Participantes de ato em defesa da homologação em área contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, destacam que recuo do Supremo Tribunal Federal selaria um retrocesso para o conjunto dos indígenas do país
Por Maurício Reimberg
20 maio 2008/Repórter Brasil http://www.reporterbrasil.com.br
O evento, promovido pelo Grupo de Estudos em Direito Indigenista da USP, foi convocado em defesa da integralidade da homologação em área contínua. O ato teve a participação de representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai), da Procuradoria Geral da República, do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
"A Raposa Serra do Sol foi uma bandeira de luta social durante muito tempo. Agora se arma ali uma ampla articulação contrária aos direitos indígenas", analisa o antropólogo Paulo Santilli, coordenador-geral de Identificação e Delimitação da Funai. Foi de Paulo Santilli o laudo técnico de demarcação da Raposa em 1992. O documento levou à identificação e à posterior demarcação da área, em 1998. A terra foi homologada em 2005 por decreto presidencial.
Segundo o antropólogo, o vínculo entre as aldeias da região é "indissolúvel". "Quando a Funai e o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] chegaram (nos anos 1970), isolando as aldeias e circunscrevendo as áreas de moradia e as áreas cultivadas, eles foram liberando grandes proporções de terras para a titulação privada", lembra. Por causa desse arranjo inicial, pontua, muitos índios não conseguiam circular entre as aldeias e encontravam dificuldades ao participar, por exemplo, de festas e mutirões.
Para Dalmo Dallari, jurista e professor aposentado da Faculdade de Direito da USP, a Constituição brasileira assegura que a base do direito indígena é a ocupação. "O direito indígena decorre da ocupação. Eles têm direito à ocupação permanente, que não tem limite espacial, e ao usufruto exclusivo das riquezas. A área básica nem precisa da demarcação", explica. "Na Raposa Serra do Sol, a ocupação é para lá de sabida".
O jurista declara que houve um "roubo" das terras dos índios na região. "Os invasores são os arrozeiros, madeireiros, mineradores. E quem está roubando são brasileiríssimos", diz, em referência indireta ao discurso de ameaça à soberania nacional. A TI está situada em faixa de fronteira. No entanto, o Decreto nº 4.412/02, publicado ainda durante o Governo Fernando Henrique Cardoso, autoriza a instalação de unidades das Forças Armadas ou postos da Polícia Federal (PF) em TIs desde que a solicitação seja submetida e aprovada pela Secretaria-Executiva do Conselho de Defesa Nacional.
"Quando foi criado o Estado de Roraima, os índios já estavam lá. É preciso lembrar isso ao governador", enfatiza Dalmo Dallari. Em abril deste ano, os ministros do STF concederam liminar solicitada pelo governador de Roraima, José de Anchieta Júnior (PSDB). A medida suspendeu a operação da PF para retirada dos não-índios da área indígena. O ministro do STF Carlos Ayres Britto é o relator das ações que contestam a demarcação da reserva.
Apesar do impasse, o professor aposentado da USP está confiante numa resolução pacífica para o conflito. "Se o STF garantir a aplicação da Constituição, os direitos dos índios estão assegurados", diz. A advogada criminalista Michael Mary Nolan, que presta assessoria jurídica ao Cimi, concorda com Dalmo Dallari. "Ou o STF tem a coragem de dizer ´vamos cumprir a Constituição´ ou teremos um retrocesso muito grande mesmo".
Para ela, há uma dimensão histórica nessa decisão sobre a área tradicionalmente ocupada em que vivem Macuxis, Ingaricós, Taurepangues, Patamonas e Wapixanas que não pode ser subestimada. "Essa questão não se fecha em relação à Raposa. Vai marcar nossa compreensão em todas as áreas indígenas nesse país por muitos anos à frente", diz.
Direitos e preconceito
No início do mês, oito índios foram feridos a tiros por seguranças da Fazenda Depósito, pertencente ao líder arrozeiro e prefeito de Pacaraima (RR), Paulo César Quartiero (DEM). A propriedade fica no interior da terra indígena. O conflito ocorreu na região do Surumu, ponto de tensões, localizado a 150 km da capital Boa Vista (RR), após a chegada de cerca de cem índios ao local.
Quartiero foi apontado como o responsável pela organização dos ataques. Ele chegou a ser detido durante oito dias, acusado de formação de quadrilha e posse de explosivos. O arrozeiro, porém, foi libertado no último dia 14 de maio. "Sofremos um atentado", lamenta o Makuxi Ivaldo André, do CIR. O filho de Ivaldo, de 13 anos, foi um dos baleados no tiroteio.
"Está sendo colocado que somos um risco à soberania nacional. Só que tem índio que serve o quartel e ajuda o batalhão", responde Ivaldo. Ele enfatiza que os índios da região nunca foram "contra" o Exército. Evaldo reafirma, porém, que a demarcação em terras contínuas ainda é o objetivo da maioria dos povos indígenas. "Não tem como fazer uma área em ilhas", diz.
Já a procuradora da República Deborah Duprat identifica outro problema intrínseco ao conflito. Ela fala em "racismo institucionalizado" em Roraima. "O discurso é racista por dois motivos: os índios não são considerados gente ou são considerados gente não capaz de defender as fronteiras", explica. Ela cita como exemplo o "Monumento ao Garimpeiro", localizado na praça do Centro Cívico de Boa Vista (RR). A obra fica em frente ao Palácio do Governo do Estado. "Roraima homenageia quem mata os índios", lamenta.
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