ABONG *
4 novembro 2008/Adital - Agência de Informação Frei Tito para a América Latina
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Vinte anos depois da promulgação da "Constituição Cidadã", que avanços foram conquistados no Brasil e em outros países da América Latina do ponto de vista da expansão da cidadania e dos direitos humanos? Qual a distância entre a cidadania formal e a cidadania real? Quais os limites desta democracia em que vivemos? O que apenas consta na Carta Magna e o que, na prática, se traduz em violações quotidianas dos direitos de milhões de cidadãos(ãs)? Que novas estruturas, forças políticas e sujeitos apareceram na cena pública e que nos desafiam com a necessidade de uma reflexão sobre os "novos contratos sociais" que estão sendo construídos no continente?
À época de sua aprovação, a Constituição Brasileira foi reconhecida por alguns segmentos da sociedade como aquela que contou com o maior apoio popular, criou mecanismos de participação e se mostrou voltada para a defesa dos direitos dos cidadãos e cidadãs. Para outros, ela avançou nos direitos sociais, mas foi conservadora nas questões econômicas, da reforma agrária e da organização democrática do Estado. Para um terceiro grupo, foi apenas um rearranjo das elites para se perpetuar no poder.
Passados esses anos, é possível constatar avanços do ponto de vista da expansão da cidadania, mas ainda há uma enorme distância entre a cidadania formal e a cidadania real. Temos o enorme desafio de repensar as democracias e expandi-las. Pensar esta expansão é uma atitude urgente, pois a América Latina, lugar onde se começa a expressar os incômodos com as injustiças, nos mostra que essa democracia vem sendo construída na prática, na luta, com a conquista de novos espaços e a entrada de novos sujeitos na cena pública. Trata-se de uma outra forma de pensar e exercer a democracia, pautada na solidariedade entre os povos e na garantia dos direitos humanos, econômicos, sociais, ambientais e culturais.
Algumas experiências têm se constituído com base nessa perspectiva, como os intercâmbios e trocas entre Venezuela, Bolívia e Equador para instaurar justiça econômica e social; a formalização, no arcabouço legal do Peru e México, de conquistas dos movimentos sociais, como a Lei Nacional sobre Orçamento Participativo (Peru) e a Lei de Transparência e Informação Pública (México) e, mais recentemente, uma rede de solidariedade dos movimentos sociais, criada em torno do governo paraguaio, que pleiteia junto ao governo brasileiro, a revisão do Tratado de Itaipu.
Diante de um contexto de turbulência mundial, este debate ganha especial relevância, pois sabemos que a crise tende a aprofundar e a ignorar as desigualdades. Nenhum dos chefes de Estado reunidos em cúpulas está interessado em debater que conseqüências a crise terá para o sistema de garantia de direitos, mas sim de que forma os países agirão para sanar as dores do sistema financeiro, manter a saúde das transnacionais e ampliá-las. Isso, porque o centro do modelo está nas relações de riqueza e poder, ou seja, em como não perder riqueza e acumular poder. Por isso, é necessário discutir a construção de novas institucionalidades na América Latina, articuladas com as políticas públicas e com os direitos humanos, sociais, econômicos, ambientais e culturais.
O fundamental nessas mudanças é a garantia da vida e dos direitos. Se discutimos novas institucionalidades sem avaliarmos como elas se expressam em termos de políticas que garantam direitos, estamos discutindo no vazio. Hoje, na América Latina, existem direitos que são sistematicamente violados, como os dos povos indígenas (principalmente aqueles relacionados à garantia de suas terras e territórios, culturas e identidades) e das mulheres. Precisamos afirmar a necessidade urgente de enfrentar essa discussão e pensar em estratégias de desenvolvimento para o continente a partir de uma outra concepção de política que tenha como essência a cultura de direitos.
As diferentes manifestações dos povos latino-americanos e de alguns governos contra a ordem hegemônica nos mostram que chegamos ao limite desta democracia dirigida e regulada. E que é preciso decretar o fim da esperança e da crença nesta democracia do jeito que está. Porque esta esperança infinita freia a urgência de uma ação dos movimentos sociais e da sociedade para transformar e mudar. É esta a dualidade que precisamos romper.
