sexta-feira, 9 de maio de 2008

Timor-Leste: Conspiração acentua-se quando ocorre a rendição do líder duma alegada tentativa de “golpe”

Por Patrick O’Connor
6 de abril de 2008/World Socialist Web Site http://www.wsws.org/pt/2008/may2008/por2-m06.shtml

Este artigo foi publicado no WSWS, originalmente em inglês, no dia 2 de maio de 2008.

Gastão Salsinha, o alegado co-líder do que foi rotulado “tentativa de assassinato contra o Presidente Xanana Gusmão e o Primeiro-Ministro José Ramos-Horta” em 11 de Fevereiro, rendeu-se às autoridades em Dili na Terça-feira. Salsinha é acusado especificamente de atacar o veículo de Gusmão depois do antigo major Alfredo Reinado ter sido morto a tiros por soldados na residência de Ramos-Horta. O antigo tenente das forças armadas nega essas alegações e insiste que nem ele nem Reinado tentaram orquestrar um golpe ou assassinato.

A rendição de Salsinha veio, conjuntamente, com o temor de mais revelações que colocam mais dúvidas sobre a explicação oficial para os acontecimentos lamacentos de 11 de Fevereiro, e apontam mais uma vez para a possibilidade de o próprio Reinado ter caído numa cilada de assassinato.

Salsinha tinha andado em fuga com cerca de doze dos seus homens nos distritos do oeste de Timor desde os alegados ataques contra Gusmão. Ele liderou anteriormente os 600 soldados conhecidos como “peticionários”. O seu motim em 2006 precipitou ampla violência do que resultou a fuga de 150.000 Timorenses das suas casas. O conflito foi seguido por uma intervenção militar Australiana e a derrubada do governo da Fretilin liderado por Mari Alkatiri.

Salsinha concordou formalmente em render-se na passada sexta-feira, e passou os dias seguintes em negociações na cidade do oeste de Gleno. Mas, ele rendeu-se, oficialmente, em Dili, na terça-feira juntamente com 12 camaradas, ex-soldados, incluindo Marcelo Caetano, que é alegado ter baleado Ramos-Horta.

Ramos-Horta encontrou-se publicamente com os soldados amotinados em Dili quando entregaram formalmente as armas e se submeteram à polícia timorense numa cerimônia realizada no Palácio do Governo. Com o Primeiro-Ministro Gusmão, em Jacarta, para conversações com o governo Indonésio, o Vice-Primeiro-Ministro José Luis Guterres presidiu à rendição e declarou isso como sendo um “momento histórico” para o Timor-Leste.

No mês passado, Salsinha deu uma entrevista telefónica ao programa “Dateline”da televisão da Austrália, SBS . Na entrevista, disse ele: “Há muitas acusações acerca de nós, acerca da morte do Major Alfredo e do presidente ser ferido e também sobre o ataque ao primeiro-ministro,” disse ele. “Dizem todos que estávamos a planejar um golpe. Mas estão a mentir. Seja o que for que digam estão a tentar sujar a nossa reputação.... Estive lá mas não tinha nenhuma intenção de fazer um golpe ou prejudicar o primeiro-ministro. Se tivéssemos planejado atacar o primeiro-ministro, ele não teria chegado a Dili.”

Salsinha disse ao “Dateline” que cedo, na manhã de 11 de fevereiro, Reinado, que ele afirma, “estava bêbado”, ordenou aos seus homens para o acompanharem a Dili para se encontrar com Ramos-Horta e Gusmão. Salsinha disse que esperou numa estrada que vai para a casa de Gusmão e que esperou por mais instruções enquanto Reinado foi à casa de Ramos-Horta.

Isso mantém obscuro o que aconteceu a seguir. Alguns relatos dizem que Salsinha recebeu uma mensagem de texto a informá-lo que Reinado tinha sido morto a tiro e que então o líder dos peticionários tentou sem sucesso emboscar a caravana de Gusmão. Mas, o deputado do governo, Mário Carrascalão, questionou como ninguém teria sido ferido na alegada emboscada, enquanto Mari Alkatiri insiste que a Fretilin tem provas fotográficas que indicas que todo o incidente foi falsificado.

O programa “Dateline”, emitido em 16 de Abril, incluía uma entrevista com um dos homens de Reinado, cujo “nome de guerra” é Teboko, que esteve envolvido no confronto em casa de Ramos-Horta. Teboko insiste que Reinado tinha uma entrevista marcada com o presidente.

