(ADITAL) Agência de Informação Frei Tito para a América Latina
20 julho 2010/http://www.adital.com.br
Selvino Heck *
Pela primeira vez desde 1989, Lula não é candidato a presidente da República. A pergunta imediata que se coloca é: então o que vai ser decisivo nesta eleição? Parece que o principal a estar em jogo é uma nova hegemonia, que esconde ou revela um projeto de desenvolvimento e um projeto de país.
Historicamente, o Brasil teve uma única e mesma hegemonia política, com pequenos intervalos, quando novos atores políticos e sociais tentaram mostrar o rosto e ocupar espaços, que logo lhes eram retirados.
Nos tempos do Brasil colônia, a aliança dava-se entre os coronéis econômicos do ouro ou da cana-de-açúcar e setores da burocracia portuguesa ou, após a Independência, do Império e sua burocracia. Foram quatro séculos onde meia dúzia de alfabetizados dominou, política, econômica, social e culturalmente, uma massa de negros escravos e de artesãos e trabalhadores. O povo não tinha vez nem voz, tampouco havia democracia.
A República Velha, no início do século XX, uniu os coronéis da cana com os coronéis do café, Nordeste e São Paulo, e alguns setores do latifúndio do gado e do charque, em surgimento e expansão. O povo não viu ‘res publica’. Em sua ampla maioria, sequer sabia ler e, portanto, não tinha direito ao voto.
A Revolução de Trinta pela primeira vez abriu frestas para o povo e os de baixo, embora pequenas. O baronato industrial, setores mais avançados do latifúndio, no contexto das guerras mundiais, pensaram o Brasil como país e nação, com algum grau de soberania. A democracia, embora em expansão, ainda era mínima, e entremeada de golpes e ameaças de golpes de Estado. O Brasil cresceu industrialmente, começou a ter mercado interno, urbanizou-se, tornou-se a oitava economia mundial e os princípios democráticos, à luz da luta popular, foram sendo forjados gradativamente.
O golpe militar de 64 esmagou a democracia nascente, o povo foi derrotado, a luta social esmagada. A direita, liderada pelo empresariado empresarial, especialmente o paulista, comandada ideologicamente pelos EUA, esmagou a liberdade e o início das tentativas de soberania nacional por mais de 20 anos.
A abertura democrática nos anos oitenta, exigida pelo povo organizado; foi, contudo, controlada pela política tradicional subordinada ao grande capital nacional e internacional. Apesar dos avanços da Constituinte de 88, não prevaleceu um projeto de nação soberano. O neoliberalismo, triunfante no mundo, instalou-se também no Brasil, sob os auspícios do capital financeiro e os aplausos do capital industrial e de setores importantes da classe média.
O fracasso do neoliberalismo no mundo, na América Latina e no Brasil abriu a possibilidade dos anos 2000. Já nas décadas anteriores, a partir dos estertores da ditadura, forjara-se um movimento social poderoso - CUT, MST, pastorais, movimentos sociais urbanos e rurais, ONGs -, pela primeira vez de caráter e presença nacional, com partidos de esquerda enraizados na sociedade e capacidade de pensar um projeto soberano de desenvolvimento e de país.
No período do governo Lula forjou-se uma nova hegemonia, que pode ser traduzida e resumida como sócio-desenvolvimentismo, e que tem três vertentes e diretrizes principais: criação de um mercado interno de massas, políticas sociais públicas e política externa soberana. Aliaram-se neste projeto setores políticos de esquerda e centro-esquerda, setores importantes do capital industrial, micro, pequenos, médios e até grandes empresários, a classe trabalhadora organizada, urbana e rural, setores importantes da classe média, de intelectuais e profissionais liberais.
Estes setores hegemônicos apostam na democracia, embora com tensões permanentes, crêem no mercado interno como impulsionador de um capitalismo à moda brasileira; propõem-se a garantir direitos básicos e fundamentais para os trabalhadores, como melhoria de salário e renda, e aos secularmente excluídos direitos básicos como alimentação, e acreditam num país soberano e dono do seu nariz no plano internacional.
Esta nova hegemonia, não democrático-popular, mas sócio-desenvolvimentista, tem contradições. Por ser desenvolvimentista, convive com o grande capital e a economia solidária, com o agronegócio e a agricultura familiar. Equilibra-se ou tenta equilibrar-se entre a preservação do meio ambiente e a necessidade de grandes projetos energéticos para alimentar o desenvolvimento, este muitas vezes predador e concentrador de renda. Por vezes, teme a participação popular e seus resultados. Navega entre as políticas públicas com sensibilidade social e o assistencialismo freador da organização popular.
Esta nova hegemonia está em jogo nas eleições de outubro. Há sinais de que será vitoriosa. Caso isso aconteça, pergunta-se: abrirá mais espaços para que as forças populares, num contexto latino-americano e mundial com elementos favoráveis, possam avançar na conquista de direitos para o povo trabalhador e num projeto de desenvolvimento includente, econômica e socialmente justo e ambientalmente sustentável?
Os próximos meses dirão se a nova hegemonia, historicamente criança e sem Lula no comando, vai se afirmar, ou se a hegemonia secularmente vitoriosa volta ao cenário e ocupa mais uma vez o palco.
* Assessor Especial do Presidente da República do Brasil. Da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política
Nenhum comentário:
Postar um comentário