Agência de Informação Frei Tito para a América Latina (ADITAL)
14 julho 2010/ADITAL http://www.adital.com.br
Adital - 1.159 famílias de sem-teto e sem-terra, em Belo Horizonte, resolveram "por o pé no barranco" e ocupar terrenos abandonados que não cumpriam a função social. São as Ocupações-comunidades Dandara, Camilo Torres e Irmã Dorothy. O poder judiciário tem sido insensível à causa dos sem-teto e sem-terra. Ameaçados de despejo, o povo dessas três ocupações não arredam o pé e se dizem determinados a resistir a ações de despejos.
Maria do Rosário de Oliveira Carneiro, irmã religiosa da Congregação das Filhas de Jesus, advogada, membro da Rede Nacional de Advogados Populares - RENAP - e da Comissão Pastoral da Terra - CPT, acompanha as Ocupações-comunidades Dandara, Camilo Torres e Irmã Dorothy, foi entrevistada por Gilvander Moreira.
Gilvander Moreira é frei Carmelita, mestre em Exegese Bíblica, professor no Instituto Santo Tomás de Aquino (ISTA) em Belo Horizonte e no Seminário Maior de Mariana; assessor da Comissão Pastoral da Terra - CPT -, do CEBI, SAB e Via Campesina. A IHU On-Line agradece a entrevista.
Confira a entrevista.
O que, onde estão e como se formaram as Ocupações-comunidades Dandara, Camilo Torres e Irmã Dorothy?
Maria do Rosário de Oliveira Carneiro: Estas três ocupações-comunidades estão em Belo Horizonte, MG. Com 887 famílias, a Comunidade Dandara está situada no bairro Céu Azul, região da Nova Pampulha, na capital mineira. Com 142 famílias, a Comunidade Camilo Torres está localizada na Av. Perimetral, 450, Vila Santa Rita, bairro Jatobá, no Barreiro, Belo Horizonte. Ao lado, com 120 famílias, está a comunidade Irmã Dorothy. Mais de 160 famílias que resistem há 15 anos nas Torres Gêmeas (dois prédios situados no bairro Santa Teresa, BH) estão também ameaçadas de despejo.
O nome da Comunidade Dandara foi escolhido pela organização da ocupação em homenagem à companheira de Zumbi do Palmares, grande estrategista das lutas em prol da libertação do povo negro e em homenagem a todas as mulheres, companheiras na luta pelo direito à moradia.
A comunidade Dandara é fruto de uma ocupação urbana. Desde 09 de abril de 2009, 887 famílias, sem-casa e sem-terra resistem na Comunidade Dandara. Ocuparam cerca de 400 mil metros quadrados de um terreno completamente abandonado e que há 40 anos não cumpria o princípio sagrado da função social da propriedade, como determina a atual Constituição Federal do Brasil. A ocupação foi realizada inicialmente com 150 famílias, mas com cinco dias já ultrapassava mil. Inicialmente, foi organizada pelo Fórum de Moradia do Barreiro, Brigadas Populares e MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. O terreno tem 40 hectares e estava abandonado desde a década de 70, além de acumular dívidas de impostos na casa de 18 milhões de reais."
Como está a situação jurídica dessas comunidades?
Maria do Rosário de Oliveira Carneiro: No dia 09 de junho de 2009, o desembargador Tarcísio José Martins Costa, da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, cancelou a decisão de outro desembargador que tinha suspendido uma Liminar de reintegração de posse e reabilitou a Liminar de reintegração de posse em nome da construtora Modelo, autorizando assim que a Polícia fizesse o despejo das mais de quatro mil pessoas pobres que vivem na comunidade Dandara".
Um pedido liminar em um Mandado de Segurança impetrado no Tribunal de Justiça de Minas Gerais concedeu a segurança, provisoriamente, à Comunidade Dandara que em aproximadamente um ano organizou-se, fortaleceu-se como comunidade e construiu aproximadamente 95% das casas no terreno, devidamente loteado respeitando um projeto urbanístico, a legislação ambiental e todos os critérios necessários à formação de um bairro em uma cidade-capital.