“Tínhamos uma ordem de Alfredo para não atacar a residência do presidente,” disse ele ao programa do SBS. “É claro. Pode-se entender que, se íamos para o atacar, podíamos tê-lo baleado em Maubisse ou Suai quando o encontramos [previamente]. Não projetamos isso. Isso não estava nas nossas mentes. Tínhamos uma encontro marcado do presidente com o Major Alfredo e íamos com dois veículos. Chegamos sem nenhuma preparação armada ou militar. Como sabemos, da parte das F-DTL [militares Timorenses], eles dispararam contra nós primeiro. Eles mataram o Major Alfredo e o membro Leopoldino. O jornalista do “Dateline” Mark Davis explicou: “de acordo com Teboko, cerca de 10 minutos depois de entrarem no complexo, sem nenhum fogo de armas e nenhuma ameaça, Alfredo Reinado foi de repente morto a tiros. Encontro encerrado.”

Um relato similar foi feito por Natália Lidia Guterres, a viúva de Leopoldino, o homem de Reinado que também foi morto na residência de Ramos-Horta. Ela disse ao The Australian que o marido entrou em casa às 3 da manhã, em 11 de fevereiro, para mudar o uniforme. Contou ao jornal que Leopoldino tinha dito “Vamos ter um encontro com o Senhor Presidente”. O artigo, publicado em 19 de Abril, continuava: “Natália disse que Leopoldino parecia ‘muito feliz’ porque iam resolver coisas num encontro que a [Angelita] Pires tinha arranjado.”

The Australian sublinhou também que um mapa feito à mão da residência de Ramos-Horta foi encontrado no corpo de Reinado. Os detalhes foram alegadamente dados por Albino Assis, um dos guardas militares de Ramos-Horta, que tinha também trabalhado ao lado de Reinado na polícia militar antes da crise de 2006. Dados telefónicos mostram, supostamente, que Reinado falou com Assis imediatamente antes do alegado ataque na residência de Ramos-Horta.

The Australian sugeriu que Assis tinha traído Ramos-Horta e que estava colaborando com Reinado. Mas se fosse esse o caso, porque é que Reinado entrou na casa do presidente à procura dele quando ele estava fora, no seu regular passeio matinal? Assis devia estar familiarizado com a agenda de Ramos-Horta.

Também não foi explicado o papel dum outro homem que trabalhou no gabinete de Ramos-Horta e que foi visto no acampamento de Reinado na noite antes da violência de 11 de fevereiro. De acordo com o “Dateline”, o indivíduo não identificado era membro dum grupo chamado MUNJ (Movimento para a Unidade e Justiça) que atuou como intermediário para Ramos-Horta e Reinado. O programa SBS reparou: “Desde os tiros contra Horta, o MUNJ tem estado particularmente calado sobre a sua presença no acampamento de Reinado na noite antes do ataque. Está claro que eles estavam a transmitir uma mensagem de Horta, mas não se sabe nada sobre as horas em que partiram.”

O relato oficial está desmentido pelo novos fatos

O relato oficial do que ocorreu em 11 de fevereiro — que Reinado liderou um golpe ou uma tentativa de assassinato — caiu aos pedaços. É agora virtualmente certo que o antigo major Reinado foi à residência do presidente para falar com Ramos-Horta, e parece certo que tinha um encontro agendado. Aquilo que aconteceu, e como exatamente foi morto— cerca de uma hora antes do próprio Ramos-Horta ter sido ferido — mantém-se obscuro.

A emissão de 16 de Abril da “Dateline” sugeriu que Reinado receava que um acordo de anistia, que tinha acordado com Ramos-Horta em meados de janeiro, estava em risco. Sobre os termos deste acordo secreto, Reinado e os seus homens deviam submeter-se à polícia, depois do que Ramos-Horta lhes daria um perdão total. Mas em 7 de fevereiro, Ramos-Horta convocou um encontro em sua casa envolvendo Gusmão, deputados do governo e uma grande delegação da Fretilin. Segundo relatos, os deputados disseram a Ramos-Horta que ele não tinha autoridade para dar uma anistia a Reinado e que isso teria que ser discutido em mais encontros agendados para 12 e 14 de fevereiro.

