sexta-feira, 16 de julho de 2010

Brasil/MULTINACIONAIS SANGRAM A ECONOMIA E AGRAVAM DÉFICIT EXTERNO

14 julho 2010/Vermelho http://www.vermelho.org.br

A remessa de lucros e dividendos ao exterior pelas transnacionais instaladas no Brasil disparou ao longo deste ano em consequência da crise que aflige os países capitalistas mais desenvolvidos. Cresceu 38% e tende a superar o valor dos investimentos estrangeiros diretos, ou seja, os lucros extraídos na economia nacional e transferidos às matrizes provavelmente serão maiores do que os novos investimentos e reinvestimentos externos previstos para o ano.

Por Umberto Martins

Desde 2008, conforme reportagem publicada nesta quarta (14) pelo jornal Valor, as empresas estrangeiras já enviaram 70 bilhões de dólares às suas matrizes. É uma cifra assombrosa sob diferentes pontos de vista. As remessas de renda (incluindo juros) constituem a principal causa do preocupante déficit em conta corrente do balanço de pagamentos, que vai fechar o ano perto de 50 bilhões de dólares. Entre janeiro e maio deste ano as multinacionais já transferiram mais de 10 bilhões de dólares às matrizes.

Não é o câmbio
Analistas mal informados ou com má fé gostam de atribuir o problema ao desempenho da balança comercial e à política cambial, mas acabam batendo na carga com o suposto propósito de atingir o burro. Embora o câmbio flutuante seja uma herança neoliberal indesejável, as estatísticas mostram que, apesar da relativa valorização do real frente ao dólar, o intercâmbio de mercadorias continua gerando um saldo positivo e, por esta razão, é um fator que só contribui para reduzir o déficit corrente.

O x do problema, como diria Noel Rosa, é a remessa de rendas apropriadas pelo capital estrangeiro, o que inclui ainda juro, royalty e outras modalidades do lucro capitalista. Na crise, a sangria é maior por um motivo simples. As matrizes pressionam por remessas mais elevadas para compensar prejuízos e, não raro, contornar falências. Afinal, as decisões de investimentos das transnacionais são definidas em seus países de origem, pelas matrizes, regra geral sem a menor consideração pelos interesses das nações onde instalaram seus negócios.

Passivo externo
O resultado reflete o crescimento também geométrico do passivo externo brasileiro e o rescaldo do processo de privatizações e desnacionalização impulsionado pelos governos FHC. Os analistas desprovidos de visão crítica, especialmente aqueles devotos do mercado e apologistas da globalização neoliberal, costumam saudar o ingresso de capitais estrangeiros (o bom capital, professam, é o que vem na forma de investimento direto) como altamente positivo para a economia, numa visão unilateral e metafísica que ignora os efeitos colaterais dessas inversões.

O resultado das contas externas neste ano (com a remessa de lucros e dividendos superando o ingresso de investimentos diretos) é bem sugestivo sobre o equívoco implícito em tais opiniões. Note-se que nem sempre o que é computado como Investimento Externo Direto (IED) significa novos investimentos na economia, é dinheiro aplicado em fusões e aquisições de ativos, ou seja, representam mudanças patrimoniais que não ampliam a capacidade produtiva e geralmente resultam em corte de emprego com as estratégias de “enxugamento” do quadro de pessoal das empresas adquiridas.

Transferindo poupança
Já as remessas de lucros (em todas as modalidades) significam a transferência de poupança líquida para o exterior, em detrimento dos investimentos internos. Não custa lembrar que a substância do lucro capitalista é, conforme se lê em Marx, a mais-valia, ou seja, o sobretrabalho da nossa classe operária. E é dela (da mais-valia) que provém o grosso da poupança orientada para os investimentos.

A transferência de renda nacional ao exterior operada pelo capital estrangeiro é danosa para a economia nacional por mais de um fator. Primeiro, reduz a taxa de investimentos (internos). E também pressiona as contas externas, comprometendo o equilíbrio do balanço de pagamentos.

E o futuro?
Hoje, em curto prazo, isto não parece uma questão relevante, pois as reservas de quase 250 bilhões de dólares protegem o país contra o humor volátil dos fluxos de capitais. Mas ninguém sabe o dia de amanhã e já é possível notar a insinuação de problemas no chamado fluxo cambial, que mede a entrada e saída de moedas no país e foi negativo em mais de 500 bilhões de dólares na segunda semana de julho.

Se o ingresso de investimentos, computados na conta de capitais do balanço de pagamentos, não for suficiente para cobrir o rombo em conta corrente o governo será constrangido a começar queimar reservas para fechar as contas. Neste caso, bateremos perigosamente às portas da crise cambial.

Restringir as remessas
O fluxo de capitais pelo mundo, como já se viu, é instável e volátil, sujeito a bruscas reversões. Isto ficou novamente evidenciado durante o segundo semestre do ano passado, nos momentos mais agudos da crise exportada pelos EUA. Seja lá como for, o ingresso puro e simples de dinheiro do exterior não é uma boa solução, pois amplia o passivo externo e contrai compromissos ainda mais pesados para as próximas gerações.

É prudente rever a lei das remessas de lucros e impor limites à liberdade do capital estrangeiro neste terreno. Nem a ditadura militar, que teve na Lei das Remessas de Juros de Goulart um dos seus pretextos ou justificativas, foi tão liberal e generosa com as multinacionais quanto a legislação atual, uma herança perversa do neoliberalismo tucano que permanece intacta.

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