando tornar claros os seus efeitos.
O DECRETO –LEI Nº 70/2010 - A alteração da chamada condição de recursos vai reduzir significativamente o direito a apoios sociais
O acesso em Portugal a muitas prestações de apoio social (abono de família, abono pré-natal, subsídio social de desemprego, complemento solidário de idoso, rendimento social de inserção, acção escolar, taxas moderadoras, comparticipações nos medicamentos, comparticipação nas despesas dos utentes de cuidados continuados, etc.), de quem não possua recursos suficientes depende de cumprir a chamada “ condição de recursos”, que é definida com base no rendimento “per capita” do agregado familiar.
O governo para reduzir o número daqueles que têm direito a esses apoios sociais alterou a formula como se calcula o rendimento “per capita”.
Até aqui só eram considerados como pertencentes ao agregado familiar aqueles em que se verificava uma relação dependência económica. Após 1 de Agosto de 2010, com a entrada em vigor do Decreto-Lei 70/2010, são consideradas todas as pessoas em economia comum, ou seja, que residem no mesmo alojamento e suportem em conjunto as despesas fundamentais ou básicas, portanto muitas mais, o que fará aumentar o rendimento familiar, e quanto maior seja o rendimento familiar menos é a probabilidade de ter direito a apoios sociais.
Para além disso, até aqui o rendimento “per capita” era obtido dividindo o rendimento do agregado familiar pelo número de pessoas que o constituíam. Após 1 de Agosto de 2010, com a entrada em vigor do Decreto-Lei 70/2010, já isso não acontece. O 1º adulto “vale” 1, mas cada adulto seguinte vale apenas 0,7; e as crianças, cada uma somente 0,5.
Um exemplo, para tornar as consequências desta alteração mais claras. Imagine-se um agregado familiar cujo rendimento é de 1000€/mês, constituído por 2 adultos, em que um foi despedido, e por duas crianças. Até aqui o rendimento “per capita” do agregado familiar obtinha-se dividindo os 1000€ pelas 4 pessoas, o que dava 250€. Agora divide-se apenas por 2,7 (o 1º adulto=1; o 2º adulto =0,7; cada criança =0,5), e obtém-se já 370€, de rendimento “per capita”. Para se ter acesso ao subsídio social de desemprego é obrigatório que o rendimento “per capita” do agregado familiar do desempregado seja inferior a 80% do IAS, ou seja, a 335€. Pela forma como antes era calculado o rendimento “per capita” o desempregado daquele agregado familiar tinha direito ao subsídio social de desemprego. Após a a entrada em vigor do Decreto-Lei 70/2010 este mesmo desempregado já não tem direito ao subsídio social de desemprego. O que acontece com este subsídio sucede como muitos outros apoios sociais a pessoas a viver no limiar da pobreza. Portanto, o número de portugueses com insuficiência de recursos com direito a apoios sociais (abono de família, abono pré-natal, subsídio social de desemprego, complemento solidário de idoso, rendimento social de inserção, acção escolar, taxas moderadoras, comparticipações nos medicamentos, comparticipação nas despesas dos utentes de cuidados continuados, etc.) vai diminuir significativamente. Mas é desta forma que este governo pretende reduzir as despesas do Estado, para assim reduzir o défice orçamental.
O DECRETO-LEI Nº 72/2010: Reduz o subsídio de desemprego e determina a diminuição geral dos salários no futuro
E como tudo isto já não fosse suficiente, o governo também alterou a lei do subsídio de desemprego, ou seja, o Decreto-Lei nº 187/2007. Segundo o nº2 do artº 29 do Decreto-Lei 72/2010, que também entra em vigor em 1 de Agosto de 2010, o valor máximo do subsídio de desemprego vai baixar de 65% do salário ilíquido que o trabalhador recebia antes de ser despedido para apenas 75% desse salário liquido, ou seja, depois de deduzir o desconto para a Segurança Social (11%) e a retenção do IRS. Para além disso, o desempregado passa a ser obrigado a aceitar qualquer emprego, sob pena de perder o direito ao subsídio, desde que o salário oferecido nos primeiros 12 meses seja igual ao subsídio de desemprego mais 10%, e depois basta que seja igual ao subsídio de desemprego, que no máximo corresponde a 75% do salário liquido que o trabalhador recebia no emprego anterior.
Portanto, e repetindo para ficar claro, a partir de 1 de Agosto de 2010, com a entrada em vigor do Decreto-Lei 72/2010 não é só o subsídio de desemprego que vai diminuir (passa de 65% do salário ilíquido que o trabalhador tinha antes de ser despedido para apenas 75% desse salário liquido), mas também o salário do desempregado em futuro emprego já que ele ficará obrigado a aceitar um emprego cujo salário seja apenas igual ao subsídio de desemprego após mais 10% nos primeiros 12 meses de desemprego, e depois desse período é obrigado a aceitar um emprego desde que o salário seja igual ao subsídio de desemprego que está receber, o qual no máximo é igual a 75% do salário liquido que recebia antes de cair no desemprego. E se não aceitar perde o direito ao subsídio de desemprego (artº 13º, artº 41, nº1, alínea a; artº 49,nº1, alínea a). É de prever que os patrões aproveitem esta disposição da lei, ou seja, esta ajuda do governo para baixar ainda mais os salários. Mas é desta forma que este governo pretende promover o emprego em Portugal, reduzindo ainda mais a qualidade do emprego e os salários.
O CARÁCTER RECESSIVO DO PEC E A INSENSIBILIDADE SOCIAL DESTAS MEDIDAS
O PEC:2010-2013 é um programa recessivo porque reduz a despesa e o investimento publico e diminui o poder de compra da população através do congelamento dos salários e das prestações sociais, ou da sua eliminação, e da subida dos impostos (só a subida do IVA e do IRS reduz o poder de compra da população em mais de 1.260 milhões €/ano). Como se está a verificar igual corte de despesas públicas em todos os países da U.E. (mais de 200.000 milhões €), as exportações tornar-se-ão mais difíceis, e o desemprego vai continuar a aumentar. A saída de Portugal da crise torna-se assim mais difícil.
Para além de tudo isso, pelas medidas analisadas neste artigo que também constam do PEC, fica claro que ele é também um programa que revela uma profunda insensibilidade social.
Numa altura como esta é necessário que o País e também as famílias façam uma aplicação rigorosa dos seus recursos, não se endividando mais (as taxas de juro estão a aumentar), e que ninguém cruze os braços, não deixando de participar em movimentos da sociedade civil para que a politica do governo português e da U.E. deixe de se preocupar apenas com a redução do défice orçamental e em “agradar os mercados” e passe a se preocupar com as pessoas, em particular com as que menos têm.
*Economista
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