8 de agosto de 2019, 23:04 h, Brasil 247 (Brasil)
https://www.brasil247.com/brasil/chomsky-lula-e-o-principal-preso-politico-do-mundo-zst65e9y
Um dos principais intelectuais vivos do
mundo, o linguista Noam Chomsky voltou a denunciar a condição de preso político
do ex-presidente Lula; “As revelações de Glenn Greenwald deixaram absolutamente
claro que o juiz Moro era tudo menos um herói, ao contrário do que foi
apresentado pela imprensa. Lula é o principal preso político do mundo”, disse
Chomsky à revista Jacobin
247 - O linguista
norte-americano Noam Chomsky voltou a denunciar ao mundo a condição de preso
político do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em entrevista à revista
Jacobin Brasil, Chomsky comparou a prisão de Lula à prisão do pensador italiano
Antonio Gramsci pelo regime fascista de Benito Mussolini.
"A
exemplo de Bolsonaro, Benito Mussolini reconheceu que Gramsci precisava ser
silenciado: quando Gramsci foi preso, o representante do Ministério Público
italiano disse 'precisamos silenciar esse homem pelos próximos vinte anos,
porque sua voz é muito perigosa para ser escutada'. É exatamente isso que o
golpe de direita fez no Brasil. No último verão, ficou claro que se Lula
pudesse aparecer publicamente, ele ganharia as eleições. Então, era preciso
fazer algo contra ele, colocá-lo
em confinamento solitário, impedi-lo de fazer
qualquer comunicação. Depois veio a campanha das redes sociais, grotesca, e é
uma tendência que vai acontecer cada vez mais no mundo", disse Chomsky.
O
intelectual disse também que as revelações do jornalista Glenn Greenwald, no
The Intercept Brasil, deixaram "absolutamente claro que o juiz Moro era
tudo menos um herói". "Moro estava envolvido em esforços corruptos
para tentar garantir a prisão de Lula. Tornou-se pública a informação de que o
próprio Ministério Público não tinha provas suficientes para uma acusação e o
Moro os incentivou a fazer, mesmo assim, uma denúncia para se livrar daquela
figura perigosa e o golpe da direita pudesse se concretizar", disse ele.
Leia
na íntegra a entrevista de Noam Chomsky.
Chomsky: “Lula é o principal preso político do mundo”
https://jacobin.com.br/2019/08/chomsky-lula-e-o-principal-preso-politico-do-mundo/
Uma entrevista com Noam Chomsky
Pensador
dissidente mais longevo do Ocidente analisa as novas armas do imperialismo
usadas contra Venezuela, Cuba, Irã e Brasil, comparando Bolsonaro a Mussolini
ao recordar da célebre frase escrita por Karl Marx em 18 Brumário.
Entrevista por: Aldo Sauda, Cauê Ameni,
Guilherme Ziggy e Hugo Albuquerque
Há 50 anos, Noam Chomsky publicou seu primeiro livro político, O
poder americano e os novos mandarins. Nele, denunciou a crueldade da
Guerra do Vietnã e a complacência dos intelectuais com o projeto imperialista.
Hoje, aos 90 anos, ele é o decano da intelectualidade socialista do Ocidente e
autor de mais de cem livros traduzidos em diversas línguas.
A
contundência das análises de Noam Chomsky impulsionou suas ideias para além dos
círculos acadêmicos, fazendo com que bandas como Rage Against the Machine
levassem seus livros às turnês. O cantor e ativista Bono Vox, do U2, chegou a
comentar que “se o trabalho de um rebelde é derrubar o velho e preparar o novo,
então este é Chomsky, um rebelde sem pausas, o Elvis da Academia… Como o
rock’n’roll após os anos 1990 tem sido atado pelas mãos, é irônico que um homem
da idade dele tenha o real espírito rebelde”. Suas falas também foram remixadas
em músicas da banda grunge Pearl Jam.