O “Dateline” sugeriu que Reinado, tendo sabido do que tinha sido discutido, tinha ido a Dili para confrontar Ramos-Horta, que ele pensava que se estava a preparar para renegar o acordo. Isto é certamente uma possibilidade. Extraordinariamente, contudo, o programa da SBS falhou em saber que o item principal na agenda do encontro de 7 de fevereiro de Ramos-Horta não era a anistia a Reinado mas sim a formação de um novo governo. O presidente tinha concluído que o governo de Gusmão, que é cada vez mais impopular e dividido por lutas internas, deixara de ser viável. Ele disse aos deputados reunidos que concordava com o pedido da Fretilin da realização de eleições antecipadas para resolver a crise política. Gusmão discordava duramente, contudo, insistia que a coligação continuaria a governar sozinha.

O World Socialist Web Site sublinhou previamente que o Primeiro-Ministro Gusmão tinha muito a ganhar com a morte de Reinado. De acordo com a velha fórmula da investigação cui bono (quem ganha?), a possibilidade de Gusmão, ou as forças alinhadas com Gusmão, poderem ter algo a ver com a eliminação do antigo major não pode ser excluída. Os acontecimentos de 11 de fevereiro resultaram certamente no cancelamento imediato dos encontros planejados para 12 e 14 de fevereiro de Ramos-Horta. Aqueles acontecimentos ameaçavam o avanço de mais movimentos para dissolver o governo de Gusmão.

O primeiro-ministro cavalgou imediatamente a violência para reclamar poderes autoritários sob a declaração dum “Estado de sítio” (que se manterá em força nos distritos do oeste de Timor até o fim de Maio).

Mais ainda, a morte de Reinado ocorreu depois do antigo major ter emitido um DVD que circulou amplamente onde acusou Gusmão de instigar diretamente os protestos dos peticionários em 2006 que desencadearam os eventos culminando na derribada da administração de Alkatiri. Reinado tinha ameaçado dar mais detalhes do alegado papel de Gusmão na operação de “mudança de regime”.

Questões importantes acerca do papel de Canberra

Reinado tinha relações há muito tempo com a Austrália. Ele residiu no país como refugiado nos anos de 1990 (a mulher e filhos continuam a viver em Perth), e recebeu formação militar em Canberra depois de ter regressado a Timor e ter-se juntado às forças armadas do país. Em 2006, Reinado foi elogiado na mídia da Austrália pelo seu papel na desestabilização do governo de Alkatiri, que Canberra considerava demasiado alinhado com a China e Portugal. Depois da polícia da ONU haver prendido Reinado sob acusações de porte armas, ele e os seus homens foram libertados duma prisão de Dili que estava a ser guardada por tropas Australianas e da Nova Zelândia.

Soldados Australianos, incluindo forças de elite SAS, então clamaram serem incapazes de localizar e deter o antigo major enquanto ele emitia declarações públicas regulares e dava entrevistas para a mídia mundial desde a sua base no oeste de Timor. Isto era completamente implausível — o governo de Canberra, Austrália, tem uma extensa rede de agentes dos serviços de informações a operarem no Timor-Leste, bem como uma inteira divisão dos serviços de informações. Por exemplo, a Diretoria de Sinais de Defesa dedica-se a monitorar comunicações eletrônicas.

Nos dias antes da morte de Reinado, o antigo major fez e recebeu 47 chamadas telefônicas para a Austrália. Continua-se a não se saber com quem ele falava. Autoridades Timorenses expressaram frustração sobre a dificuldade que têm experimentado a obter informação das autoridades dos serviços de informação da Austrália acerca das gravações de voz e do texto das mensagens que interceptaram. Autoridades da Indonésia, por outro lado, forneceram imediatamente as suas informações em relação com várias chamadas que Reinado fez para o país.

Investigadores timorenses estão também à espera por informações relativas a uma conta dum banco de Darwin, contendo um 1 milhão dólares norte-americanos, que Reinado tinha acesso. De acordo com o procurador-geral de Timor-Leste, Longinhos Monteiro, Reinado foi informado que o dinheiro tinha sido depositado na conta numa mensagem de texto enviada por Angelita Pires, a sua amante e antiga intermediária com os militares australianos. O Presidente Ramos-Horta, Salsinha, e muitos dos homens de Reinado, todos, têm acusado Pires de manipular Reinado e de provocar a violência ocorrida em 11 de Fevereiro. Não foram ainda feitas acusações criminosas contra Angelita Pires.