Dia 09 de junho passado (2010), a Corte Superior do Tribunal de Justiça de Minas Gerais julgou o Mandado de Segurança interposto pelos moradores da Comunidade Dandara e determinou a saída das famílias do local. Sendo assim, após a publicação da decisão, passa a valer, juridicamente, a ordem de despejo dada pelo juiz Bruno Terra Dias, da 20ª Vara Cível de Belo Horizonte, que em abril do ano passado deferiu pedido liminar da Construtora Modelo, concedendo reintegração de posse embora a posse não fosse comprovada.
A Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais ajuizou uma Ação Civil Pública com pedido liminar e cuja liminar foi concedida em favor da Comunidade Dandara assegurando o direito à moradia das famílias que vivem no local. Contudo, esta ação está suspensa até o julgamento final de um recurso que foi interposto pela Construtora Modelo.
A última decisão acima referida, julgamento do Mandado de Segurança, autoriza o despejo das famílias, mas a Comunidade Dandara está mobilizada e acredita que não se trata da perda da causa dignamente por ela assumida.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais acatou dia 05 de novembro de 2009, o recurso da Empresa Vitor Pneus para ordenar o despejo da Comunidade Camilo Torres. Mais uma equivocada decisão judicial que não considera a necessidade de compreender o sistema jurídico como integral e coerente. Não há opção possível em garantir a propriedade e negar a dignidade humana. A decisão marca uma opção que o sistema jurídico não permite: a especulação imobiliária em prejuízo da função social da propriedade e do direito à moradia.
O terreno da comunidade Camilo Torres pertencia ao Estado de Minas Gerais - CODEMIG - e foi transferido a uma pessoa física, dono de uma empresa, em 1992, por um preço 10 vezes inferior ao valor venal do imóvel. Além disso, a venda do terreno foi condicionada, em escritura pública, à realização de empreendimentos industriais na área para geração de empregos, o que jamais foi feito. Uma decisão de primeira instância reconheceu a inexistência de posse reconhecendo o direito das famílias sem-casa que ocupam a área abandonada. Foi uma importante vitória da justiça constitucional. Entretanto, a decisão foi cassada pelo Tribunal.
Em abril de 2010, a Empresa Tram Locação de Equipamentos Ltda. e outros particulares ingressaram com uma Ação de Reintegração de Posse em desfavor das famílias da comunidade Irmã Dorothy que estão em área, que, originariamente, pertencia ao Distrito Industrial de Minas Gerais. Esta área foi repassada para uma empresa de São João Nepomuceno, com o objetivo de instalar um empreendimento industrial, em vinte meses. Decorridos apenas cinco meses, a mesma empresa repassou o imóvel, como dação em pagamento, para o Banco Rural. Hoje o proprietário é o Banco Rural, com a anuência da CODEMIG. O compromisso de se construir um empreendimento industrial foi completamente esquecido. Posteriormente, o Banco Rural prometeu vender o imóvel para a Empresa Tram e outras pessoas. Assim como Dandara e Camilo Torres, a comunidade Irmã Dorothy está com mandado de despejo já ordenado.
Fica reconhecido que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais não fez uma interpretação sistêmica dos direitos sociais fundamentais correlacionados com os princípios constitucionais envolvidos no caso Dandara. Não se levou em conta o sagrado princípio da dignidade da pessoa humana, da função social da propriedade, o princípio republicano da diminuição das desigualdades sociais, dentre outros que se pode destacar, quando se trata de uma questão social de grande relevância como é o caso da falta de moradia em Belo Horizonte e no Brasil.
Considerando o equívoco das decisões jurídicas, as famílias estão determinadas a resistir a um iminente despejo. "Morreremos na luta, mas não sairemos, porque é justo continuarmos aqui e também porque não temos para onde ir. Cadê o respeito aos nossos direitos?", indaga o povo dandarense.
Qual é o cenário das políticas públicas para habitação popular em Belo Horizonte?
Maria do Rosário de Oliveira Carneiro: Segundo informações, a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte - PBH - assumiu compromisso de construir apenas 300 (trezentas) moradias populares por ano. Utilizando como base os dados da própria prefeitura que afirma existirem atualmente em Belo Horizonte aproximadamente 13.000 (treze mil) famílias cadastradas, em 175 (cento e setenta e cinco) núcleos de espera por moradia. Podemos concluir, portanto, que se formos aguardar o ritmo que a PBH impõe a esta "fila" levaria mais de 44 (quarenta e quatro) anos para chegarmos à tão sonhada "Casa Própria", isto sem falar dos 177.000 (cento e setenta e sete mil) cadastrados do "Minha casa, minha vida".
Outro dado que merece relevância é o número de imóveis na Capital que estão sem cumprir o princípio da função social da propriedade. Segundo dados do IBGE e da Fundação João Pinheiro, em Belo Horizonte hoje existem aproximadamente 75.000 (setenta e cinco mil) imóveis ociosos entre terrenos e edificações, contra um déficit habitacional de 55.000 (cinquenta e cinco mil) famílias sem casa. Através destes dados é possível ver que a falta de moradia na capital mineira também é fruto do não comprometimento do poder público em regulamentar e aplicar os instrumentos do "Estatuto das Cidades" a fim de desapropriar áreas e edificações para construção de moradia popular, demanda emergente e necessária na Capital que tem um belo horizonte.
Quais as principais conquistas das três comunidades?
Maria do Rosário de Oliveira Carneiro: São muitas as conquistas. A comunidade Camilo Torres resiste há 2,6 anos. A Dandara, há 1,2 ano. E Irmã Dorothy, há três meses. Além da construção das casas, de um espaço onde as pessoas possam morar e dormir de forma sossegada com suas famílias, plantarem hortaliças no quintal, saírem da tortura do aluguel ou das áreas de risco e até mesmo das ruas (temos também nessas três comunidades antigos moradores/as de rua), podemos afirmar, como um dia destacou uma das lideranças, que nessas Comunidades se constrói também pessoas. Pessoas autônomas, protagonistas de seu processo de libertação da opressão e que não mais estão na luta por uma causa individual, mas por uma causa coletiva como a construção de uma cidade onde caibam todas as pessoas e onde a dignidade humana e planetária seja respeitada.
Pessoas que viviam à base de remédios, depressivas, ameaçadas pelo sufoco do aluguel, famílias que, por colocar todo o dinheiro do final do mês no aluguel, não podiam comprar o alimento para os filhos, hoje respiram mais aliviadas, e na luta redescobriram o sentido da vida. "Aqui na Dandara, eu me curei. Não sou mais aquela velha acabada. Nasci de novo. Aqui temos alegria de viver", afirma feliz da vida dona Maria.
A Comunidade Dandara recebe apoio de estudantes de arquitetura da PUC Minas e toda a área foi devidamente loteada respeitando o projeto urbanístico, as leis ambientais e hoje conta com ruas e avenidas todas batizadas com nomes de pessoas que marcaram a história do Brasil e da Humanidade com a luta pelos direitos humanos. Av. Dandara, rua dos sem terra, rua Zilda Arns, rua Zumbi, rua dos Quilombos, rua Paulo Freire, rua Milton Santos etc.
Na área estão sendo construídos espaços coletivos como um Centro Comunitário, hortas comunitárias, espaço de lazer, assim como estão reservados espaços para Posto de Saúde e Escola.
Atualmente, em uma das salas do centro comunitário da Comunidade Dandara funciona a escola financiada e acompanhada pelo projeto MOVA Brasil, cuja educadora é uma coordenadora e moradora da comunidade. Na Comunidade Camilo Torres também funciona a escola para adultos através do projeto PET - Programa de Educação dos Trabalhadores.
As três comunidades contam com uma grande rede de apoio, inclusive internacional, pessoas das mais diferentes áreas e instituições de renome em Belo Horizonte e no Brasil que têm contribuído com a construção dessas Comunidades. Recentemente, uma instituição ligada à ONU (UNANIMA) manifestou apoio às ocupações na capital mineira e deixou espaço reservado a qualquer denúncia sobre desrespeito aos direitos humanos.
O método de trabalho com o povo visa sempre a promoção e a emancipação das pessoas moradoras da comunidade e hoje já se tem um grande número de lideranças internas que atuam de cabeça erguida e consciente dos seus direitos e dos instrumentos legais que podem utilizar-se para reivindicar tais direitos.
Como estão organizadas as comunidades Dandara,
Camilo Torres e Irmã Dorothy?
Maria do Rosário de Oliveira Carneiro: A Comunidade Dandara está dividida em nove grandes grupos e cada grupo tem dois ou três coordenadores/as, além dos apoiadores que são dos movimentos sociais, religiosos/as, dentre outros. Durante a semana cada grupo se reúne para organizar-se, planejar as tarefas e partilhar a vida. Uma vez por semana toda a Ocupação se reúne em uma grande assembleia onde se oferece os informes e se discute as urgências e prioridades. O grupo de coordenadores/as se reúne duas vezes por semana além dos encontros de formação. A Comunidade conta com um Coletivo de Saúde e outro Coletivo de Educação, cuja ação principal tem sido junto às secretarias municipais de saúde e de educação na tentativa de garantir estes fundamentais direitos à população. Também atua na Comunidade a Pastoral de Criança atendendo mais de 70 crianças.
Essas comunidades têm apoio na sociedade?
Maria do Rosário de Oliveira Carneiro: Uma expressiva rede de apoio tem contribuído muito na caminhada dessas três comunidades. Tem sido grande a presença de estudantes de diversas universidades públicas e privadas do Estado de Minas Gerais e do Brasil na Comunidade Dandara. Muitos projetos vêm sendo desenvolvidos junto ao povo. Outro dado importante nesta linha é o espaço de pesquisa para os estudantes que Dandara tem sido. Já são muitas as monografias de final de cursos defendidas e muitas outras pesquisas que confirmam a legitimidade da luta da Comunidade Dandara.
Também grandes doutrinadores como o professor José Luiz Quadros de Magalhães, por duas vezes já publicou artigos defendo a Comunidade Dandara como "um direito constitucional". Neste sentido, escreveu o professor:
"Pensemos, pois, em termos constitucionais: A propriedade há quase cem anos deixou de ser a base do direito constitucional; Logo, não podemos, jamais, em nome da propriedade, ameaçar a vida de quem quer que seja; Logo não pode a polícia, órgão constitucional de proteção do direito humano à segurança, ser usada para agir contra a segurança das pessoas pondo em risco a integridade e a vida das pessoas. A vida digna e livre é fundamento de toda ordem constitucional democrática atual; Podemos acrescentar ainda que ninguém está obrigado a cumprir ordens ilegais e inconstitucionais e que os responsáveis por estas ordens devem ser responsabilizados; Finalmente: qualquer ordem judicial não pode jamais escolher entre um outro direito fundamental se todos os direitos envolvidos puderem ser preservados diante do caso concreto; Em caso de escolha não há como se afastar o alicerce do direito constitucional democrático que é a vida com dignidade em nome da propriedade, ainda mais de uma propriedade não utilizada; Não há no caso das ocupações Dandara, Camilo Torres e Irmã Dorothy nenhuma justificativa para se comprometer a VIDA de milhares pessoas em nome de um direito de propriedade que jamais cumpriu sua função social que, portanto, não existe mais".
A finalidade de nosso ordenamento legal constitucional é a liberdade com dignidade e segurança de todas as pessoas e não apenas dos proprietários ricos como foi nos séculos XVIII e XIX e boa parte do século XX. Romper com uma matriz superada teoricamente e superada na prática pelas transformações sociais, mas que ainda habita alguns discursos jurídicos, é fundamental para que finalmente sejamos capazes de construir no Brasil uma verdadeira ordem republicana fundada na igualdade perante a lei e no respeito à Constituição e logo aos direitos fundamentais de todas as pessoas iguais. Isto é a República que ainda estamos por conquistar: um espaço constitucional de respeito à vida, à dignidade e a segurança com igualdade de direitos sem privilégios relativos à origem ou posição social e econômica; cargo ou função; cor, sobrenome, etnia, gênero ou opção sexual, ou qualquer outra diferença que as sociedades historicamente produziram ou venham a produzir.""
Quais são os maiores desafios hoje?
Maria do Rosário de Oliveira Carneiro: As Comunidades Dandara, Camilo Torres e Irmã Dorothy contribuem muito para o nosso processo de humanização. Não basta estar escrito em nossos ordenamentos jurídicos leis humanas, princípios humanos de defesa da vida. Nós precisamos nos humanizar também para podermos interpretar as leis.
Essas três comunidades têm ensinado muito aos gestores públicos na medida em que reivindicam direitos sociais e apontam alternativas para combater as injustiças sociais como propostas de políticas públicas para moradia popular que atendam um maior número de pessoas; tem ensinado o poder judiciário a interpretar as leis na ótica em que afirma o professor José Luiz Quadros de Magalhães: "Os ordenamentos constitucionais democráticos que se constroem hoje no mundo, incluindo a nossa Constituição de 1988 trazem um sistema coerente de normas jurídicas que se fundamentam nos direitos humanos constitucionais entre eles os direitos sociais ao trabalho, justa remuneração, saúde, moradia, educação, função social da propriedade rural e urbana, liberdade, igualdade jurídica, democracia popular, entre outros".
Dandara, Camilo Torres e Irmã Dorothy vêm gritando isso de muitas maneiras, mas o grande desafio é ser ouvida, porque o diálogo em nosso país, sobretudo quando se trata do diálogo com as "minorias" (que são maiorias), fica travado e se prefere a via da repressão e da indiferença que tortura. Contudo, segue-se a luta e a organização popular. Este é o instrumento de maior força que a comunidade possui, porque a experiência vem dizendo que na medida em que se fortalece a luta empodera-se o povo e efetiva-se a soberania popular.
Chamamos todos e todas que se solidarizam com essa bandeira a fortalecer a luta das Ocupações (no campo e na cidade) na sociedade e a denunciar a posição de uma Justiça que ignora a realidade popular, o direito dos pobres!
O povo das Comunidades Dandara, Camilo Torres e Irmã Dorothy que não tem para onde ir, permanece na posse dos terrenos que estavam abandonado há 40 anos e está disposto a resistir mesmo sabendo que isso pode causar um massacre em plena capital mineira. Resiste porque tem a clara convicção da legalidade e legitimidade de sua luta digna e por dignidade.
Para ler mais:
www.ocupacaodandara.blogspot.com
A entrevista, abaixo, está publicada no seguinte sítio na internet:
http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_entrevistas&Itemid=29&task=entrevista&id=34151
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Brasil/ASSENTAMENTO RESISTÊNCIA (DO MST), UMA EXPERIÊNCIA QUE SINALIZA VALER A PENA LUTAR E RESISTIR
Agência de Informação Frei Tito para a América Latina (ADITAL)
14 julho 2010/ADITAL http://www.adital.com.br
Frei Gilvander Luiz Moreira *
Adital - Dia 03 de julho de 2010, visitamos a comunidade do Assentamento Resistência, em Funilândia, perto de Sete Lagoas, MG. Lá celebramos com o povo. São vinte famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que conquistaram 333,3 hectares de terra, que era da Santa Casa de Belo Horizonte.
Na sede da fazenda permanecem os casarões onde existiu um convento de freiras, uma pequena capela que hoje é utilizada pelo pessoal da comunidade.
Os casarões abandonados, hoje, abrigam as vinte famílias que ocuparam os espaços há dez anos atrás. Eis um verdadeiro sinal de partilha, próprio dos pobres.
A área era mais um latifúndio que estava abandonado, sem cumprir sua função social. O MST indicou e alertou ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para que avaliasse a terra e fizesse valer o princípio da função social da propriedade. As vinte famílias que ocuparam a área estavam sendo despejadas de uma outra ocupação no município de Esmeralda, MG.
Após dez anos de luta, as famílias tiveram suas terras demarcadas e legalizadas, 12 hectares para cada família e já estão terminando de construir suas casas de 42 metros quadrados: 2 quartos, cozinha, sala e banheiro. Bonito perceber a alegria de um sonho realizado, mas por outro lado, triste constatar que em nosso país, um direito fundamental como é o da moradia tem que passar por um processo de muita luta e sofrimento para ser alcançado quando se trata dos pobres. Encontramos, por exemplo, com o Sr. Miguel, uma das lideranças do assentamento, que feliz nos apresentou sua casa. Em breve, haverá festa e celebração para inauguração das 20 casas.
O INCRA liberou R$9.700,00 para a construção de cada casa. Em mutirão todas as casas estão sendo construídas. "Os homens se reúnem para construir as casas. Quando termina a de um companheiro, começa a do outro. As mulheres, em mutirão, preparam o almoço. Assim todos se ajudam." A esperança da comunidade é que chegue a energia, através do Programa "Luz para todos".
A Comunidade Resistência, através do projeto MOVA Brasil, tem Educação para Jovens e Adultos (EJA) que ajuda na alfabetização e formação do povo. As crianças e adolescentes estudam na escola do distrito Núcleo João Pinheiro.
Bonito perceber o espírito e a fé das pessoas que encontram na luta e na organização popular alternativas para superarem as dificuldades pessoais e comunitárias.
Dona Manuelina, feliz da vida, conta sua história dizendo que veio para a comunidade, sozinha, sem a família de sangue. Ao se instalar no Assentamento Resistência, comprou dois leitões que já se transformaram em cinco vaquinhas. Hoje, vive com um filho que veio com a família morar com ela.
A comunidade-assentamento Resistência sinaliza que vale a pena lutar e que a luta não pode acabar simplesmente por haver conquistado um lugar. Enquanto no mundo existir um sinal de injustiça social lutar é preciso. Lutar de forma organizada, com fé no Deus da vida, no pequeno e em si mesmo, sem perder a esperança. Resistência sinaliza que vale a pena resistir.
O Assentamento Resistência possui 80 hectares de reserva ambiental preservado pelas 20 famílias que ali vivem. Outro dado bonito é a abertura da comunidade para acolher mais cinco famílias encaminhadas pelo MST, porque não tinham onde morar. Grandes lideranças foram formadas pela luta nestes 10 anos de vida do assentamento-comunidade Resistência. As famílias, além da terra para morar, conquistaram o direito de lutar, de resistir, de se construírem com a dignidade que lhes são de direito.
Contam que quando chegaram ao local, há dez anos atrás, receberam uma forte repressão militar e de muitas maneiras tentaram expulsá-las. Hoje, capinam suas roças, cavam as minas que há quatro metros brotam águas cristalinas, constroem suas casas, vê suas crianças brincarem nos terreiros e seus animais pastarem.
Belo Horizonte, 13/07/2010.
* Paróquia N. Sra do Carmo
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