14 de agosto de 2019, Página Global (Portugal) https://paginaglobal.blogspot.com/2019/08/ataque-ao-irao-seria-ataque-russia-pepe.html
Pepe Escobar, Asia Times
A Rússia está avançando meticulosamente nos
movimentos sobre o tabuleiro de xadrez eurasiano, movimentos que têm de ser
observados em conjunto, com Moscovo propondo ao Sul Global abordagem
diametralmente oposta às sanções, ameaças e guerra económica que lhes faz o
ocidente. Aqui vão três exemplos recentes.
Há dez dias, via um documento oficialmente
aprovado pela ONU,[1] o Ministério de Relações Exteriores da
Rússia apresentou um novo conceito de segurança coletiva para o Golfo Persa.
Moscovo destaca que “o trabalho prático de
lançar o processo para criar um sistema de segurança no Golfo Persa” deve
começar com “consultas bilaterais e multilaterais entre partes interessadas,
incluindo países da região e também de fora dela,” além de
organizações como o
Conselho de Segurança da ONU, Liga Árabe, Organização de Cooperação Islâmica e
Conselho de Cooperação do Golfo.
O passo seguinte deve ser uma conferência
internacional sobre segurança e cooperação no Golfo Persa, seguida do
estabelecimento de organização dedicada à tarefa – com certeza nada que se
assemelhe à imprestável Liga Árabe.
A iniciativa russa deve ser interpretada como
uma espécie de contrapartida e ainda mais como complemento da Organização de
Cooperação de Xangai, que finalmente começa a desabrochar como corpo de
segurança, económico e político. Conclusão inevitável é que os principais
agentes da OCX – Rússia, China, Índia, Paquistão e, em futuro próximo, Irão e
Turquia – serão fortes agentes influenciadores na direção da estabilidade
regional.
O Pentágono não vai gostar.
Quando o comandante da Marinha Iraniana
Hossein Khanzadi visitou recentemente São Petersburgo para a celebração do Dia
da Marinha Russa, o Comandante do Estado-maior das Forças Armadas do Irão e o
Ministério da Defesa da Rússia assinaram um memorando de entendimento sem
precedentes.
Khanzadi acertou ao destacar que o memorando
“pode ser considerado ponto de virada nas relações entre Teerão e Moscovo ao
longo da trajetória de defesa.”
Resultado direto disso é que Moscovo e
Teerão, antes de março de 2020, farão um exercício de manobras navais conjuntas
no – e onde poderia ser?! – Estreito de Ormuz. Como Khanzadi disse à agência de
notícias IRNA: “O exercício pode ser feito na parte norte do Oceano Índico, que
flui para o Golfo de Omã, no Estreito de Ormuz e também no Golfo Persa.”
A Marinha dos EUA, que planeia uma “coligação
internacional” para garantir a “liberdade de navegação” no Estreito de Ormuz –
liberdade que o Irão sempre, historicamente, garantiu – não vai gostar. Nem a
Grã-Bretanha, que prefere “coligação europeia”, mesmo com o Brexit
aproximando-se.
Khanzadi também observou que Teerão e Moscovo
estão profundamente envolvidas em como reforçar a cooperação de defesa no Mar
Cáspio. Já houve no passado exercício de manobras no Cáspio, mas nunca, até
agora, no Golfo Persa.
Exercício conjunto
O Distrito Militar Oriental da Rússia participará do exercício antiterroristas da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ANSA) na Tailândia e na China, no início do próximo mês. Segundo o Distrito Militar Oriental, o treinamento é parte das “preparações para uma fase prática de exercício de manobras antiterrorismo da ANSA na China.” Dentre outras coisas, significa que soldados russos estarão usando armamento pesado chinês.
O Distrito Militar Oriental da Rússia participará do exercício antiterroristas da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ANSA) na Tailândia e na China, no início do próximo mês. Segundo o Distrito Militar Oriental, o treinamento é parte das “preparações para uma fase prática de exercício de manobras antiterrorismo da ANSA na China.” Dentre outras coisas, significa que soldados russos estarão usando armamento pesado chinês.