Ramos-Horta tem pedido publicamente que Canberra explique como a soma do milhão de dólares passou sem detecção, particularmente à luz dos alertas automáticos que se aplicam por rotina a grandes depósitos sob as rigorosas leis bancárias da Austrália. Ele também condenou a falta de ação do governo australiano. “Dois meses [depois] e não vi nenhuma ação para forçar o banco na Austrália para libertar a informação,” disse ele na ABC radio. “Quero isto resolvido muito, muito rapidamente, de ouro modo levarei a questão ao conselho de segurança da ONU.”

Este ultimato extraordinário teve resposta com a garantia do ministro dos estrangeiros, Stephen Smith, que a informação relevante será partilhada logo que “procedimentos apropriados” sejam seguidos pelas autoridades Timorenses.

O jogo aparentemente defensivo do governo Labor de Rudd, primeiro ministro da Austrália, alimentou rumores em Dili que pessoal australiano teve uma mão nos eventos de 11 de fevereiro. Um artigo de 22 de Abril no The Australian sublinhava: “Isso deve perturbar a Austrália — que lidera a não amada Força Internacional de Estabilização, que foi levada a afiar a sua imagem fazendo anúncios nos jornais que mostram um soldado australiano a apertar a mão a um garoto timorense — que os timorenses interpretarão afirmações do dinheiro [depositado em Darwin] como prova poderosa de que australianos não-timorenses estiveram a suportar Reinado e a Srª Pires.” A peça continuava: “As coisas estão agora a descarrilhar, com muitos timorenses convencidos que os ataques de 11 de fevereiro tiveram tudo a ver com o petróleo e gás do Timor Gap, com a Austrália não contente em ficar com a parte de leão que já tem e, por isso, de certo modo, a tentar executar a liderança de Timor de modo a deitar a mão a mais dinheiro do país em luta. Analistas comuns já percebem, com os olhos abertos, que isto é realmente uma batalha entre a Austrália e a Indonésia contra a China.”

Estes rumores apontam para a escalada de hostilidade contra a ocupação australiana de Timor-Leste em curso. Quanto esses rumores são verossímeis, isto é uma outra questão. Uma explicação mais verossímil seria que o governo de Canberra (Austrália) está envolvida em “tentar executar a liderança de Timor”. Nesse sentido, as autoridades Australianas sabiam e talvez participaram num plano para eliminar Reinado. O antigo major teria servido aos seus propósitos em relação ao que interessava ao governo australiano, e agora estava ameaçando derrubar o governo de Gusmão alinhado com Canberra e, por isso, estaria abrindo a porta para a Fretilin regressar ao poder. Tendo gasto recursos significativos para derrubar Alkatiri em 2006, isto seria, no entanto, a última coisa que os estrategistas Australianos desejariam.

A rendição de Salsinha tem sido elogiada nos meios da mídia internacional como um passo grande para a paz e estabilidade em Timor-Leste, mas a potencialmente explosiva crise política mantém-se por resolver.Enquanto estava em recuperação na Austrália, o Presidente Ramos-Horta disse que ainda receava pela sua vida e que estava a considerar até uma hipótese de renúncia, de modo a escrever as suas memórias em Paris.

Agora em Dili, contudo, insiste que não tem nenhuma intenção de renunciar. Tem repetido o seu apoio a eleições antecipadas a serem realizadas no início do próximo ano, e pediu também à Fretilin para formar um gabinete ‘sombra”, “para contribuir para o desenvolvimento do país”. O gesto tem sido interpretado em Dili como uma expressão de apoio para uma potencial administração liderada pela Fretilin. Num discurso ao parlamento timorense em 23 de abril, Ramos-Horta disse que vai perdoar a Rogério Lobato, um deputado de topo da Fretilin que foi condenado por armar civis durante a crise de 2006. O caso de Lobato foi uma parte importante de alegações falsas emitidas pelo programa “Four Corners” da ABC que Alkatiri tinha armado um “esquadrão de ataque” para assassinar opositores da Fretilin. O trabalho de difamação da ABC foi usado por Gusmão e pelo governo australiano para pressionar Alkatiri a resignar.

A promessa de Ramos-Horta para dar uma amistia a Lobato tem sido denunciada pela mídia da Austrália. O seu aparente afastamento de Gusmão e aproximação à Fretilin será mal recebido da mesma maneira. Com toda a probabilidade, a resposta de Canberra, Austrália, será aumentar as suas manobras por baixo da mesa e as suas jogadas sujas que visam cobrir os seus significativos interesses econômicos e estratégicos no Timor-Leste, país pequeno e empobrecido da Ásia.

http://www.wsws.org/pt/2008/may2008/por2-m06.shtml

Nenhum comentário: