sexta-feira, 8 de julho de 2011

Galiza/O ROUBO DA CARTA FUNDACIONAL DA NAÇÃO GALEGA


7 julho 2011/Diario Liberdade http://www.diarioliberdade.org

Cultura Galega - "É a certidão de batismo da Galiza como nação cultural na Europa". Assim de categórico se expressa o presidente do Conselho da Cultura Galega, o historiador Ramón Vilares, sobre o desaparecimento do Códice Calixtino. A ausência do livro no Arquivo da Catedral de Santiago, detetada na passada terça-feira, supõe um golpe inaudito ao património do País, e leva a repensar as medidas de proteção para os nossos bens móveis.

Um manuscrito de valor incalculável. O desaparecimento do Códice Calixitino, que se custodiava no Arquivo da Catedral, supõe uma perda inédita na nossa cultura. Segundo reconhece Daniel Bujám, diretor da Biblioteca da Galiza, "estamos todos um pouco atordoados com este desaparecimento, eu quando o li esta manhã não o acreditava, parece impossível." "É um livro insubstituível, trata-se da única cópia que se conserva na Galiza do original, ainda que haja versões posteriores". Ramón Vilares, por seu turno, apela à tranquilidade sobre o sucedido. "É lamentável, é uma perda e espero bem que se recupere. Mas é algo que pode acontecer, não há que dramatizar. Há outras cópias, e nesse senso é mais uma perda para o património mobiliario da Igreja e do conjunto da cultura galega. Ora, culturalmente supõe uma perda muito grande, porque tem não só um valor material mas também um valor referencial e simbólico."

A importância simbólica

Precisamente a importância simbólica da obra é a mais salientada pelos especialistas consultados na hora de falarem da obra. Bujám assinala que "tem importância porque é a primeira guia do Caminho de Santiago, e logo porque é simbólico para a Galiza. Fala do nosso país como centro de peregrinação, com o que representa um fenômeno que foi em boa medida uma das bases da nossa cultura". Vilares ainda é mais categórico ao afirmar que "é como a certidão de batismo do nascimento da Galiza como uma nação cultural européia. Supõe a primeira definição cabal da Galiza. Pela primeira vez, diz-se 'aqui começa a terra dos galegos´ e define-se-nos como semelhantes aos francos. Diz que os galegos são um pouco litigiosos, mas os mais cultos da Península Ibérica. Não é o olhar de um império sobre uma colônia, como o eram as referências de Estrabão à Galiza. O Códice recolhe o olhar de um igual sobre outro igual".

Incomparável

Comparando a pegada do texto com a de outras obras, afirma que "na cultura espanhola podíamos falar sobre o Poema do Mío Cid ou textos parecidos. Na nossa cultura, em todo o caso citaríamos a História Compostelana como um texto de similar importância". Como obra semelhante ao Códice no nosso país, José Miguel Andrade Cernadas, professor da história medieval da Universidade de Santiago, salienta a importância do Tombo A da Catedral. "É uma compilação de documentos que confirmavam o poder económico e político desta instituição, recolhendo doações de Reis a favor do templo e tem uma importância extraordinária. Não chega à transcendencia do Liber sancti iacobii, mas é também muito importante". De modo curioso, pelo comum as duas obras são custodiadas juntas no arquivo, o que dá ideia da importância deste Tombo, que por enquanto está a salvo.

A pegada européia

Apesar do caráter especial que reveste para o nosso país o livro desaparecido, não devemos esquecer que esta perda tem um alcance internacional e situa o nosso país na mira dos principais organismos mundiais sobre bibliofilia e património. "A obra teve uma grande influência na cultura européia do século XII, em parte pela participação direta ou indireta do que logo seria o Papa Calixto II na sua elaboração. Dão-se todas as circunstâncias para converter o Liber Sancti Iacobii num texto referencial da cultura européia", lembra Villares. Por sua vez, José Miguel Andrade aponta no mesmo sentido que "a importância desta obra não é só para a cultura galega, como também para a européia e universal. É produto de uma das época mais importantes da Igreja Compostelá em toda a sua história, quando Santiago atinge uma dimensão extraordinária, no conjunto da igreja hispana e européia, quando se produz o que está considerado um momento cenital das peregrinações". Também Xosé Luís Ajeitos, arquiveiro da Real Academia Galega, salientava recentemente a sua importância a falar sobre a exposição Ex Libris Gallaeciae, que se pôde ver recentemente na Cidade da Cultura. "Há cinco exemplares completos em todo mundo. É uma obra emblemática de toda a fundação européia do Caminho de Santiago".

Pensar a segurança

A desaparecimento supõe também um alerta sobre a proteção do nosso património móvel. Em concreto, o diretor da Biblioteca da Galiza anuncia já o seu intuito de melhorar a proteção dos bens que custodia este organismo. "Estou pensando já em colocar medidas de segurança novas, não temos nada assim roubável com esse valor, mas vou falar com a Polícia para ver que podemos fazer a esse respeito. Contamos já com uma câmara de segurança mas, visto o perigo que sofrem estas coisas, tentaremos trabalhar nas garantias nesse aspecto tudo o que pudermos e melhorar os critérios de segurança para o futuro". Por sua parte, Vilares assinala que o acontecido "deve nos servir como um alerta para vermos a situação em que está grande parte do nosso património móvel e documentário. Não diria que se encontra desprotegido, mas sim poderíamos falar de uma situação de vulnerabilidade. Isto põem na pista da necessidade de fazer um esforço institucional e político para proteger melhor o nosso próprio património".


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