Embora
seja pop e uma das maiores referências do pensamento anticapitalista, é difícil
encontrá-lo publicamente. Nessa passagem quase secreta pelo nosso país, Chomsky
concedeu uma entrevista exclusiva à Jacobin Brasil, na qual analisou
as novas fases e métodos da guerra imperialista contra Brasil, Cuba, Venezuela
e Irã. A entrevista aconteceu na PUC-SP, um dos berços desta jovem e
cambaleante democracia brasileira.
JB Na disputa das últimas
eleições entre Haddad e Bolsonaro, testemunhamos novas formas políticas para
fabricação de consensos, sobretudo pela maneira como as redes sociais, Whatsapp
em destaque, intervieram no processo. Como isso pode ser comparado com o modelo
do século passado, com a imprensa de massas, que você analisou tão
profundamente em seu livro “Consenso Fabricado” publicado em 1988?
NC Com relação à imprensa de massas,
acho que a situação segue similar à forma que descrevi. Na verdade, eu e meu
colaborador Edward S. Herman, falecido recentemente, fizemos uma atualização do
livro depois que a internet se tornou um fenômeno mais presente. No entanto,
decidimos não publicá-lo, porque a situação da imprensa não mudou tanto.
Já o novo
fenômeno das redes sociais mudou muito a situação. O Brasil é um exemplo
dramático da força extraordinária das redes sociais. Por meio delas, a campanha
para demonizar a oposição política com enormes mentiras e distorções foi muito
exitosa, sobretudo porque elas eram para muitos brasileiros sua única fonte de
informação.
A grande
imprensa, que já é bem de direita, foi atropelada pelas redes sociais para além
do campo do imaginável, com a difusão em massa de todos os tipos de mentiras
horrorosas sobre o que, supostamente, ocorreria caso o PT fosse eleito. Esse
foi um dos fatores que interferiram na eleição. Mas, o principal fator foi
silenciar a oposição política. Antonio Gramsci teria algo a dizer sobre isso.
Não sei
se Bolsonaro tem consciência suficiente do mundo para saber quem ou o que ele
imita. A exemplo de Bolsonaro, Benito Mussolini reconheceu que Gramsci
precisava ser silenciado: quando Gramsci foi preso, o representante do
Ministério Público italiano disse “precisamos silenciar esse homem pelos
próximos vinte anos, porque sua voz é muito perigosa para ser escutada”.
É
exatamente isso que o golpe de direita fez no Brasil. No último verão, ficou
claro que se Lula pudesse aparecer publicamente, ele ganharia as eleições.
Então, era preciso fazer algo contra ele, colocá-lo em confinamento solitário,
impedi-lo de fazer qualquer comunicação. Depois veio a campanha das redes
sociais, grotesca, e é uma tendência que vai acontecer cada vez mais no mundo.
Na
verdade, algo similar também aconteceu nos Estados Unidos em 2016, mas não de
uma forma tão extrema. A Cambridge Analytica, uma empresa de
direita que faz mineração de dados, trabalhou em conjunto com o Facebook,
que lhes deu informações detalhadas de hábitos da população americana. Diante
disso, o eleitorado se tornou um alvo cirúrgico por meio de anúncios
específicos voltados às pessoas em uma escala relativamente grande.
Também
vimos algo parecido na Alemanha em 2017, na última eleição, onde o partido da
extrema-direita AfD (Alternative Für Deutschland — Alternativa pela
Alemanha, na sigla em alemão) foi muito melhor do que se imaginava. Um dos
fatores por trás desse fenômeno, que não foi comentado pela imprensa, é o papel
de uma empresa localizada no Texas que trabalha para Trump, Netanyahu e Le Pen.
Essa
corporação texana se juntou com a imprensa de Berlim, com o escritório do
Facebook — que tem obviamente informações sobre as atitudes, interesses e
preocupações das pessoas em todo a Alemanha — e fizeram a mesma coisa:
direcionar anúncios e mensagens para as pessoas certas, escolhidas pelo
algoritmo.
Curioso
que isso foi comentado na imprensa financeira alemã, mas não foi na imprensa
cotidiana, que se manteve silenciosa sobre o caso. Esse é o tipo de fenômeno
que veremos cada vez mais, embora o Brasil seja o caso extremo por conta da
grande dependência da população com mídias sociais como Whatsapp.
Essa
técnica facilitou a campanha de demonização e vilanização da esquerda, depois
que conseguiram silenciar a voz da oposição, e eu não preciso explicar para
vocês da natureza totalmente fraudulenta da derrubada da Dilma e, também, da
campanha da direita para reverter as conquistas do governo Lula.
JB Os vazamentos da The Intercept Brasil
mostram como o judiciário brasileiro não seguiu as regras das democracias
modernas onde há uma clara divisão de poderes? E o que dizer da cooperação
entre o judiciário brasileiro e os Departamentos de Justiça dos Estados Unidos
e Suíça?
NC As revelações de Glenn Greenwald
deixaram absolutamente claro que o juiz Moro era tudo menos um herói, ao
contrário do que foi apresentado pela imprensa. Moro estava envolvido em
esforços corruptos para tentar garantir a prisão de Lula. Tornou-se pública a
informação de que o próprio Ministério Público não tinha provas suficientes
para uma acusação e o Moro os incentivou a fazer, mesmo assim, uma denúncia
para se livrar daquela figura perigosa e o golpe da direita pudesse se
concretizar.
Quanto
mais a corrupção de Moro é exposta, mais ele lança ataques para poder suprimi-la,
mostrando o quão corrupto ele é — e fica mais claro o profundo ataque a
democracia brasileira.
Em
relação à cooperação internacional, nós podemos apenas especular, mas
claramente ocorreram contatos com o Departamento de Justiça dos Estados
Unidos. O que eles fizeram exatamente, não tenho informações precisas, mas algo
parecido ocorreu com outros países.
É difícil
dizer, pelo menos nos Estados Unidos, durante o governo Trump, que apoiou
intensamente esses esforços, quais foram as forças diretas que eles empregaram,
mas as revelações em si são dramáticas.
Outra
coisa que me chamou a atenção foram as revelações de que Moro, cuidadosamente,
deixou de fora das investigações do governo FHC. Isso é importante porque
provavelmente o pior crime de Bolsonaro, que é a destruição da Amazônia, tem
precedente no governo FHC, onde o desmatamento cresceu em uma velocidade
incrível, talvez a maior de todas — e no governo FHC, lembremos, havia muita
corrupção.
A
insistência de evitar que FHC fosse investigado, enquanto fabricava acusações
contra Lula, é uma coisa muito grave. Por isso, segundo qualquer parâmetro,
Lula é um preso político, o principal preso político do mundo.
JB E você visitou Lula em
Curitiba recentemente?
NC Um pouco antes das eleições, junto
com a minha esposa Valéria, que é brasileira. Lula estava muito otimista
naquela ocasião. Ele achava que apesar de ter sido silenciado, havia uma grande
chance do PT ganhar, isso antes dessa campanha massacrante nas redes sociais.
Eu fui informado hoje, 07 de agosto, e provavelmente vocês saibam disso melhor
do que eu, que Lula pode ser transferido para uma prisão comum no interior de
São Paulo.
Isso é
mais um esforço para calar sua voz, mais uma voz calada por vinte anos.
Até a segurança de Lula está em risco pelo que está acontecendo. Por essa
razão, eu acho que comparar Bolsonaro a Mussolini não é exagerado. Isso resgata
uma frase de Marx a respeito de uma observação de Hegel: uma vez como tragédia,
depois como farsa.
JB O governo Trump tem rufado os tambores
de guerra contra Venezuela. No Brasil, Bolsonaro segue a linha apertando o
cerco à Caracas. Inclusive, tem deixado de fornecer alimentos ao país. Por que
a Venezuela se tornou alvo deles?
NC Eu suspeito que Bolsonaro apenas
siga, como um mero lacaio, as ordens dos Estados Unidos. Ele tenta transformar
o Brasil num Estado vassalo, onde Washington aparece como proprietário de uma
parte do país e é dirigente de outra. Nesse contexto, os Estados Unidos dirigem
uma guerra contra a Venezuela. As sanções de Trump tornaram a crise venezuelana
uma catástrofe: elas já mataram dezenas de milhares de pessoas.