Romper com esta lógica significa superar um modelo baseado na riqueza e no poder e que não tem promovido uma educação libertária, fundamental para o desenvolvimento sustentável. Um dos desafios para as organizações da sociedade civil e movimentos sociais reside, portanto, na sustentabilidade destas novas institucionalidades. Até que ponto este movimento que as colocou em cena terá forças para torná-las de fato democráticas e construir novas práticas e novas formas de pensar e fazer política para além da política dos acordos de gabinetes e das conveniências? Eis aí, um grande desafio.
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SEMINÁRIO DEBATE NOVAS INSTITUCIONALIDADES NA AL
Será realizado em Brasília, nos próximos dias 10 e 11 de novembro, o seminário internacional "Sociedade civil e as novas institucionalidades democráticas na América Latina: dilemas e perspectivas". O objetivo do encontro é refletir sobre os avanços e os limites das novas institucionalidades na América Latina e possíveis estratégias de ação da sociedade civil, na perspectiva da radicalização da democracia e da garantia de direitos. Para isso, serão produzidas análises sobre as experiências das novas institucionalidades democráticas existentes na América Latina, com o intuito de promover um intercâmbio entre elas e desenhar estratégias para a ação da sociedade civil neste novo contexto político. "Este seminário não pode ser visto como um seminário a mais e não pode estar descontextualizado do cenário de crise mundial - e fortemente latino-americana - que estamos vivenciando", afirma Magnólia Said, do Esplar e da diretoria colegiada da ABONG. "Se não pode ser visto assim, também os desafios sobre os quais vamos pensar neste encontro também não podem ser vistos deslocados deste plano", diz.
O encontro - que é fechado - pretende abordar os temas: transparência e acesso à informação pública; controle social do orçamento público; democracia direta e participativa e tensões à democracia representativa e aperfeiçoamento desta última; criação de novos valores, comportamentos e atitudes em relação à democracia; representação e pluralidade dos sujeitos; controle social sobre as políticas econômicas e de desenvolvimento; instrumentos de democracia direta presentes nas constituições e seu uso; estratégia de ação na institucionalidade e sua contribuição com o objetivo de construção da sociedade sem as desigualdades. "Devemos aproveitar a oportunidade para tomar consciência maior do que está acontecendo no mundo, no continente e no país, em especial, porque o Brasil sempre teve e tem um papel fundamental nos processos de construção e rompimento de estruturas injustas", afirma Magnólia, sinalizando: "espero que tenhamos coragem para encarar nossos desassossegos com as injustiças".
No dia 10, as mesas discutem a institucionalidade democrática representativa, avaliando a democracia direta e a participativa e sua contribuição para a criação de novos valores, comportamentos e atitudes; a representação e a pluralidade dos sujeitos sociais no mundo político; a cultura política; e os tensionamentos promovidos pela democracia direta e a participativa na representativa para aperfeiçoá-la. "O debate central desta construção das novas institucionalidades é aquele que diz respeito a seus sujeitos políticos", afirma José Antonio Moroni, do Inesc e da diretoria colegiada da ABONG. "São novos sujeitos da cena política, que causaram desconforto ao saírem dos seus "guetos" para disputar seus projetos de sociedade", diz.
No dia 11, o debate pretende tratar dos mecanismos de transparência, acesso à informação pública, controle social do orçamento público e das políticas econômicas. Em seguida, será avaliada a estratégia de agir nesta institucionalidade e se ela contribui com o objetivo de construção de uma sociedade sem as desigualdades que geram exclusão social, política, econômica e os resultados da aposta na redução das desigualdades. No dia 12, a idéia é pensar uma agenda para o Brasil.
* A organização do evento é uma parceria da ABONG com o Inesc e o Pólis/Logolink América Latina. Leia mais em www.inesc.org.br e www.polis.org.br
* Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=35866
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