Esses exercícios incluem grupos táticos
‘mistos’ que tentam libertar reféns presos em prédios oficiais; busca e
descarte de explosivos; reconhecimento interno e externo de radiação e
reconhecimento químico e biológico.
Deve-se interpretar tudo isso como interação
direta entre práticas da OCX e da ANSA, complementando o aprofundamento da
interação entre a União Económica Eurasiática e a ANSA.
Esses três desenvolvimentos ilustram o quanto
a Rússia está envolvida num largo espectro, do Mar Cáspio e do Golfo Persa até
o Sudeste da Ásia.
Mas o elemento chave ainda é a aliança
Rússia-Irão, que deve ser lida como um nodo chave no massivo projeto de
integração da Eurásia no século 21.
O que o Secretário de Segurança Nacional da
Rússia Nikolai Patrushev disse
claramente naquele recente histórico encontro trilateral, ao lado do
Conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca John Bolton e do Conselheiro
de Segurança Nacional de Israel Meir Ben-Shabbat Jerusalém deve ser ouvido com
atenção: “O Irão sempre foi e continua a ser nosso aliado e parceiro, com o
qual estamos consistentemente desenvolvendo relações bilaterais e também dentro
de formatos multilaterais.”
Com isso se descarta a infindável
especulação, sem qualquer base real, de que Moscovo estaria “traindo” Teerão em
vários fronts, da guerra económica de terra arrasada desencadeada pelo governo
Donald Trump, à resolução da tragédia na Síria.
Para Nur-Sultan e o Comitê Constituinte Sírio
E isso nos leva à continuação do processo de
Astana sobre a Síria. Moscovo, Teerão e Ankara estarão em reunião trilateral em
Nur-Sultan, capital do Cazaquistão, possivelmente na gigantescamente
significativa data de 11 de setembro, segundo fontes diplomáticas.
Realmente importante nessa nova fase do
processo de Astana, contudo, é a instalação do Comité Constituinte Sírio. É
coisa já acertada desde janeiro de 2018 em Sochi: um comité – que reunirá
representantes do governo, da oposição e da sociedade civil, cada grupo com 1/3
dos assentos com direito a voto – competente para redigir a nova Constituição
da Síria.
A única solução possível e viável para a
tragédia infindável da guerra por procuração contra a Síria será, pois,
construída por Rússia, Irão e Turquia. Isso inclui a aliança Rússia-Irão. E
isso inclui e expande a visão da Rússia quanto à segurança do Golfo Persa, ao
mesmo tempo em que sinaliza na direção de uma Organização de Cooperação de
Xangai expandida no Sudeste da Ásia, atuando como mecanismo de pacificação
pan-asiático e séria frente anti-OTAN.
Em Oriente Mídia | Traduzido por Vila Mandinga
[1] A única referência que encontrarmos
a esse documento, com link para o texto em várias línguas, aparece na
página do Ministério de Relações Exteriores da Rússia, acima indicada. Não
conseguimos confirmar a informação de que o documento teria sido “oficialmente
aprovado pela ONU”, mas essa informação repete-se em várias publicações em todo
o mundo. Talvez a aprovação tenha a ver com o fato de que o documento foi
apresentado em Moscou, dia 23 de julho, pelo Representante Especial do
presidente Putin para Oriente Médio e África e vice-ministro de Relações
Exteriores Mikhail Bogdanov, em reunião da qual participaram representantes de
estados árabes, do Irã, da Turquia, dos cinco membros permanentes do Conselho
de Segurança, da União Europeia, da Liga Árabe e dos países BRICS com
representação em Moscou, como se lê na versão em inglês de artigo sobre o assunto (orig. em russo) publicado na
página do Ministério de Relações Exteriores da Rússia [NTs
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