O
principal economista venezuelano, Francisco
Rodríguez, que é um analista sério e honesto — e ligado à oposição —
afirmou que se as sanções continuarem, elas vão matar milhares de pessoas. A
frase é dele: as sanções transformaram uma crise manejável em uma catástrofe.
Quanto às
sanções, o direito internacional ainda não atingiu o nível de lidar com elas.
No entanto, as sanções devem ser consideradas atos de guerra, inteiramente
ilegítimas. No caso da Venezuela, elas têm um objetivo claro, assim como no
caso do Irã: simplesmente esmagar a economia e assim punir a população para
forçá-la a se submeter às ordens americanas. Isso se compara a um ato sério de
guerra. Isso não depende das opiniões a respeito do governo Maduro, isso é uma
outra questão.
JB Em relação à Cuba, há uma
piora na situação, com o agravamento do embargo americano contra a Ilha, por
que essa insistência de Washington?
NC O ataque contra Cuba remonta ao ano
de 1959, logo depois da Revolução. Hoje, nós já temos acesso a muitos arquivos
de documentos outrora secretos, mas que foram desclassificado, que comprovam
essa operação.
Em Cuba,
Fidel Castro tomou o poder em janeiro de 1959. No começo, o governo Eisenhower
observou à distância para ver como as coisas se desenrolariam. Não por acaso, o
mesmo foi feito em relação a Hugo Chávez. No começo, quando Chávez tomou o
poder na Venezuela, eles esperaram para ver o que aconteceria. Para ver se ele
era um menino mau e se era possível domesticá-lo.
No
entanto, assim que Chávez assumiu um papel de liderança nas negociações
da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), convencendo
seus membros a reduzir a produção para, assim, gerar lucros que beneficiariam o
sul global, os Estados Unidos desceram a ripa como um martelo. Isso não seria
tolerado. Esse é o pano de fundo necessário para entender o golpe que ocorreu
lá em 2002. Foi uma repetição do que ocorreu em Cuba.
Em 1959,
já havia aviões bombardeando Cuba que decolavam da Flórida, mas os americanos
fingiam não saber o que estava acontecendo. Obviamente sabiam. Em março de
1960, o governo Eisenhower, em uma ação secreta que hoje é de conhecimento
público, formalmente decidiu agir para derrubar do governo Fidel.
Depois
veio John Kennedy e seu foco estava na América Latina. Kennedy formou uma
comissão latino-americana antes mesmo de tomar posse, cujo objetivo era
investigar a situação na América Latina — suas operações hoje estão públicas.
O
relatório dessa comissão foi entregue por um assessor próximo a Kennedy, Arthur
Schlesinger, que é um historiador. Schlesinger sintetizou o relatório, dizendo
que o problema era basicamente a ideia central do líder cubano Fidel Castro de
assumir o destino do país pelas próprias mãos. Algo extremamente perigoso para
o interesse americano na América Latina.
Essa
poderia ser facilmente reproduzida em outros países da região, uma vez que o
sofrimento dos cubanos antes da Revolução era parecido na forma e na amplitude
com a realidade da maior parte dos países latino-americanos.
O sucesso
de Cuba faria todo o sistema de dominação de Washington na América Latina
erodir. Era uma visão muito comum. É a mesma razão pela qual os Estados Unidos
se envolveram com o Vietnã nos anos 1950: a chamada teoria do efeito dominó. Em
geral se faz piada disso, mas ninguém a abandona, porque ela é correta — ela não
está ligada à invasões ou nada do tipo, mas sim à ameaça do bom exemplo, esse é
o verdadeiro perigo.
O que se
faz frente a esse situação? O governo Kennedy imediatamente patrocinou a
invasão da Baía dos Porcos. E quando a operação deu errado, o governo ficou
maluco. Iniciaram uma enorme ofensiva terrorista sob o controle e
responsabilidade de Bob Kennedy, irmão do presidente: o objetivo era levar o
terror mais profundo da terra à Cuba, segundo o que dizia o mesmo Arthur
Schlesinger.
Foi uma
guerra terrorista de larga escala. Pouquíssimo reportada no Ocidente, mas muito
séria. Na esteira dela, vieram duras sanções e as razões foram explicadas pelo
Departamento de Estado: o êxito da postura desafiante de Cuba em relação às
ordens dos Estados Unidos e sua insistência em seguir seu próprio caminho, o
método castrista de assumir o destino em suas próprias mãos.
Cuba
começou a intervir no cenário internacional, apoiando, por exemplo, a luta por
libertação negra na África, onde a Ilha teve um papel enorme. Por isso que
Nelson Mandela, assim que foi solto da prisão, homenageou Fidel em um de seus
primeiros atos.
Sanções
muito duras, e quando a cooperação russa foi retirada com o colapso da União
Soviética, a decisão em Washington foi apertar ainda mais as sanções. Pois,
sabia-se que agora eles estavam segurando os cubanos pela garganta e ficava
mais fácil estrangula-los. Por fim, sob o governo Obama, de forma curiosa, se
reconheceu que esse sistema não estava funcionando direito.
É digno
de nota que a comunidade empresarial americana tem se oposto às sanções. Esse é
um caso interessante, uma vez que, em geral, o mundo dos negócios controla a
política, mas há alguns casos particulares de conflito de interesses
empresariais e interesses de Estado: os últimos representam, de forma mais
ampla, as preocupações do empresariado quando comparado com as preocupações
ocasionais de obtenção de lucro no curto prazo.
E é
revelador ver que o caso cubano é um deles. Cuba é um, o Irã é um outro. O
agronegócio americano adoraria poder entrar no mercado cubano. As
multinacionais farmacêuticas têm muita vontade de entrar na Ilha, de
estabelecer relações com a indústria farmacêutica bastante avançada de Cuba,
mas o governo americano não permite. É muito mais importante punir um país que
obteve êxito em desafiar o poder americano, uma vez que isso é tido como
intolerável. E isso nos diz muito sobre o mundo. O mesmo se aplica ao Irã.
Obama fez
pequenos gestos aliviando as duras sanções que pesavam sobre Cuba. É
interessante a forma como ele apresentava: ele dizia que nossos esforços de
levar democracia à Cuba fracassaram, então temos que procurar por outras formas
para atingir nossos nobres objetivos.
Não há
palavras para descrever isso, mas houve um leve relaxamento e os Estados Unidos
estão sozinhos em relação ao resto do mundo nessa missão. Se você olhar bem,
anualmente há resoluções da Assembleia Geral da ONU segundo as quais as sanções
contra Cuba são condenadas quase universalmente. Só Israel vota junto com os
Estados Unidos, porque é obrigado, mas nem os israelenses cumprem as sanções —
e isso nem sequer é noticiado nos Estados Unidos.
A
situação piorou muito com Trump, um presidente que representa a ala
ultranacionalista do establishment. Pessoas como John Bolton, Conselheiro
de Segurança Nacional, e Mike Pompeo, Secretário de Estado, estão na ala mais
extrema de uma versão maníaca de intervencionismo. Cuba é uma das vítimas. A
Venezuela é outra. E Bolsonaro parece simplesmente seguir as ordens de Trump,
então ele simplesmente segue as instruções que lhe são passadas.
JB Então você diria que parte do
apoio internacional a Bolsonaro hoje se baseia no vassalagem dele em relação ao
governo Trump nos Estados Unidos?
NC Eu não acho que Bolsonaro tenha apoio internacional. Hoje, o Brasil
virou motivo de chacotas. É bastante dramático quando comparamos hoje
com a situação que se vivia com Lula, porque ele era provavelmente o líder mais
respeitado do mundo. Altamente respeitado por todos os lados, fossem de direita
ou de esquerda.
Já
Bolsonaro, é só olhar a reunião do G20 no Japão. As pessoas estavam tirando
sarro dele. Não é sequer preciso comentar as inúmeras declarações, medidas que
transformaram o Brasil, literalmente, numa grande piada. A diferença em relação
à Era Lula é chocante.
Bolsonaro,
entretanto, tem o apoio dos Estados Unidos, que é a força mais poderosa do
mundo, então é o suficiente para ao menos se segurar. Ele parece disposto a
entregar o Brasil para os investidores americanos, seguindo todas diretrizes
americanas de como se comportar internacionalmente. Se os brasileiros vão
tolerar isso, é outra pergunta.
JB Estamos traduzindo, pela
Autonomia Literária, o livro On the Western Terrorism,
no qual você coloca que os Estados Unidos como desenvolvedores de técnicas de
censura — quase porque não ser descritas especificamente como técnicas de
censura, pois elas não interrompem o discurso, embora os modele. Como
combatê-las?
NC Primeiro, gostaria de apontar que o
comentário que se segue não é original, vou parafrasear George Orwell. Tenho
certeza que muitas pessoas leram seu livro mais conhecido, A Revolução dos
Bichos, mas poucas leram a introdução desse livro: a razão disso é que ela
foi suprimida, censurada e só foi descoberta anos depois nos papéis de Orwell.
É uma introdução bem interessante. Ela é direcionada às pessoas da
Inglaterra.
Nessa
introdução, Orwell diz que esse livro é, obviamente, uma sátira do inimigo
totalitário, só que as pessoas da “Inglaterra livre” não deveriam se sentir
muito confiantes, porque nessa Inglaterra as ideias não populares podem ser
suprimidas sem a utilização da força.
Então,
ele começa a discutir e elencar as razões para isso: e uma delas é porque a
imprensa é propriedade dos ricos, os quais têm todo o interesse em não ver
ideias e informações aparecerem. A segunda razão, que é a mais impactante, diz
respeito à boa educação: se você estudou nas melhores Universidades como
Cambridge ou Oxford, você simplesmente tem instalado em si o entendimento de
que algumas coisas não podem ser ditas. Podemos ir além: também há coisas que
não podem sequer ser pensadas.
Torna-se
da sua natureza não conseguir sequer pensar algumas coisas. Nesse sentido,
olhemos, por exemplo, a Guerra do Vietnã, o pior crime do período do
pós-guerra: ao final daquela guerra, em 1975, houve um momento
interessantíssimo no qual os principais intelectuais tiveram de escrever e
explicar sobre a natureza dela.
Eu
escrevi sobre isso àquela época. E é muito interessante notar um traço comum
que ia dos conservadores aos liberais: os conservadores diziam que “se
tivéssemos lutado com mais força, teríamos ganho. Foi uma facada nas costas o
movimento contrário à guerra. Ele que nos impediu de ganhar”; mas os liberais
são muito mais interessantes, sempre são, agiam como guardiões e diziam “esse é
o limite até onde você pode ir e nenhum um passo além disso”.
A
principal figura desses liberais, Anthony
Lewis, comentarista do New York Times, muito contrário à
Guerra do Vietnã, dizia que “a guerra começou com esforços desastrados de
tentar fazer o bem”. Bom, “desastrados” porque deram errado. “Fazer o bem”
porque éramos nós, pois, tudo que nós fazemos é o bem.
Isso é
como a doutrina da fé de um fanático religioso, daqueles que precisam ir rezar
em um santuário: se nós fizemos, só pode ser um esforço para fazer o bem, não
há necessidade de fazer perguntas, é essa “verdade” que é instalado em você.
Daí,
então ele diz “começou com esforços desastrados de fazer o bem”, embora em 1969
estivesse claro que era um desastre, que não conseguiríamos levar a democracia
ao povo do Vietnã do Sul por um custo que fosse aceitável a nós mesmos. Então
tudo que tentávamos fazer era levar a democracia. Foi por isso que Kennedy fez
uso da guerra química: para destruir plantações e rebanhos e, assim, confinar
as populações em campos de concentração, porque apoiavam a Frente de Libertação
Nacional do Vietnã, mas dizíamos que era para levar democracia.
Particularmente
alarmante é que naquele momento, havia estudos de opinião pública sobre muitos
temas e um deles, é claro, era sobre a guerra. Cerca de 70% da população
entendia a guerra não como um erro, mas algo fundamentalmente errado e imoral.
Entretanto, não podiam dizer isso publicamente.
