31 julho
2019, Outras
Palavras
https://outraspalavras.net/direita-assanhada/venezuela-o-naufragio-de-juan-guaido/
Autoproclamado presidente
foi incapaz de concretizar golpe planejado pelos EUA. Sua credibilidade
internacional desmorona. Desgastada, oposição aposta em recall de
imagem e negocia via pacífica com o governo — por ahora
Tradução: Simone Paz Hernández
Seis
meses depois que os Estados Unidos reconheceram o autoproclamado Juan Guaidó como presidente interino
da Venezuela, Washington ameaçou o Presidente constitucional, Nicolás Maduro,
dizendo-lhe que possui um “curto prazo” para abandonar o poder com “garantias”,
caso não queira ter de enfrentar a justiça internacional e novas sanções.
O
responsável da Casa Branca pelos assuntos da América Latina, Maurício
Claver-Carone, afirmou, mesmo assim, que os maiores frutos da estratégia
estadunidense ainda estão por vir. Enquanto isso, na frente de um punhado de
simpatizantes em Caracas, Guaidó reiterou sua disposição em fazer o que for
preciso para tirar Maduro do poder. Há seis meses ele repete o discurso, mas
ainda não conseguiu nem
sequer uma intervenção militar dos EUA.
A série de
ameaças continuou na quarta-feira (24/7), quando o representante especial dos
EUA para a crise venezuelana, Elliott Abrams, disse que seu governo avalia
sancionar a Rússia pelo apoio ao presidente venezuelano. “Estamos tentando
cortar o fluxo de recursos que vão para o regime, e acho que estamos
conseguindo um impacto considerável. A pressão continuará, na quinta-feira [dia
25] teremos mais sanções. Continuaremos impondo as sanções para manter a
pressão”, disse Abrams.
“As pressões
sobre Cuba aumentaram muito desde janeiro e continuarão aumentando — e fizemos
questão de deixar claro que foi por culpa de suas ações na Venezuela. Sobre a
Rússia, ainda estamos decidindo quais sanções aplicar, se individuais ou
setoriais”, acrescentou Abrams.
Ele admitiu
que o governo russo não tem “ajudado” Caracas “do ponto de vista financeiro”,
mas que tem contribuído para que a Venezuela possa vender seu petróleo, sujeito
às sanções estadunidenses. “[Os russos] vêm retirando seu dinheiro da
Venezuela. Porém, ajudam a comercializar o petróleo, e é nisso que estamos
pensando”, afirmou.
Crise
humanitária, ditadura
“Crise
humanitária”, “regime ditatorial”, são frases prontas que se repetem dezenas de
vezes diariamente na grande imprensa, na busca de um isolamento internacional e
de desqualificar o sistema venezuelano como um sistema democrático, criando um
clima propício para que seja aplicada a Carta Democrática da OEA (ou seja, uma
intervenção) e permitir a construção de alianças entre países da área de
influência do Comando Sul estadunidense para fechar o cerco contra a Venezuela.
Estão
tentando conjugar essas iniciativas com a figura da “crise humanitária” para,
assim, permitir colocar na agenda internacional e no imaginário coletivo, a
premissa de que a crise humanitária autoriza uma intervenção com o apoio das
organizações multilaterais.
Após seis
meses nos quais a grande e velha mídia internacional, seguindo o roteiro de
Washington, fizeram com que Guaidó parecesse o único líder a ser apoiado, as
rachaduras voltam a se abrir dentro da oposição.
A paralisia
política, a nova fragmentação de uma oposição ao governo — que perdeu tanto a
unidade como o otimismo — entra em contraste com o diálogo que seus
representantes recomeçaram com os enviados do governo em Barbados (com mediação
da diplomacia norueguesa), depois de que no dia 30 de abril entrasse em cena um
golpe fake e se anunciasse o início da fase definitiva de “suspensão da
usurpação” da parte do governo constitucional.
“Sem querer
diminuir o que está acontecendo em Barbados (…) mas, se Maduro continuar no
país, é impensável existirem eleições que realmente representem o povo
venezuelano”, comentou Pompeo, tentando influenciar as negociações.
O Ministério
de Relações Exteriores da Noruega informou que as negociações avançam, mas não
disse sobre quais pontos. Parece bem difícil que o setor governamental aceite
uma saída de Nicolás Maduro da presidência antes de convocar eleições e a
oposição já declarou que não aceitará um acordo se não for fixada uma data para
eleições presidenciais.
Talvez, pela
Noruega estar promovendo os diálogos, é que surgiu um certo tom otimista quanto
aos seus objetivos. Vale lembrar que o diálogo na República Dominicana
fracassou no exato momento de assinar o acordo, por causa de ordens de
Washington enviadas aos negociadores da oposição.
O discurso
da oposição declarou pouco tempo depois que, com aquele fato, o governo ganhou
tempo. É por isso que setores como o do “Vente Venezuela” e do ex-prefeito de
Caracas, Antonio Ledesma, se manifestaram contra diálogos — que somente
serviriam para que o “regime de Maduro ganhasse tempo”.
Guaidó foi
classificado como uma pessoa “não muito séria” pelos mediadores europeus, já
que, enquanto envia emissários para as conversas em Barbados, ele afirma que só
faz isso com o objetivo único de determinar uma data para a saída de Maduro e
para novas eleições, coincidindo com o repetitivo discurso dos “falcões”
estadunidenses, entre ameaças e sanções.
A resposta
de Maduro é de que haverá eleições em 2020, porém, não serão presidenciais e,
sim, da Assembleia Nacional (que é presidida por Guaidó e que está em
desobediência). O fato da solução não estar nem um pouco perto complica as
coisas para Guaidó, dado que os partidos da oposição concordaram em fazer um
rodízio a cada ano na presidência da Assembleia Nacional. Assim, escolheram
Guaidó pelo período de um ano, até o final de 2019. O que vai acontecer quando
o prazo vencer e for preciso escolher um sucessor? Também ele vai se
autoproclamar presidente?
Luis Vicente
León, presidente da empresa de enquetes Datanálisis — e, às vezes,
roteirista da oposição — insiste que a oposição deve ser mais realista. “Seria
plausível, sem uma saída negociada, que a oposição conseguisse pressionar a
saída do governo pela força e pela pressão internacional? Não me parece o
cenário mais provável.”, afirma León.
“Nem o
governo sente que seja indispensável negociar uma saída, porque não está em
perigo extremo, nem a oposição está preparada para convencer as elites e bases
de que a mudança deva integrar seu adversário e garantir poder aos militares”,
acrescentou.
Desde 1998,
quando foi eleito o presidente Hugo Chávez, a oposição tem denunciado fraude
nas 23 eleições que se seguiram. Muitas vezes, inclusive, antes dos resultados
serem divulgados. Alguns porta-vozes da oposição alertaram os EUA do risco do
governo se ater a uma “farsa eleitoral” para se legitimar; isto esconde,
realmente, o temor de uma possível divisão ante um hipotético cenário eleitoral
antecipado.
As
pressões dos EUA
O Secretário
de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, que num breve tour pela América
Latina conseguiu alinhar vários países a suas políticas de segurança e de
suposto antiterrorismo, ressaltou, numa conversa reservada à imprensa, os
problemas que tiveram para conseguir conciliar as diferentes frentes contrárias
a Maduro.
A prova
disso foi a reunião de chanceleres do Grupo de Lima, realizada na terça-feira
23/7, em Buenos Aires, e a decisão da Assembleia Nacional de reincorporação ao
Tratado, sem nenhuma validez jurídica, mas que no plano político e simbólico
oferece outro cenário, no qual setores opostos voltam a se conectar com a ideia
de uma intervenção militar na Venezuela.
Essa decisão
vai causar entre 48 e 72 horas de manchetes na mídia hegemônica, antes de se perder
e desaparecer da agenda midiática; mas servirá para que tentem impulsionar
ações políticas, e até militares, contra a Venezuela, a partir da Organização
de Estados Americanos (OEA).
Os ministros
do Grupo de Lima repetiram o argumento dos EUA e enfatizaram que o Relatório do
Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos não dá
brecha para que país algum continue a apoiar o “regime ilegítimo” de Maduro e
que, portanto, foram encorajados a contribuir com a volta do Estado de Direito
e com a democracia na Venezuela, reiterando aos países que não se submeteram à
pressão estadunidense que o apoio deles à “ditadura” ameaça a estabilidade de
toda a região.
O bloco
anti-venezuelano decidiu encaminhar o relatório de Bachelet à fiscal da Corte
Penal Internacional, para apoiar o procedimento adiantado por Argentina,
Canadá, Chile, Colômbia, Paraguai e Peru, em setembro de 2018 e,
posteriormente, referendado por Costa Rica e França, além de ter tido a
recepção da Alemanha, em maio de 2019.
Cada lacaio
cumpre sua tarefa, mas não é suficiente para derrocar o governo da Venezuela. A
realidade real (não aquela virtual espalhada pela grande mídia) demonstra que
Guaidó perdeu o impulso e, acima de tudo, sua credibilidade. Seus comícios
estão esvaziados: poucos creem em suas promessas. Hoje em dia (por enquanto)
conta com o apoio irrestrito de Washington e com o reconhecimento de menos de
50 das 193 nações a nível mundial.
*Abya Yala: Terra viva, o nome indígena da América Latina.No espírito de José Martí
e dos povos nativos, Abya Yala é tudo o que está relacionado com a Nossa
América, essa terra viva que vai do Rio Bravo à Terra do Fogo, passando pelas
Caraíbas, sem esquecer as primeiras nações da América do Norte.
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