Era sobre
isso que Orwell falava. Se você tem uma boa educação, há coisas que você
simplesmente não consegue pensar. São como fanáticos religiosos que não
conseguem conceber a ideia de que Deus pode nem existir: eles não conseguem imaginar
que os Estados Unidos podem não estar tentando fazer o bem no mundo. Mesmo
jogando gás napalm ou com bombardeios aéreos de B 52 em áreas urbanas, é sempre
um esforço de fazer o bem.
Veja a
discussão em torno da Guerra no Iraque. Você não consegue encontrar um
comentarista no mainstream que consiga dizer o que, já à época, era
óbvio. Isso é um exemplo daquela agressão como um crime hediondo internacional,
uma vez que ela não tinha nenhuma justificativa. Não há melhor exemplo.
Para
pessoas como Obama, a Guerra do Iraque era um esforço desastrado, um mero
engano. Essa é uma linha similar ao que diziam os generais nazistas sobre a
guerra em dois fronts simultâneos feita por Hitler: um esforço desastrado. Mas
nós não lhe respeitamos por essa avaliação, embora respeitemos intelectuais
ocidentais que dizem coisas muitíssimo parecidas.
É o caso
em que não se consegue simplesmente pensar e eu acho que, voltando à pergunta,
é necessário a ruptura: é como se você estivesse lidando com fanáticos
religiosos. É preciso tentar romper com certas convenções que dizem que há
coisas sobre as quais você não pode, simplesmente, pensar.
Obviamente,
essa é a tarefa de militantes e jornalistas que publicam livros como este. Isso
pode ser feito, mas é difícil. Por que é algo que é profundamente enraizado na
imprensa, nos livros. Você nunca ouve uma palavra questionando isso, até se
envolver com movimentos sociais. Então é uma luta, mas vale a pena. E o caso
interessante é a guerra do Vietnã: a maior parte da população discordava do
consenso intelectual que, é claro, nunca pode ser debatido.
O que
aconteceu depois é bastante interessante: o diretor do instituto, que
continuava a gerar as pesquisas com esses resultados, cientistas sociais
honestos, finalmente fizeram a pergunta “por que as pessoas estão dizendo
isso?”, chegando à resposta óbvia: eles não achavam que os meninos americanos
não deveriam morrer. Seria essa a única resposta possível? Poderia facilmente
se investigar isso.
JB Apesar das divergências com
os intelectuais franceses ligados ao maio de 68, vocês sempre estiveram no
mesmo lado político. Como você vê esse aparente paradoxo hoje?
NC Existem duas perguntas que precisam
ser respondidas. Uma é a respeito das bases intelectuais do estruturalismo
francês. Qual é a sua base intelectual? A segunda é: qual o seu posicionamento
político? Na minha perspectiva, a base intelectual é muito estreita e sua
política é reacionária. Talvez eu concorde com essas pessoas na oposição à
Guerra do Iraque, mas não na análise utilizada. Já escrevi sobre isso em
detalhe, mas são duas perguntas separadas e de tipos diferentes. Uma sobre a
integridade intelectual. A outra sobre as implicações de adotar certas
perspectivas. Quais são as implicações de se opor às grandes narrativas? Ou
dizer que não existe tal coisa como realidade objetiva e tudo se resume à
relações de poder? Eu acho que isso é altamente reacionário e errado.
-----
Aldo
Cordeiro Sauda é jornalista e militante socialista que cobriu a
Primavera Árabe para o Estado de São Paulo e a Folha de São Paulo. Atualmente é
mestrando em ciência política pela Universidade de Campinas (UNICAMP).
Cauê
Seignemartin Ameni é jornalista, publisher da Jacobin Brasil e editor
da Autonomia Literária, estudou ciências sociais na Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP).
Guilherme
Ziggy é jornalista, diretor de criação da Jacobin Brasil e da
Autonomia Literária, graduado em jornalismo pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie.
Hugo
Albuquerque é advogado ativista, sócio do Greggo, Albuquerque &
Lucca Advogados Associados, publisher da Jacobin Brasil e editor da
Autonomia Literária, graduado e mestre em Direito Constitucional pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Colaboraram
Marcela Greggo e Lígia Magalhães Marinho
Nenhum comentário:
Postar um comentário